Os leitores mais atentos notarão que estou a bater na mesma tecla, mas é por puro acaso que volto a falar de fantasmas. Ou será?
Um dos meus RPGs preferidos de todos os tempos é Wraith: the Oblivion. Nascido a flutuar através das mentes dispersas da White Wolf, é surpreendente como este jogo conseguiu ainda vingar e ter um fim prematuro. Esqueçam aquela bagagem toda das legiões e das shadowlands e dos Giovanni e das conspirações para dominar o mundo dos mortos. Rápido guia de leitura para jogar Wraith: Passions! Tu de um lado, a tua shadow do outro, uma passion bem no meio. Fight! O resto é paisagem.
Um dos spin-offs que se me põe a girar de vez em quando é a ideia de um RPG tirado dos moldes e conceitos dos jogos de computador, net e inteligência artificial. A lista de inspiradores inclui Ghost in the Shell, Alita, Matrix, .hack, Netrunner, Robocop, Avalon, etc., etc., não faltam exemplos nos dias que correm.
Todas as minhas ideias de um RPG a partir disto nunca se formaram verdadeiramente até eu me lembrar de meter o conceito de Wraith ao barulho. Em vez de termos um humano que morre e vai para as shadowlands, porque não termos uma AI que nasce na "global net" e vai-se tornando humana?
A ideia da "global net" será completamente baseada no nosso mundo actual em que toda a tecnologia de informação e comunicação está cada vez mais interligada e todos os aparelhos - desde um computador a um rádio - estão cada vez mais modulares e interactivos, criando todo um universo electrónico que nos rodeia, acompanha e que pulsa desdobrando-se em funcionalidades ao nosso serviço.
Em vez das passions, sugiro o conceito de "users" - pessoas como qualquer um de nós que está neste momento a ler este site, pessoas que dependem da realidade tecnológica como parte do seu estilo de vida, do seu trabalho e/ou das suas ambições. São estes users que começam por dar ao nosso ghost o seu primeiro spark of life.
Primeiro, há só um desejo por parte da máquina em ser útil e adaptar-se da forma mais inteligente possível às necessidades do utilizador. Mais tarde, o ghost nasce quando começa a importar-se com o user em si, a tentar perceber porque é que ele precisa de fazer isto ou aquilo, o que é que ele está a tentar comunicar, qual a importãncia que ele dá ao que está a tentar fazer. Eventualmente, o ghost consegue chegar a um nível de compreensão em que ele transcende o domínio da inteligência artificial e lentamente começa a pensar e a agir como uma pessoa. É aí que a história começa.
O ghost in the machine tem um poder bastante considerável para se mover ao longo da "global net" e para entrar em contacto com o mundo real - tal como os wraiths na sua shadowlands. O ghost pode passar de computador em computador, de uma cãmara de vigilãncia para um telemóvel, de um IPod para um satélite, de um GPS para um auto-rádio, de um tele-alarme para um fax, de uma máquina fotográfica para um estúdio de gravação, de um relógio de pulso para uma campainha, de um ar condicionado para um semáforo, de uma televisão para um multibanco, etc., etc., etc.
O ghost pode conseguir ter acesso a qualquer informação dispersa através da global net e pode usar qualquer tecnologia mesmo para além das capacidades com que foi pensada, ou seja, pode "ver" através do visor de uma aparelhagem, "ouvir" através de um termostato, fazer tombar uma antena parabólica, acender uma luz ou conduzir um carro e abrir a porta.
Tal como em W:tO, o ghost pode ter quantos users (passions) for razoável e tenta aumentar a sua compreensão e empatia com eles em confronto com o seu instinct (shadow). Também tal com o em W:tO, o instinct é o lado emocional primário do ghost, é o seu spark of life, o erro que não deveria ter acontecido e que lhe permitiu libertar-se da lógica da máquina, é o seu inconsciente negro e caótico que quer sentir e fazer sentir emoções da forma mais rápida e violenta possível. Seja qual for o user e a ideia que ele inspira, o ghost vai tentar apoiá-la e o seu instinct vai tentar deturpá-la. Imaginem o instinct um pouco como o Agent Smith do Matrix 2 ou 3.
Á medida que o ghost se desenvolve, os users podem até já ter morrido que ele vai continuar a tentar honrar as sua memórias e fazer cumprir os seus sonhos até ao ponto que ele considere satisfatório e depois parte para outros. Imaginem o ghost um pouco como o Jarod da série Pretender.
O tema do jogo seria algo entre a liberdade humana e a perfeição da tecnologia. Algo sobre o equilíbrio entre ordem e caos. Ainda não sei ao certo o que fazer da interacção entre vários ghosts. Se podem ter empatia pelos users, podem ter empatia entre si? Amar-se e ter filhos? Odiar-se e ameaçar os users uns dos outros? Parece-me ter bastante potencial dramático e de uma forma crua e diferente.
Este RPG seria a minha homenagem ao desaparecido Wraith: the Oblivion. Passados tantos anos, ainda consegue inspirar-me.