Weapons of the Gods - Parte 1

Decorreu practicamente um ano desde que tomei conhecimento deste jogo, e 7 meses desde que iniciei a campanha cujo website criei. Assim, tomei a iniciativa de dar a conhecer este excelente jogo a quem ainda não teve oportunidade de o ler ou, pelo menos, de saber mais sobre ele. Tenham em conta o facto de que esta descrição não pretende ser imparcial. Se considerasse o jogo mau, não o estaria ainda a jogar e não teria aguentado 7 meses de campanha. Sou apologista da velha máxima: "Não jogar é melhor que um jogar um mau jogo."

O manual propriamente dito está dividido em 6 partes:

Part 1 - Adventuring in the Land of the Gods: Wuxia Heroes
Parte 2- Conflict in Shen Zhou: the art of battle
Parte 3 - Shen Zhou: Land of the Gods e The Society of Shen Zhou
Parte 4 - Martial Arts in the Land of the Gods: Kung-fu
Parte 5 - The Secret Arts
Parte 6 - Roleplaying in the Land of the Gods: Gamemastering

Como o livro é algo extenso (384 pág.) e algumas secções exigem uma descrição mais detalhada para se compreenderem verdadeiramente, dividi esta crítica em várias partes. Irei colocando aqui as várias partes à medida que me for sendo possível.

PARTE 1 - ADVENTURING IN THE LAND OF THE GODS: WUXIA HEROES

A primeira parte inicia com uma breve descrição do setting e, sim, What is a roleplaying game? no contexto de Weapons of the Gods (WotG). Segue-se um resumo do conteúdo do livro para passarmos ao sistema de jogo propriamente dito.

Nota: Por lapso omiti o seguinte parágrafo. Aqui fica a transcrição completa.

Weapons of the Gods insere-se no género wuxia do qual o Tigre e o Dragão será, talvez, o exemplo mais conhecido. Neste sistema, os jogadores interpretam guerreiros do Wulin (o mundo das artes marciais) na China do ano 365 DC, defendo as virtudes da honra, altruismo, defesa dos mais fracos e o seu próprio código de moral. Traduzido literalmente, Wuxia significa o Guerreiro Honrado e é, mais ou menos, equivalente às histórias de espada e feitiçaria do Ocidente. A China aqui representada não é a China real mas uma China mítica onde as lendas são reais, os heróis executam técnicas de kung-fu que desafiam as leis da física ("wire-fu") sempre prontos a lutar contra a injustiça e o mal. O nome Weapons of the Gods deriva do comic com o mesmo nome e significa as armas criadas por humanos ou divindades com poderes para além do comum. O que não significa que a campanha tenha por epicentro uma Arma dos Deuses embora a sua aparição seja frequente.

O sistema baseia-se em dados de 10 (d10) e processa-se da seguinte maneira: sempre que uma personagens quiser usar um attribute ou skill, lança um número de d10 equivalente ao valor do attribute ou do skill+specializations. Este último valor recebe ainda um dado de bónus se o skill+specialization for igual ou inferior ao attribute em que se baseia.

Exemplo: Xiao-li Pai quer atacar um inimigo com a sua espada (Melee+specialization = 4). Se o attribute em que se baseia, neste caso, Speed, for 4 ou mais, a jogadora de Xiao-li lança 5 dados (4 + 1 dados de bónus). Se Speed for 3 ou menos, a jogadora lança apenas 4 dados.

Esta é uma das razões pelas quais compensa sempre investir nos attributes com pontos de destino (o equivalente a XP). Um dado de bónus faz sempre uma grande diferença num sistema como este. Passo a explicar: depois de lançar os dados, o jogador olha para os valores. 1 equivale a 11, 2 equivale a 12, etc. 0 equivale a 10.

Exemplo: se a jogadora de Xiao-li lançar os 4 dados e sair 2, 4, 6, 8, 9, efectivamente os resultados são, 12, 14, 16, 18, 19. Não existem valores inferiores a 10 apesar de existirem dificuldades inferiores (mas por uma boa razão que à frente se adianta). O truque é tentar lançar valores repetidos.

Quando sairem valores repetidos, o número na face do dado indica as unidades e o número de vezes que esse valor saiu repetido é as dezenas. Exemplo, um resultado de 2, 2, 6, 8, 9, 9 (6 dados) é 22, 16, 18, e 29. Neste caso o 2 saiu duas vezes (20) sendo o 2 a unidade (22). O 9 saiu duas vezes (20) sendo o 9 a unidade (29).

O objectivo é lançar o mesmo valor o maior número de vezes repetidos e quanto maior melhor. 2, 2, 2 (32) é melhor que 9, 9 (29). Um valor único é um earthly roll, um valor duplo é um heavenly roll, um triplo ou maior é um Divine roll. Os dados são lançados contra uma dificuldade que varia entre 5 e 60 (em múltiplos de 5, não existem dificuldades de 22 ou 36).

E eis que entra a mecânica mais genial do jogo. O River: basicamente, quando um lançamento é duplo ou superior, o jogador pode retirar dados desse lançamento e guardá-los para usar mais tarde, criando lançamentos melhores. Isto implica que, na maioria das vezes, o jogador aceita propositadamente um lançamento menor porque lhe retira dados, guardando-os para uma ocasião mais propícia desde que usados na mesma scene. O River é esvaziado sempre que se inicia uma nova scene. O jogador pode mesmo optar por deitar fora dados que já tenha no rio para colocar lá outros que lhe sejam mais favoráveis. Isto permite um maior controlo dos lançamentos. Se os jogadores forem inteligentes, os dados do river podem derivar de qualquer lançamento no jogo por mais trivial que seja. Todas as restantes regras são uma variação deste conceito básico.

