Spycraft (GBU Review)

Aqui está o regresso, depois de quase 3 anos, da Lady Entropy às Reviews. Eu já andava para fazer isto à uns tempos, mas infelizmente, ou não jogava nada digno de nota, ou andava a jogar coisas que já tinham sido revistas por outros. Para aqueles que não sabem o que é uma GBU Review é um sistema que tenho usado quase sempre nas minhas reviews, que termina sempre com comentários ao "Good", "Bad" e "Ugly" de cada jogo.

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Entretanto, meti as unhas no Spycraft 2.0 (aka segunda edição), o RPG de espiões e agentes secretos.

Começando por um pouco de história, Spycraft originalmente apareceu durante a loucura do D20, pelas mãos da Alderac\AEG (senhores de Legend of the Five Rings) que foram das editoras que mais material cuspiu para D20, incluindo as aberrações de L5R e 7th Sea D20. Tal como o resto dos seus jogos, saiu também o jogo de cartas de Spycraft, que ainda foi bem popular durante algum tempo, mas acabou por morrer sem grande estrondo. O RPG acabou igualmente por dar o estouro, sobretudo quando vários factores (incluindo DD 3.5) enterraram a mania do D20 - mas não sem antes deixar uma legião se seguidores - devido a regras imaginativas e inovadoras, que melhoravam o D20 em muito. A AEG fez uma revisão ao sistema, melhorou umas coisas, e fazer algumas alterações para tornar o jogo ainda mais costumizável e lançou o 2.0.

A Crafty Games adquiriu a licença, e fez sair Spycraft 2.0 2nd Printing, e os muitos suplementos PDF que sairam agora para o jogo.

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1 - PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Spycraft 2.0 aparece em dois formatos: a edição normal de cerca de 500 páginas, A4, capa dura a cores (também conhecido como edição "Riot Shield") ou a Pocket Edition que parece muito gira (por 15 euros, 500 paginas preto e branco, capa mole A5), ma que não passar de uma diminuição literal da edição normal para metade do tamanho e a preto e branco. Se têm problemas a ler tipo de tamanho 6, mantenham-se longe.

O livro vem dividido em 7 secções:

- Character Creation - reunindo as regras necessárias para fazer personagens.

- Skills - listagem e explicação das abilidades\conhecimentos.

- Feats - tal como em D&D, listagem e explicação das feats

- Gear - listagem de equipamentos, incluindo preços, disponibilidade, etc.

- Combat - como se desenrola o combate e que regras utiliza.

- Dramatic conflict - a mesma coisa que a secção do combate.... só que para tudo o resto (sedução, perseguição a pé ou de automóvel, investigaçao, etc.)

- Game control - a obrigatória secção do Mestre de Jogo.


A arte não é horrivel, mas demasiado cartoony. Utilizaram a mesma artista do jogo de cartas (se calhar porque ela fazia precinhos melhores?), mas, ainda que eu aprecie o estilo, destroi um bocado a credibilidade. Parece que o jogo é só mesmo para aqueles espiões estilo Spy Kids, ou dos desenhos animados. Preferia muito mais a arte do primeiro Spycraft. Por isso é que roubei a arte do jogo de computador "The Agency" para por aqui, em vez de meter a do Spycraft.

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2 - APRESENTAÇÃO

Ora, como a minha santa mãezinha dizia, aqui é que a porca torce o rabo. De livro em punho, lanço-me para a leitura de "como fazer uma personagem", o primeiro capítulo. Depois de uma introdução um pouco pequena sobre como "criar" a personalidade e história do PC, e uma apresentação dos estafados 6 atribudos, levo com algo que me deixa a babar -- para além das já batidas classes do "Bonitão"; "Soldado", "Ninja" etc, temos outras classes como "Adept" e "Hacker", entre outras, que vos deixam ser basicamente tudo. E, ainda melhor, temos "Origin". Origin reflecte de onde os personagens vieram ANTES de se tornarem agentes secretos -- escolhem de uma lista de cerca de 20 opções, entre Hot Rod, Celebrity, Geek, etc. Cada uma delas representa uma origem diferente, e tem bonus exclusivos associados -- e não, não só é à Neverwinter Nights "-2 STR +2 DEX". Tem feats e skills e abilidades especiais exclusivas. Finalmente! Um dos meus maiores problemas com D&D (falta de individualização) está a ser destruído! Dou saltinhos de alegria e fica toda a gente no Metro a olhar para mim.

