Time of Crisis


Um jogo de deck-building sobre a crise do império romano no século III? O que há para não gostar?


 
Err... o jogo é mesmo sobre o quê?
O jogo é sobre a crise do século III, um período altamente instável, em que o império romano mergulhou numa sucessão de golpes de estado, guerras civis e invasões bárbaras. Os jogadores assumem o papel de famílias que lutam entre si para alcançar e depois conservar o trono imperial durante o máximo tempo possível - e assim conquistarem um lugar na história.
 
O que se tem de fazer para ganhar?
Como é comum nestas coisas, acumular mais pontos de vitória ("legacy points", no jogo) do que os outros jogadores. Os pontos de vitória conseguem-se de três maneiras principais: controlando províncias; vencendo batalhas contra os invasores e contra os outros jogadores; e sendo imperador (isto é, controlando a província especial de Itália).  
 
O jogo pode acabar de duas maneiras: no final de uma ronda em que um dos jogadores atingir os 60 pontos; ou, mais raramente, se ocorrer o evento Diocleciano (historicamente, o imperador que conseguiu pacificar e reunificar o império e terminar com o período de crise).

E como é que se chega lá?
O jogo é uma mistura de deck-building com action-point allowance. Ou seja, cada jogador/a tem um baralho de cartas só seu e, no seu turno, tem à disposição uma mão de cinco cartas. Os naipes e o valor das cartas da mão determinam as ações que o jogador pode executar no tabuleiro. Estas podem ser de três tipos:
 
  • as senatoriais, que basicamente envolvem recrutar governadores e elegê-los para o controlo de províncias; 
  • as militares, que podem ser recrutar generais, recrutar legiões, movê-las e atacar exércitos bárbaros ou dos outros jogadores;
  • as populares, que permitem construir edifícios e aumentar o apoio aos governadores das províncias.
Como sucede nos jogos de deck-building (p.ex. Dominion), os jogadores começam com um baralho fraco. Com o decorrer do jogo, vão fortalecendo esse baralho, adquirindo cartas mais fortes e com poderes especiais, eliminando as cartas mais fracas e assim aumentando as opções no seu turno. No entanto, o Time of Crisis acrescenta um ajustamento essencial para um jogo de estratégia: as cinco cartas da mão do jogador em cada turno são escolhidas de entre o baralho de cartas disponíveis e não biscadas aleatoriamente. Isso permitir a cada jogador/a planear o seu turno, mas dentro dos limites de uma mão de cinco cartas e da necessidade de eventualmente ter de jogar todas as cartas do seu baralho 

 

Muito por onde escolher....
 
 
É longo?
O tempo de jogo com jogadores que conhecem bem o jogo andará pelas 2,5 horas. Um pouco acima do meu limite habitual de tolerância, mas que o jogo justifica plenamente. Já agora, recomendo aos novos jogadores/as jogarem apenas até aos 40 pontos no seu primeiro jogo, para evitarem que jogo descambe para as 3,5-4 horas.

 
E como é a qualidade dos componentes?
O típico da GMT. Material de boa qualidade no tabuleiro, cartas e peças. A arte é sóbria e funcional, mas longe de ser espetacular. Há alguns anacronismos, como a representação das legiões com os uniformes do final da república e início do império e que já tinham caído em desuso no século III. Mas são detalhes minúsculos e sem qualquer importância para o jogo.
 
 
O que gostas na experiência de jogo?
Muita coisa! O Time of Crisis consegue o equilíbrio de ouro num jogo de tabuleiro: um conjunto relativamente reduzido de regras que oferece um leque enorme de opções estratégicas. As mecânicas do jogo são muito bem desenhadas e equilibradas. O deck-building permite construir um baralho que favoreça uma dada estratégia, mas o limite de mão de cinco cartas e a interdependência das ações militares, senatoriais e populares obriga a compromissos e a ter de lidar com mãos mais pobres mais cedo ou mais tarde.  
 
