Teste de jogo

Graças ao João Mariano o MdA teve finalmente o seu primeiro teste de jogo no dia 14 quando do 2º Encontro de Roleplayers de Lisboa. O teste girou em torno de um cenário histórico no reinado de D. Dinis que eu tinha alinhavado para o João usar na feira medieval de Leiria onde vai participar com os seus alunos.

Devo dizer que o cenário era, umm, esquelético, ou seja, não passava de umas notas e de uns dados de suporte. Isso deu ao João ampla margem de manobra. A opção dele foi a de, por sua vez, dar o máximo de liberdade aos jogadores para decidirem do curso da ação dentro dos constrangimentos iniciais do cenário. Gostei de ficar a assistir.

Em termos de sistema de jogo, devo dizer que a forma como o João abordou o cenário me deu pistas particularmente interessantes e é sobre isso que gostaria de trocar impressões com o pessoal. Vejamos:

O sistema que estou a conceber para o MdA é bastante tradicional no sentido em que assenta em regras para moderação das tarefas que permitem aos PCs realizar os seus objetivos. Quer isto dizer que a unidade de ação com que tenho estado a trabalhar é a ação individual de um PC. Sem prejuízo disso, incluí regras para acções conjuntas mas estas não são o foco do sistema, da forma como o estava a trabalhar.

A opção do João foi a de lidar com a maior parte das situações de jogo que envolviam várias personagens focalizadas num objetivo comum com recurso às regras para ações conjuntas. Não era isto que eu tinha em vista. O que isto quer dizer é que numa situação em que há vários PCs a lidar com um obstáculo (que podem ser vários NPCs), o João integrou os vários PCs numa ação conjunta, quando eu iria tratar isso como ações separadas de cada PC. É evidente que a solução do João é bastante mais simples. Ela lembra-me a abordagem do Tunnels & Trolls, mesmo se não foi aí que o João foi buscar a ideia.

Ora eu gostei desta simplicidade, sobretudo ao ver as coisas de fora e num jogo concreto. Gostei porque é simples mas, sobretudo, porque resolve um problema de fundo na minha abordagem aos rpgs, um problema antigo e para o qual nunca tinha encontrado uma resposta adequada: o problema do fluxo narrativo do jogo!

Do meu ponto de vista um rpg ganha tudo em respeitar a estrutura narrativa consagrada nas artes narrativas (literatura, teatro, cinema, etc.), a qual assenta na estrutura dos três atos*. O problema é que um sistema que trate todas as situações de jogo nos mesmos termos e com as mesmas regras dificulta a diferenciação entre os diferentes atos, logo diminui o impacto dramático do jogo. A grande questão para mim tem sido a de como implementar a estrutura dos três atos num rpg de forma consistente e que, por um lado, aplique o sistema de regras e, por outro lado, potencie o dramatismo do cenário.

Muito há a dizer sobre isto mas o jogo do João deu-me pistas que procurarei explorar na revisão do sistema de regras. Basicamente, a minha ideia é a seguinte:

Primeiro ato, visa colocar os termos do cenário, explicitando o conflito e os intervenientes no conflito (PCs e NPCs). É fundamentalmente narrado pelo MJ. Este coloca a situação de partida, com um mínimo de input dos jogadores, fundamentalmente para justificar ou explicitar o envolvimento dos seus PCs. Convém ser curto. No fim do primeiro ato os jogadores sabem qual é o objetivo e o porque é que os seus PCs querem atingir esse objetivo. É organizado como uma cena onde a ação é automática, não há lançamentos (exceto se houver solicitações dos jogadores para as quais o MJ não tem resposta pronta).

Segundo ato, consiste numa sucessão de cenas que vão levar a ação até ao climax. Estas cenas permitem preparar o climax, ou seja, colocar em jogo todas as "peças" que vão ser chamadas a intervir neste. As várias cenas são resolvidas com ações conjuntas ou, por vezes, com ações individuais simples, mas não com as regras de conflitos.

Climax. É o momento fulcral do cenário, por isso é aqui que intervém o sistema de jogo em toda a sua complexidade, aplicando-se então as regras de conflitos com todos os PCs a realizarem ações em paralelo.

Terceiro ato. A sua função é o "lavar dos cestos", pelo que deve ser curto. Aqui ocorre o recapitular do cenário pelo MJ (eventualmente falando pela boca de um NPC) e a definição dos ganhos e perdas dos PCs. Em princípio também aqui a ação é automática, exceto se houverem pontas soltas do climax que tenham que ser resolvidas.

Em rigor isto nada tem de inovador. Corresponde, por exemplo, à forma como as coisas decorrem no HeroQuest, só que este jogo não é suficientemente claro a fazer a ponte entre mecânicas e estrutura narrativa. No caso do MdA, vou procurar explicitar esta ligação.

Impressões e opiniões? Isto faz sentido?

* Isto não quer dizer que nos rpgs, como nas artes narrativas, não haja espaço para estruturas diferentes dos três atos. Significa apenas que as estruturas alternativas são, digamos assim, estruturas "avançadas", a introduzir depois de a estrutura básica estar bem consolidada e ter sido explorada em profundidade. A base ganha tudo em se ficar pelo clássico dos três atos.