E é mais ou menos aqui que as coisas começam a correr mal. Sou incapaz de continuar a ler porque de linha a linha levo com coisas que, por mais que releia, não consigo perceber, do género "Each synergy bonus you gain during a cooperative or directed skill check increases by 1". Wtf!? "Each time you fail an Athletics or Cultures check and don't suffer an error"... sim, eu sei que cada jogo tem o seu jargão, mas chegou ao ponto em que eu já estava tão baralhada (e depois de correr para trás e para a frente a tentar perceber o que cada coisa queria dizer) que tive que desistir de ler sobre a personagem, e andar a saltar para os capítulos seguintes para ver se apanhava o fio à meada. Tive mesmo a considerar pegar num bloco de notas para escrever um dicionário "Spycraft-Português" para ver se conseguia perceber aquilo.

Spycraft sofre do problema de quererem evitar a tática do D&D e publicar um livro para o GM e um para o jogador, e, em vez disso, meter tudo à bruta num só livro. O que conseguem, mas sacrificando o interesse. Ler Spycraft 2.0 é como ler uma bula de medicamentos. Tabelas, jargão incompreensível e pouco texto para despertar o interessse -- nunca antes na vida SUFRI para ler um livro de RPG, mas Spycraft conseguiu o feito. Parece que estamos a mastigar pastilha elástica velha - faz doer os queixos, não tem sabor, e parece que nunca mais acaba.

Aparentemente, a tática deles é meter o "setting" em livros independentes, (pelo menos era assim com a primeira edição), e fornecer só regras no livro principal. Mesmo assim, e por muito que eu odeie D&D, D&D conseguia pelo menos ser mais agradável para ler. Não há setting nenhum em Spycraft, só regras. Nada de chichinha, só osso!

O facto que eu estava a ler a Edição de Bolso no Metro não ajudava, admito.

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3 - CRIAÇÃO DE PERSONAGEM

Spycraft é. como disse, D20 (mais precisamente, OGL). Com isso, usa a criação básica de DD, seguindo estes passos:

- Atributos - os 6 do demo de D&D, mas em vez de rolar, distribuem-se pontos para determinar.

- Origin: Talents and Specialities - Escolhemos, então, de onde o nosso PC veio e que aprendeu antes de ser um agente (Talent) e em que foi treinado pela agência antes do jogo começar (Specialities) -- cada uma destas duas tem uma palavra associada ("Icon") e uma definição ("They might not know your name, but they'll never forget your face"). O jogador escolhe quais das duas acha que combina melhor com a sua personagem -- e associado a estas definições vêm bónus ou até penalizações.

- Class - Tal como os atributos, temos as classes de D&D só que muito expandidas. Não se é "só" rogue, ou "só" warrior. Há uma multitude de opções para fazer qualquer tipo de espião. Obviamente, têm abilidades unicas (e pontos de vida) que vão aumentando com o nível. Note-se, que não há complicações para fazer multiclass. É só querer.

- Interests - Os jogadores podem escolher 3 hobbies que as suas personagens tenham que possa ser explicado em uma ou duas palavras ("caçar", ou "desportos radicais", etc). Durante o jogo, se o PC estiver numa situação onde os conhecimentos dos seus hobbies possam ajudar, o jogador recebe um bonus ao lançamento.

- Subplots - Cada jogador começa com 2 histórias por resolver do seu passado (Hunted, Mistaken Identity, etc), que podem aparecer no meio de cenas para o assombrar. Quando um PC resolve um dos seus Subplots recebe bonus a XP -- e ganha um novo Subplot. Aplaudo isto, mas irrita-me que seja tornado numa mecânica.

- Derived Values - Calcular Vitality Points e Life Points (mesmo sistema de Star Wars D20), Stress Threshold, Safe rolls, iniciativa, Base Attack Bonus... etc.

- Action Dice - Action Dice (ou Drama Dice) é invenção da AEG, que apareceu com 7th Sea. Quando os jogadores fazem algo espetacular, o GM recompensa com Action Dice -- que depois podem ser usados para controlar o jogo ligeiramente e dar bonus a lançamentos, salvar alguém de morte, etc.Cada PC começa com 2 mas o numero pode e deve subir.

