O que é, para recorrer a um conceito muito vilificado em algumas paragens, realista. Tomando por base a leitura sistemática das crónicas portuguesas do Século XV e XVI e de muita outra documentação, a táctica de combate de massas era basicamente esta: Avançar em linha até à distância de tiro; cravar a espada ou a lança no chão; disparar; pegar na espada e carregar sobre o inimigo. A distância de tiro era de cerca de 80 a 100 metros, o bastante para assegurar uma razoável precisão de tiro e para assegurar que o adversário não teria tempo para carregar as suas armas de fogo a tempo de uma segunda rodada de tiro.
Uma das hipóteses que aumenta (duplica, aliás) a importância das armas de fogo é permitires armas de fogo de dois canos. Há uma situação muito interessante do início da presença portuguesa que ocorreu na região de Cochim no Quêrala, sul da Índia: o alferes (porta bandeira) de uma força portuguesa ía armado com uma arma de dois tiros quando se viu só contra três adversários. Estes (armados de escudo e espada ou lança, sem armas defensivas e apenas vestidos com um pano à volta da cintura), tirando partido do número, carregaram sobre ele. O alferes disparou e abateu um; voltou a disparar e abateu um segundo; o terceiro já estava muito próximo mas, vendo-se só, decidiu virar as costas e pôr-se em fuga; só que o alferes pegou na espada e acabou com ele com uma estocada.
Como é evidente, as armas de dois tiros são muito mais caras. E a arma do alferes em particular devia ser uma espingarda de roda, em vez de ser uma espingarda de mecha, o que assegura maior prontidão do tiro mas implica um preço ainda maior...
Aliás, há que levar em atenção que a desvantagem das armas de mecha não era apenas a de levarem tempo a carregar, era também o facto de levarem tempo a disparar. Entre o momento em que se punha fogo à mecha e o momento em que esta provocava o disparo decorriam vários segundos, o que dava tempo a um adversário prevenido para conseguir alguma cobertura. Não sei como o SK permite lidar com esta diferença. Duas outras desvantagens destas armas, que foi fatal para muito soldado, sobretudo em situações de cerco, são o facto de as mechas se poderem apagar ou nem acenderem em climas húmidos ou quando chove; e de, se o soldado não tiver o cuidado de as tapar à noite, revelarem a sua presença e o tornarem um alvo apetecido para snipers.
Quanto à técnica do tiro em roda, já era praticada desde o início do Século XVI, pelo menos (e antes disso com arcos e bestas). É uma boa táctica defensiva se houver um número significativo de atiradores. Não funciona como táctica ofensiva.
Quanto à utilização das armas de fogo como mocas, se puderes visita o palácio do Marquês de Fronteira em Benfica. Tem uns belíssimos azulejos com desenhos descritivos das batalhas das guerras da Restauração. O que é interessante anotar é que os tugas (e os espanhóis, se bem me lembro) usavam a sua táctica habitual vinda do Século XV de combater com formações de soldados equipados com lança e escudo (rodela), apoiados por espingardeiros. Os seus aliados ingleses vinham apenas equipados com espingardas e a sua táctica era disparar e carregar partindo para a mocada com a coronha das espingardas! Tanto quanto sei e com base no que li os tugas raramente recorriam a esta táctica. Havia que preservar a arma...
Isto aliás chama a atenção para um dos meus perenes pontos de interrogação sobre a táctica militar da Expansão portuguesa. Os nossos exércitos a operar no Índico no Século XVI eram frequentemente compostos por efectivos muito reduzidos (umas centenas de soldados mais outros tantos marinheiros e escravos, estes mais para suporte que para servirem como tropas de choque). A taxa de espingardas atingia os 70% em média. Ora se a táctica era disparar e carregar para combater com espada e lança, o que faziam à espingarda? Uma hipótese é passarem-na para um escravo, mas há períodos e alturas em que não têm escravos em número suficiente. Outra hipótese era deixarem-na caída no terreno mas, mais uma vez, havia o risco de a perderem ou de, num contexto adverso, não terem oportunidade de a recuperarem. A minha intuição diz-me que na carga íam com a arma de corpo-a-corpo numa mão e a espingarda na outra... até hoje só encontrei uma prova iconográfica de que assim seria.
Quanto a tornares as armas de fogo um perigo ainda maior, põe-nas nas mãos de um sniper que sabe o que faz...
Não te esqueças também da barreira de fumo criada por uma descarga de um corpo de espingardeiros. É o suficiente para tapar a vista dos mesmos. Se eles estiverem a favor do vento, o fumo é arrastado para o inimigo que fica sem saber o que os atiradores vão fazer, nomeadamente se vão carregar e para onde. Cria-se assim um efeito surpresa que pode ser desmolarizante.
Provavelmente estou para aqui a falar de coisas que já sabes. Nesse caso, as minhas desculpas.
Sérgio Mascarenhas