Conseguir o título de imperador dá a quem o conseguir um boost considerável de pontos por turno e no fim do jogo - é quase impossível ganhar o jogo sem passar em algum momento do jogo pelo trono -  mas é difícil de manter o trono, porque vai suscitar a união dos outros jogadores contra si. Os jogadores são encorajados a ser agressivos com os outros, militar e politicamente, mas têm de equilibrar isso com os imperativos de defesa das suas províncias contra as invasões bárbaras e de manutenção do apoio popular - de outro forma, perderão rapidamente o controlo dessas províncias e, com elas, os meios de adquirir novas cartas e o número de pontos ganhos em cada turno.
 
Os sistemas secundários do jogo são extremamente simples mas eficazes. O combate é feito lançamento de dados D6 - um por unidade, com os sucessos a serem determinados pelo tipo de unidade e um bónus de dado extra quando se rola um 6. As invasões são decididas pelo lançamento de dois dados, com o primeiro a acrescentar unidades prontas a invadir e o segundo se a invasão se dá e qual a sua rota. Ou seja, tanto um como outro, permitem alguma previsibilidade quanto aos resultados do combate ou à origem da próxima invasão, mas sem serem excessivamente deterministas.
 
O fluir do jogo segue uma curva exponencial. Os pontos ganhos nos turnos iniciais são poucos. Mas, à medida que os jogadores controlam mais províncias, constroem nelas edifícios, adquirem exércitos em condições de ganhar grandes batalhas, se sucedem no trono em Roma ou se declararem como pretendentes nas províncias que controlam, o número de pontos conquistado por turno acelera fortemente. 
 
No meio de múltiplas invasões e da ameaça de um usurpador, o imperador azul aguenta-se no trono. Mas vai ter de lutar pela sua vida.

E o que não gostas?
Há pouca coisa para não gostar no Time of Crisis. A maior limitação do jogo é que precisa mesmo do elenco completo de 4 jogadores para brilhar. A expansão adiciona uns bots para substituir jogadores em falta, mas ainda não joguei com ela.  O jogo pode também gerar algum AP nos jogadores propícios a isso, sobretudo quando o seu baralho começa a ter as cartas mais fortes e o jogo se aproxima do fim. Recomendo fortemente a variante em que cada jogador/a escolhe a sua mão durante os turnos dos outros em vez de os fazer esperar.

 
É um jogo para mim e para o meu grupo?
 
Depende. Não é um euro, isso é certo. Jogadores/as que se sintam desconfortáveis com o confronto direto devem evitar Time of Crisis, porque neste jogo não há hipóteses de ganhar sem se ser agressivo e traiçoeiro para com os outros. Mas também não é um wargame.  A componente militar é aqui sobretudo um instrumento (ainda que forte) para alimentar a componente política do jogo, essa sim decisiva. Não há representação para coisas como logística ou zonas de controlo. Só há três tipos de unidades militares (legiões, milícias e bárbaros) e o sistema de combate é do mais simples que há. Quem vier à procura de uma simulação histórica e/ou militar detalhada, sairá desiludido.
 
Mas quem gostar de jogos dinâmicos, que envolvam confronto, bluff, negociação, gestão constante de crises e decisões dificeis vai sentir-se em casa com o Time of Crisis. Atrevo-me a dizer que, com um tema menos obscuro, este jogo poderia entrar no top 100 do BGG. É assim tão bom: a par do Root, o meu jogo favorito de confrontação direta sobre o tabuleiro para 4 jogadores.

Excelente análise! Bom trabalho!

Excelente artigo.

Obrigado

Boa análise, obrigado!



Existe algum local aqui no AoJ que agregue estas análises?

Para ser mais fácil a consulta.

[quote=lbaixinho]Boa análise, obrigado!



Existe algum local aqui no AoJ que agregue estas análises?

Para ser mais fácil a consulta.[/quote]



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