Bom, esta é uma resposta tão extensa ao dilema do Joaquim “The Watcher” Martins(O jogador com vontade de ser ST) que eu achei por bem colocá-la num post separado.
Ficam avisados!
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Em resumo, o problema é um ST cujos jogadores não acham que tenha “jeito” por ali além para a função e que quer evoluir.
Bom, para já parece que estão no bom caminho. A melhor solução, pelo menos para começar, é colocar as cartas em cima da mesa, e garantir que toda a gente está ao corrente dos desejos e intenções uns dos outros. É claro que isto não é garantia nenhuma de que esses desejos/intenções sejam compatíveis, mas ao menos fica logo tudo em pratos limpos e há a possibilidade real de que se consiga criar um jogo que mantenha quase toda a gente mais ou menos contente. Se estás a aconselhar o teu amigo, a intrometer-te nos jogos que ele mestra, e nunca levaste com o saco de dados ou um livro de capa dura na cabeça é porque ele é mesmo um tipo decente e aberto a sugestões. Óptimo, já é meio-caminho andado!
Parece ainda que os teus conselhos estão a ter algum efeito sobre ele, mas que ainda há um longo caminho a percorrer, pelo menos do ponto de vista dos jogadores.
Então que tal colocar os outros jogadores – de forma simples, rápida e ordeira – a fazerem aquilo que já estás a fazer neste momento, e que é comunicar claramente as tuas ideias do que acham que é uma boa sessão/campanha. Portanto, vamos lá sindicalizar esses jogadores e uni-los contra os desprezíveis exploradores do proletariado, gritando slogans como Jogadores-Unidos-Jamais-Serão-Vencidos! e Assim-Se-Vê-A-Força-Do-PC! (PC é Player Character, pois claro).
Há pessoas que acreditam que o sistema de jogo faz o mestre (e o jogador, já agora), até porque muitas das vezes o livro de regras é o único professor à disposição. Com isso em mente… podiamos criar uma mecânica Pavloviana, que recompensa as boas “acções” e penaliza as más. Mas já agora queremos algo que seja ao mesmo tempo engraçado para o ST tentar cumprir/vencer e benéfico para vocês jogadores enquanto ele tenta atingir as condições de vitória nessa mecânica.
Eu aqui estou a inspirar-me nos comentários interessantíssimos que o João Mendes volta e meia faz nos meetups de Roleplay sobre o Rune RPG. Soa a algo como um D&D, onde o mestre coloca desafios aos jogadores sob a forma de monstros, armadilhas, etc. O catch é que o mestre (que é rotativo e pode mudar entre cada cena) também tem de se reger por certas regras, tal como um PC. Por exemplo, ele tem uma espécie de orçamento limitado para comprar os seus montros, armadilhas e tal, e tem de o gastar o mais eficazmente possível. Anyway, o que me interessa agora é a parte da recompensa: quanto mais pancada ele dá nos personagens dos jogadores (ou seja, traduzido noutra linguagem, quanto mais desafios realmente difíceis e interessantes ele colocar aos jogadores), mais pontos ele recebe. Se acontecer o caso de ele matar um dos personagens, por exemplo, perde logo uma batelada desses pontos porque isso não é nada divertido para o jogador cuja personagem morreu. No fundo, a ideia a reter daqui é que o mestre tem uma espécie de scorecard que lhe diz se está a fazer bem o seu trabalho ou não. Na verdade não é apenas um scorecard; os pontos ele depois pode usar para criar/melhorar o seu próprio personagem – já que o lugar de GM é rotativo – e possivelmente para outras coisas, mas isso agora também já não interessa.
Okay, então vamos reter aí esta ideia do scorecard que vai ser importante.