Diga-se de passagem que fazer uma personagem de Spycraft foi secante. Demorei cerca de 3 horas - perguntem ao Solid Snake-- e chegou a um ponto que escolhi uma Feat à sorte (Cryptographer) e optei por não escolher material porque estava prestes a atirar o livro pela janela. Tive que andar aos saltos para trás e para a frente para anotar bonus, contra bonus, restrições, etc. ou só para perceber o que é que o livro queria.

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4 - SISTEMA

Spycraft é uma variante de D20. Usa ainda as regras de D&D 3.0 (o D20 dos meus pesadelos). Já sabem como é - lançam um D20, adicionam os bonus dados por skills, atributes e outras coisas e têm que consegir ter um resultado que seja igual ou superior ao DC, numero esse determinado pelo GM (ou Game Control) neste caso. O que torna o jogo tão diferente é que tentam acabar com o enfâse de D&D em combate, e apresentam uma montanha de regras e sub-regras para permitir aos jogadores terem conflitos em áreas não-bélicas que não seja "Lanço o meu D20, e adiciono o meu bonus de Diplomacy + Carisma" contra o inimigo. Claro que o problema é MESMO esse. De repente, temos uma montanha de regras e contra-regras e miniregras (fumbles já não são só quando se rola um 1. Tem que se determinar a Threat Range (1 a 4, por exemplo) -- e se se rolar algum desses números (1, 2, 3 ou 4) há uma possibilidade de "Error". Se o GC gastar um dos Action Dice dele, aí acontece mesmo o Error, e algo muito MUITO mau sucede). Isto é só um pequenino exemplo. Eu sei que eles roubaram muitas regras de suplementos da 1ª edição, mas facilmente se torna intimidante e até cansativo.

Como um amigo meu que mestra Spycraft e é um especialista em D&D diz, é frustrante ter um jogo como este, cheio de promessa e tão próximo da grandeza, mas arruínado por um mau sistema. Diga-se de passagem, o sistema de Spycraft como conjunto de regras é épico, e tenta fazer do jogo uma experiência igualmente épica -- mas mecaniza TODOS os aspectos do jogo. A verdade é que sempre adorei espiões e agentes secretos e tava cheia de tusa para jogar -- (disse mesmo ao rick Danger que não queria saber se era D20 ou TriStat, porque as ideias do livro á primeira vista pareciam geniais), mas depois de 3 dias a lutar com o livro de regras, estava pronta a mandar tudo às urtigas e ir jogar "My Little Pony RPG". Não é um livro que recomende para principiantes, de forma alguma. O Rick Danger sugeriu que eu mestrasse uma one shot de Spycraft num dos encontros mensais de RPG do Porto -- agora vou ter que lhe dar porrada só por essa sugestão.

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5 - SETTING

Pois. Qual setting?

Na verdade, o livro sugere na secção do GM (que é a parte mais interessante do raio do livro todo) como fazer vários tipos de campanha, baseados em vários tipos de espionagem (pulp, near future, light hearted), mas utilizando as chamadas "Campaign Qualities". O GM escolhe uma mão cheia de qualities que acha que o seu jogo deve ter, que são definidas por palavras como "Cinematic", que têm uma definição associada (Espetacular, com explosões, etc) e que automaticamente recebem ajustes ao XP e a outras coisas (nas campanhas com a Quality "Cinematic" as explosões são muito maiores e causam menos dano). É uma ideia interessante, mas se querem setting ou o inventam voçês, ou compram os suplementos.

Infelizmente, ainda n consegui adquirir nenhum suplemento de Spycraft (estou a guardar-me para a Games Expo UK), mas tive nas mãos um magnifico suplemento da 1Edição, "The 1960s", um enorme manual de como jogar durante a idade de ouro da espionagem -- um festim de informação, com muito poucos números e mecânicas. Se todos os suplementos forem assim, ainda talvez consiga engolir o facto que não há setting no livro principal.

