Tenuki: "Eu não chamaria a isso.."

Tenuki é um termo de Go, uma ideia para classificar artigos como este.

Já falei várias vezes neste blogue sobre como o RPG é um bicho muito peculiar. Não tenhamos dúvidas que roleplay é um domínio que tende bastante para o abstracto e para o subjectivo. Poucos assuntos são abordados de tantas maneiras diferentes, acolhendo os gostos das mais diversas pessoas. Para um mercado relativamente pequeno, a gama de produtos disponíveis é avassaladora, tão heterogénea como os seus clientes. Existe um tipo de jogo predominante - o popular d20 - mas mesmo esse dá azo a imensos jogos e a muitos grupos que encontraram, cada um, a sua forma de divertimento.

Como exemplo simbólico deste subjectivismo, vejamos que não existe discussão em qualquer forum de roleplay que não possa crescer exponencialmente a partir do que eu gostaria de designar o factor ENCI (Eu Não Chamaria a Isso). Este multiplicador aplica-se a qualquer conceito invocado em qualquer texto, sendo os mais populares o "eu não chamaria a isso um RPG" ou o "eu não chamaria a isso jogar mal/bem". Ainda recentemente neste blogue tivemos um ligeiro "eu não chamaria a isso alinhamento" num thread sobre D&D. Este factor afecta do seguinte modo as discussões iniciadas:

Tamanho do Thread = ENCI(Número de Conceitos Invocados)

Inevitavelmente, esta multiplicação sobre o que cada um considera que cada coisa é - se levada ao extremo - transforma cada discussão num concurso de arremesso de dicionários, sendo válidas todas as opiniões e definições. Esta variedade de pontos de vista é um testemunho das muitas experiências pessoais que cada um de nós tem dentro do hobbie.

O que é que este subjectivismo tem de benéfico ou de prejudicial? Não vou falar da perspectiva do que é "o melhor para o hobbie" - um ideal muito sujeito a ENCIs - por isso vou tentar ser mais concreto. Por exemplo:

  • Vamos pressupõr que eu sou já um roleplayer experimentado, mas que não tenho neste momento um grupo com uma campanha. Pegando num RPG qualquer que eu queira jogar - mas que não reúne os favores da maioria dos meus amigos - todo este espaço subjectivo é-me vantajoso, pois permite-me mudar o que eu quiser no jogo em sessão para que toda a gente se divirta. Podemos definir aquilo que nos interessa e esquecer o resto.
  • Agora vamos pressupõr que eu tenho um grupo há já bastante tempo e que jogamos um RPG do qual todos nós gostamos há anos e que adaptamos as regras e o setting ao longo de extensas campanhas. O divertimento do grupo está maximizado, mas - devido a este extremo subjectivismo - está isolado do resto da comunidade e completamente independente do RPG original. Neste caso, existe a desvantagem de o divertimento estar cristalizado, ou seja, depende unicamente daquele conjunto de pessoas, sendo muito difícil aproveitar novos suplementos ou recrutar novos jogadores.
  • Uma outra hipótese é eu ser um principiante nestas andanças e ainda não sei muito bem o que quero. Até eu encontrar alguma coisa a que me possa agarrar, todo este subjectivismo dificulta a minha compreensão do que é que afinal eu posso fazer. Ver um thread qualquer multiplicado pelo factor ENCI pode ser assustador para quem só queria tirar uns conselhos que possa usar.
  • Pressupondo agora que eu sou um aficionado de roleplay que gostaria de aplicar a sua experiência a uma área diferente, até com outros objectivos, mostrando o conceito a gente que nunca precisa de saber o que é um RPG. Neste caso, este potencial de adaptação é-me vantajoso. Posso usar aquilo que sei para fazer exercícios a alunos de teatro, criar métodos de ajuda nas minhas consultas de psicologia, ensinar os meus alunos de História, dar outra dimensão ao meu jogo de computador, etc.
  • Noutra situação, vamos pressupõr que eu pretendo investir num RPG como um negócio. Numa tentativa de entender qual é o mercado, vejo neste extenso subjectivismo um indesejável factor de pulverização dos clientes, que faz com que um negócio que já é de nicho esteja dividido em "mini-nichos", nenhum deles com potencial económico. A quem é que eu vou vender o quê afinal?

Relativamente ao que se passa numca comunidade online, esta flexível massa subjectiva pode ser igualmente benéfica ou prejudicial dependendo do lado que queremos priveligiar neste equilíbrio:

Participação <--- ENCI --- Comunicação

De uma forma simples, imaginemos que a comunidade de um forum funciona através de perguntas e respostas. Utilizar o factor ENCI permite-nos colocar muito mais questões do que necessariamente responder aos assuntos propostos - ou seja - torna-se muito mais fácil participar e escrever qualquer coisa quando não compreendemos ou queremos compreender os conceitos invocados pelos outros membros. Claro que responder a perguntas com outras perguntas, diminui bastante o nível de comunicação - pois deixa de haver interligação entre as ideias abordadas por cada participante - mas é sempre uma maneira de toda a gente ter alguma coisa a dizer, seja o que for.

A minha sugestão é que tenhamos consciência do ENCI quando o usamos ou somos confrontados com ele.
Valerá a pena responder a alguém que utiliza termos com os quais não concordamos?
Se não, então valerá a pena tentar convencer esse alguém que as nossas definições estarão melhor formadas?
Quando não temos paciência para estar a compreender o que é que alguém quer dizer com determinado conceito, será legítimo responder-lhe?

À partida, eu diria sempre que sim, pois uma comunidade só pode existir se houver participação. Eventualmente, quando a comunicação e o respectivo valor acrescentado por ela se aproximam de zero, eu diria que não.

Concordo!

P.S.: Admiro muito a tua capacidade de síntese, Ricardo. Não queres ter um meu filho, que nascerá da tua fronte respeitosa? :)

"Se alguma vez sou coerente, é apenas como incoerência saída da incoerência." Fernando Pessoa

Eu não chamaria a isto capacidade de síntese, jrmariano Wink

Sinto-me é um bocado influenciado por blogues como este:

https://headrush.typepad.com/ - Creating Passionate Users

..do qual já falamos no grupo de design.