A minha outra inspiração vem de relatos de um jogo que eu tenho lá em casa mas nem sequer li ainda: o Capes. É um jogo sem GM, em que cada jogador dá o seu contributo, e que parece resultar muito bem. Para garantir que ninguém pisa os calos uns dos outros (embora provavelmente nem seja essa a principal função dessa regra), um jogador pode declarar a qualquer momento algo como “Isto é um Objectivo/Conflito/Whatever‿. Ou seja, se outra pessoa quiser que Isto aconteça, ou quiser de algum modo criar um cena cujo resultado vai ter um impacto em Isto, então essa pessoa tem de fazer o que as regras dizem e sacar X no dado, ou gastar Y pontos do seu orçamento limitado, ou o que seja. A ideia a reter daqui é que, até certo ponto, os jogadores podem proteger da interferência de outros ideias ou ideais que acham importantes.
Para o que eu estava a pensar, a coisa funcionaria mais ou menos nestes termos: antes do início da campanha (ou de um conjunto das tais 5 ou 6 sessões), os jogadores fariam uma lista em que cada um colocaria duas coisas:
[list][*]Algo que o jogador não quer que o GM faça. No fundo a ideia é fazer uma mini-lista essencial dos pitfalls e piores defeitos do teu amigo, ou seja, listar como Proibido coisas como o uso de NPC ultra-poderosos contra os quais os jogadores nada podem, mortes de PCs injustas e sem qualquer hipótese decente de salvação, uso irritante de NPCs favoritos do GM, combates/objectivos completamente desequilibrados que os PCs não podem evitar mas que também não podem vencer, etc. O resultado é uma lista de proibições.
[*]Algo que o jogador quer ver acontecer no jogo, ou que acha que o GM deve melhorar. Coisas como “Gostava de uma história de traição e amor‿, ou “Queria mais NPCs interessantes, e cenas de socialização, intriga e diálogo‿, ou “Queria descrições mais vivas e prolongadas‿ ou “Quero combates difíceis, sim, mas mais justos, em que os PCs possam de facto salvar o dia por eles próprios‿… enfim, o que vos der na telha. O resultado é uma lista de objectivos.[/list]
Isto é a parte inspirada pelo pouco que percebi de uma das utilidades dessa tal pequena regra do Capes. Agora a parte do scorecard… toda a gente sabe que a função essencial do mestre de jogo num RPG é divertir os jogadores. A ideia é simplesmente criar uma mecânica que é, basicamente, um sistema de feedback para o mestre sobre o que de facto está a proporcionar aos seus jogadores, ao mesmo tempo que o guia no seu caminho para se tornar um GM melhor e mais eficaz.
A coisa funcionaria mais ou menos nos seguintes modos: de cada vez que o GM incorresse numa infracção aos itens listados na lista de proibições, seria obrigado a dar XPs/freebies extra a cada um dos jogadores (digamos dois ou três XP/freebie por cada item? vocês conhecem Vampire melhor, vocês que decidam). É claro que para isto, o ST não podia ser logo ao início o mãos-largas que pelos visto é. Os jogadores que trabalhem pela recompensa, porque ele agora também está a trabalhar por ela!
Quanto à lista de objectivos, (a das coisas que querem ver acontecer ou melhorar), no final de um dado número de sessões (ou até no final da campanha) o jogador que introduziu certo item na lista “avalia‿ o GM e dá-lhe scorepoints de 0 a 2 (por exemplo), conforme acha que o mestre lhe cumpriu ou não o seu desejo. Isto obviamente implica ter jogadores responsáveis que sejam minimamente justos na avaliação. No final, totalizam-se os scorepoints e o mestre fica com uma bela uma ideia do que fez ou deixou de fazer… e ganha também um objectivo para as próximas sessões (ou campanha), que é nem mais que superar o seu score anterior. Agora há um High Score para bater!
Outra ideia não directamente relacionada com nada disto, vem das mecânicas que certos jogos têm de fazer as coisas voltar atrás nomeadamente gastando um “Hero Point‿ ou lá qual for a sua designação. Qualquer jogador começaria a sessão com um destes HPs, que poderia usar a qualquer momento para invalidar um evento ditado pelo GM ou pelos dados/regras do jogo, ou então para fazer algo acontecer (como se, por alguns segundos, aquele jogador se tornasse um GM). Uma regra adicional seria que, após feito isto, o Mestre não pode arbitrariamente (seguindo a lei do “Posso, quero e mando!‿) voltar a fazer o que o jogador desfez, ou a desfazer o que o jogador criou. Por exemplo, se o jogador mostrou que não está de todo interessado em que a namorada do seu PC morra e desapareça para sempre, o GM não a pode voltar a tentar matar só porque sim. Já se o jogador usou o HP para impedir que o seu personagem morresse das feridas que ganhou num combate, é perfeitamente justo que o seu PC possa morrer no próximo, desde que o GM não o esteja a tentar tramar de propósito.