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6 - PARTING SHOTS e OPINIÕES

No ínicio, estava incrivelmente impressionada com Spycraft. As regras são sólidas, e prevêm um jogo que não É só combate. Onde combate existe, sim, mas todas as outras coisas são igualmente importantes, e têm as suas regras próprias. Isto torna-o diferente, melhor que D&D em qualquer uma das suas versões. Mas aí é que chega o calcanhar de aquiles. Tem regras para TUDO. TUDO. É quase a versão D20 do F.A.T.A.L. Comecei a sentir-me ligeiramente ofendida por ver que o jogo obrigava a fazer coisas mecânicamente que eu sempre fiz por razões de RP com a minha personagens anteriormente, como definir a vida e os hobbies e os "side quests" dela. De repente, é obrigatório fazer, e isso faz-me ninho atrás da orelha.

Acho que tenho uma relação de Amor\Òdio com este jogo. Consigo ver o que o faz fabuloso, mas depois da minha experiência com ele, perdi a vontade de o jogor.

Notei que pessoas que começaram por jogar D&D tem muitas vezes dificuldades em interpretar personagens, e não conseguem realmente "sentir" que os PCs são pessoas com bagagem emocional, e um passado. Este jogo, é, por isso, a minha recomendação para quem está farto de fantasia e Roll-play, e gostava de começar a avançar para algo mais orientado para a personagem. O sistema é familiar, o que ajuda a transição, mas mete inovações a nível da personagem (ou até do GM, que queira começar a costumizar mais as suas campanhas) que funcionam como "rodinhas de apoio" até que o jogador consiga jogar uma personagem como algo mais que um amontoado de números com uma folha com um "Typical Fantasy Background #56q1453wB" agrafado.


The Good: As melhorias das regras em relação ao D20. O facto que o nosso passado pode dar-nos bónus mecânicos.

The Bad: Regras, regras, regras. E MAIS REGRAS. Não é um livro de RPG, é um compêndio de regras.

The Ugly: O jargão\Léxico. Ler 500 páginas de regras em fonte de tamanho 6.

Classificação (1 a 5):
Ambiente: NA
Sistema: 5 (para quem gosta de D20); 2 (para quem odeia D20\ou não tem paciência para regras para tudo e mais alguma coisa.)
Suplementos: 4 (esta nota é um bocado abatoteirada.... mas gostei MESMO muito do The 1960s)
Apresentação: 3 (arte é pouco inspirada, obriga a saltar por todo o lado para encontrar definições cruciais para tudo o que precisamos saber)

Classificação Global: 4.

Tou a ver um MONTE de erros que quero emendar (causados pela 1 da manhã) mas não posso. Raios! Olhem, desculpem qualquer coisinha, tá? Ou pelo menos aquele "começão". HORROR!

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"HOUSE FLAMBEAU - where you teach your apprentices by pissing them off until their will to set you on fire overcomes the stactic paradigm"

"I still miss my ex-wife, but my aim is improving

No início do tópico deves ter estes separadores "Exibir Editar Acompanhar Estrutura", o de edição é o segundo. Se não conseguires aceder manda-me uma lista das correcções e eu edito (admin rulz :p).

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Benvinda de volta Happy

Ontem também estive a ler esta outra review na rpg.net e é interessante ver como as opiniões coincidem. Por acaso, até pensei que, no teu caso, valorizasses pouco o setting já que conheces bastante bem o ambiente em que queres jogar e nós até já chegamos a jogar o Spycraft 1.0 em freeform. Assim, parecia-me que querias mesmo só as regras como ferramentas para construir um mundo de espiões que tu já tens imaginado. No entanto, suponho que, não só as regras serão demasiadas - talvez chegando ao ponto do sistema poder ser conisderado generalista? - como, além disso, estão bastante interligadas, ou seja, parece que não podes escolher só umas e ignorar as outras como acontece em toolbox RPGs como Aces & Eights.

Bem-vinda e... não deixes que o facto de outra pessoa ter revisto um jogo te impeça de o reveres também. Todos queremos saber o que é que TU pensas...

Bem, se tiveres paciência, podes tentar fazer uma versão light das regras, deitando fora o que não interessa. E já agora, dentro em breve estou de férias, podiamos fazer uma sessãozinha dessas com o Rick como fizemos do PTA, lembras-te?Wink

" Robot durante o dia, vegetal durante a noite"