Um Euro Para Jogar

Artigo originalmente publicado aqui: https://medium.com/@jogadorsonhador/um-euro-para-jogar-3587e6af666



Até recentemente, a história dos RPGs em Portugal tem sido bastante caseira. Alguém encontrou à venda nalgum sítio longínquo a última cópia de um Dungeons & Dragons, Call of Ctulhu, Rifts ou Vampire, levou-a para casa, juntou os amigos e por lá ficou um RPG na memória de uma série de campanhas que apenas existiram graças à carolice de uma ou duas pessoas. O RPG caseiro não se estende para lá de um círculo de amigos e da pessoa que os convenceu a jogar.



No entanto, com o virar do milénio, podemos testemunhar um crescimento do RPG jogado em público. Além das “saudades que eu já tinha da minha alegre casinha tão modesta quanto eu”, agora também podemos contar com comunidades que se vão organizando para descobrirmos novos roleplayers e novos RPGs. Torna-se muito mais fácil garantir a sobrevivência do hobby quando não se depende da disponibilidade de umas poucas pessoas e abrimos os nossos jogos à “kindness of strangers”. Muita gente passa pelas nossas mesas, alguns voltam, depois deixam de poder jogar, mas outros entretanto já também apareceram e assim haverá sempre RPG de uma maneira ou de outra.



Apesar deste crescimento, a procura de espaços públicos para jogar revela uma fragilidade que os RPGs sempre tiveram em Portugal. Ao contrário do que aconteceu nos EUA ou no Reino Unido, nós nunca tivemos uma forte comunidade de wargamers onde outro género de jogos pudessem florescer. Em Portugal, o ninho onde estes ovos puderam eventualmente chocar é muito mais recente e não parte de uma comunidade, mas sim de um negócio muito bem pensado chamado Magic: the Gathering.



Eu e muitas outras pessoas que conheço começamos a jogar RPGs graças a uma loja de Magic. Quer dizer, na altura, os chamados hobby games estavam ainda a encontrar o seu lugar em Portugal e, por isso, apesar de Magic (e o catálogo da Wizards of the Coast) já ser uma prioridade, não estava garantido que se devesse apostar só nisso. O conceito da loja de Magic só ficou consolidado à medida que o modelo de cartas coleccionáveis associado ao aspecto competitivo do organized play demonstrou ser uma receita perfeita para o sucesso. No início, poderiam haver dúvidas se seria justificável uma loja manter um espaço para se jogar, mas ao longo dos anos ficou provado que as mesas multiplicam consideravelmente o dinheiro que se faz ao balcão com Magic.



Na introdução de um outro artigo que escrevi, olhei para os números do mercado Americano onde podemos verificar que os jogos de cartas coleccionáveis representam perto de 65% das vendas nas lojas de hobby games e que os RPGs não passam de 5%, percentagens que em Portugal deverão estar ainda mais extremadas. Qualquer dono de uma loja de Magic sabe o dinheiro que faz com todo o tipo de torneios semanais e só deseja que os seus clientes tivessem rendimento suficiente para sustentarem eventos de Magic todos os dias. Isto não é uma máquina de fazer dinheiro que trabalhe sozinha, mas é um vívido contraste com o negócio dos RPGs onde uma mesa ocupada é uma mesa onde alguém pode chegar até à loja e jogar de borla durante anos. Aliás, não é só com os RPGs que isto acontece. Mesmo os jogos de tabuleiro que conseguem gerar 15% das vendas não conseguem competir com o Magic naquela íntima e frutuosa relação entre as mesas e o balcão.



Por isso, o crescimento que os jogos de tabuleiro (e os RPGs numa fase ainda sem viabilidade comercial) atingiram nos últimos anos em Portugal foi conseguido por comunidades que trabalham já fora das lojas de Magic. Mesmo que utilizem esse espaço, acabam por ter de pagar por ele, pois estas lojas contam tostões para pagar a renda e não podem pensar no médio prazo de terem gente lá dentro que não gera receita agora. Cada comunidade de roleplayers ou boardgamers está assim sempre à procura da melhor solução para pagar o mínimo possível pelo espaço público de que necessita semanalmente, mensalmente e/ou anualmente. Vemos tanto a opção directa de pagar um X pelo uso do espaço, como a mesma coisa só que através de rifas, além da hipótese da comunidade se poder tornar cliente de um outro negócio que não a tal loja de Magic, nomeadamente um café ou um hotel, serviços que podem ser sempre úteis para um qualquer evento. Finalmente, há sempre a eventualidade de se poder arranjar um espaço através de algum contacto pessoal sem qualquer valor associado.



Destas várias hipóteses, penso que há sempre alguma resistência à ideia de se pagar directamente pelo uso do espaço. Para isso, ou se faz um sorteio para adoçar a coisa, ou a comunidade pode preferir juntar-se para dividirem entre si o aluguer de um escritório/loja/sala, mas, em geral, pagar para jogar acaba por ser sempre uma barreira que se levanta para novos jogadores. Por isso, a opção de juntar a comunidade a um negócio que forneça o espaço em troca de algum consumo pode parecer mais aceitável. O outro lado disso é que a coisa não fica garantida, pois a certa altura o negócio pode sempre querer o seu espaço para outra finalidade. A mesma insegurança fica associada a qualquer solução arranjada através de relações pessoais.



A solução mais provável não é segredo nenhum, pois podemos ver o que funciona noutros países. O espaço paga-se por haver dentro dos próprios hobby games negócios que o sustentem. Nem têm que ser grandes negócios, vejam por exemplo a lista de quem está por trás do UK Games Expo, muitas iniciativas familiares ou de uma só pessoa (além da própria UKGE ser um negócio que cobra entrada). Mas claro que serão sempre as nossas comunidades a decidirem o que querem, inconscientemente ou não:

  • Podemos esquecer isto tudo, mandarmos vir do estrangeiro e jogarmos em casa tranquilos.
  • Podemos engendrar cruzeiros, festas ou fins-de-semana no campo com muitos jogos à mistura.
  • Podemos apostar na produção nacional se não tivermos nada a ganhar com a distribuição ou o retalho.
  • Podemos procurar mais material coleccionável de RPG, nomeadamente miniaturas, de modo a termos lugar no modelo das lojas de Magic.
  • Podemos em conjunto alugarmos nós um espaço e pagarmos por quem estiver a jogar pela primeira vez mantendo um registo das pessoas.
  • Podemos experimentar todas estas soluções e ver qual é a que parece funcionar melhor para o crescimento da nossa comunidade.