Uma alternativa para as coimas e multas da lista de proibições que referimos lá em cima seria, em vez de oferecer XPs a todos os jogadores por cada infracção ao código, oferecer um HP a todos os jogadores (ou a alguns, ou ao jogador que introduziu o item na lista)… isso era capaz de deixar o mestre mais receoso de quebrar as leis, eheh. E sempre dava aos jogadores o poder de desfazer o mal que ele poderia ir fazendo, ou para introduzir mais pormenores engraçados na história.
Eu sei que isto são tudo mecânicas e conselhos de metajogo, mas… o problema que vocês têm também está fora do jogo. Trata-se de uma pessoa, não é um PC, um NPC ou um elemento de setting. Como tal, acho que há que direccionar a solução tendo isso em conta. Quem sabe todos vocês não lhe ganham o gosto e começam a experimentar coisas ainda mais radicais? Além disso, a primeira solução não tem de interferir em nada no jogo, já que funciona completamente fora das sessões, quando a acção do jogo não está a decorrer, e causa tanto dano à imersão no jogo como a atribuição de XPs. Quanto aos Hero Points, bom, podem sempre arranjar à priori uma explicação In-Character… algo como estes Vampiros não sabem mas são especiais, podem fazer o tempo voltar atrás, ou distorcer involuntariamente a realidade, sempre que algo que realmente lhes importa… mas, também, verdade seja dita, também não quebram a imersão muito mais do que gastar pontos de Willpower para isto ou para aquilo.
Para terminar, e como um aparte, já que querem tanto jogar mas não têm tempo para preparar algo da forma tradicional (ou seja aventuras/sessões com pés e cabeça, princípio meio e fim, que depois é só colocar na frente dos jogadores e deixar que eles sigam – com mais ou menos desvios – o caminho planeado)… porque não procurar algo diferente, um sistema de regras ou uma forma de criar aventuras, com um “tempo de preparação‿ muito mais baixo? Isto pode significar muita coisa, desde tabelas aleatórias de monstros errantes a tabelas aleatórias de plot hooks ou a lançamentos de Tarot para apontar a direcção do desenvolvimento na história; desde aventuras/campanhas publicadas a sistemas mais colaborativos em termos de criação e desenvolvimento da história (Primetime Adventures é o exemplo perfeito).
Isto envolve mais alguma capacidade de improviso – que é algo que se pode treinar e melhorar – mas também não precisas de ficar dependente disso… há algumas mecânicas e ferramentas que te podem apoiar. Por exemplo, um Relantionship-Map listando os NPCs principais e os ódios e amores entre eles, ajuda-te a improvisar na hora reacções concretas e coerentes a quaisquer acções que os players possam tomar. Outro exemplo, uma coisa tão simples como a mecânica de Next Week On do PTA transforma-te a próxima sessão de algo que à partida pode ser qualquer coisa, para algo que tem temas definidos, situações concretas e também os consequentes rascunhos de várias possíveis tramas. Os jogadores acabaram de fazer o trabalho do GM por ti; agora só tens de ligar os pontos que eles marcaram, acrescentar umas linhas, colorir, e pronto, tens um belo desenho, ou seja, jogo!
E pronto, é a minha ideia… mas falar é fácil. Eu, por exemplo, provavelmente bem podia beneficiar de uma conversa destas com o meu actual ST de Vampire. Tinha falado com ele uns quantos meses antes da campanha de facto ir para a frente, mas acho que agora era boa altura para eu lhe recordar uma coisita ou duas e meter mãos à obra para melhorar o jogo (pelo menos na parte que me diz respeito) em vez de ficar quieto e calado. Vamos ver!