Atrás indiquei que valor mínimo que se pode lançar com os dados é 10 mas existem dificuldades inferires (5 e 10, respectivamente). O GM pode adjudicar que um determinado uso de um skill/attribute tem um sucesso automático por alguma razão (por exemplo, acertar num adversário que esteja inconsciente). Nestes casos, não é necessário lançar os dados MAS o jogador pode mesmo assim optar por lançá-los para criar aquilo que se chama um Style roll. Este lançamento não tem nenhuma outra vantagem a não ser determinar se uma acção é feita com estilo ou não. Se o jogador complementar este lançamento com uma descrição que tenha piada no contexto wuxia, tem direito a receber Joss.

Joss é basicamente ser bafejado com a sorte dos Deuses. Todas as personagens começam com 3 pontos de Joss que podem distribuir como quiserem por Xia (positivo) ou Corrupt (negativo). Durante o jogo, o GM atribui Joss por boas descrições (seja por resultados bons ou maus), por acções extraordinárias, roleplay, etc. Para além disso, cada jogar tem 1 ponto de Joss por sessão que pode atribuir a outro jogador sempre quando este fizer algo que seja considerado interessando, seja boas acções, seja qualquer coisa divertida. O objectivo é incentivar os jogadores a agirem dentro do contexto wuxia. Para que serve o Joss? Cada ponto de Joss Xia pode ser usado para adicionar 1 dado a um determinado lançamento de Skills apenas, mesmo retroactivamente, ou seja, é possível lançar os dados, ver o resultado e optar por gastar 1 Joss Xia para mais 1 dado de bónus. Cada ponto de Joss Corrupt retira um dado ao lançamento dos NPCs e tem que ser usado antes do GM fazer o lançamento.

A secção da criação de personagem é bastante simples e rápida. Cada jogador recebe 15 pontos para distribuir pelos attributes e 30 para distribuir pelos skills. Recebe ainda 50 pontos de destino para distribuir por Advantages, Kung-fu, Secret Arts e Lore Sheets. É de salientar que só existem três classes em WotG: Warrior, Courtier e Scholar. Cada template apresenta sugestões sobre quais as Lore Sheets, Kung-fu, advantages e disadvantages mais apropriadas a cada classe mas cabe ao jogadores personalizarem a sua personagem e irem mesmo além das sugestões.

Na melhor tradição Oriental, cada attribute está associado a um elemento (Might/Wood, Speed/Fire, Presence/Earth, Genius/Metal e Wu Wei/Water) e a uma côr (Might/Jade, Speed/Crimson, Presence/Gold, Genius/White e Wu Wei/Silver) e são bastante importantes porque não só definem se os jogadores recebem um dado de bónus para os lançamentos de skills, mas também determinam quanto chi as personagens têm para usar no kung-fu. Este chi representa o vigor do corpo e da mente. Sendo que para activar as técnicas de kung-fu é preciso um determinado número de chi de uma determinada côr associada a essa técnica de kung-fu, quanto maior um determinado atributo, mais chi o jogador tem para gastar.

Exemplo: Xiao-li que tem Speed 5 quer activar a técnica Brutal: Speed Blade (2 chi). Como esta técnica se baseia em speed, Xiao-li tem 5 pontos de chi para gastar, retira 2 e fica com 3 até ao final do round. O que desce é o chi associado e nunca o attribute em si.

Os skills são reduzidos em número mas cada é um bastante abrangente permitindo às personagens desenvencilharem-se, em toda a grandeza wuxia, das situações que enfrentam. Ou seja, em vez do sistema ter uma lista infindável de skills, cada um com uma especialização muito grande numa determinada situação, temos uma lista de skills reduzida mas cada um pode aplicar-se a um sem número de situações. Cabe aos jogadores terem a imaginação para os usar e persuadir o GM de que aquela aplicação do skill é adequada.

Esta secção inclui ainda uma lista de advantages para as personagens que podem ir desde Blessed by the Gods a ter um Mentor e disadvantages, que não são compradas com os pontos de destino mas em vez disso valem pontos de destino que permite ao jogador aplicar noutras partes da personagem. Temos, por fim, uma descrição dos grandes clãs de Shen Zhou e alguns clãs menores, os maiores reinos e sociedades secretas. É incluída uma lista qual o clã que controla esta ou aquela técnica de kung-fu. É de notar que esta secção, embora seja setting, não é uma descrição exaustiva de Shen Zhou, para isso existe a secção de Lore Sheets que descreverei mais tarde.

Excelente review, Dwarin, já cá faltava uma apresentação de WotG. Claro que já sabemos que consideras ser este o melhor RPG do universo, por isso pergunto-me se poderás ser imparcial ;) Tenho uma questão relativamente ao sistema de combate, sobre o qual penso que irás falar a seguir.

Ao ver mais uns filmes e ao ler mais uns comics, fico com a ideia que o kung fu - dentro do estilo wuxia - se distingue bastante da ideia normal de combate. Chama-me à atenção o seguinte:

  1. Parte-se do princípio que toda a gente é bastante ágil, fléxivel e forte - o suficiente para fazer quase qualquer golpe. Ser melhor em kung fu não é uma questão atlética.
  2. Gravidade é opcional. Qualquer movimento em qualquer momento pode parar no ar e mesmo mudar de direcção com uma qualquer desculpa (tipo, bate o pé na própria espada).
  3. O confronto em si tem uma certa carga de simbolismo, ou seja, é quase uma dança que representa a forma como cada uma das forças se opõem. Dois mestres podem lutar durante largos minutos sem nunca alguém chegar a levar com um golpe.
  4. Ser melhor em kung fu tem muito mais a ver com inteligência e conhecimento do que com atributos físicos. Muitas vezes, aparecem menções a técnicas secretas, técnicas que ainda não se aprendeu e técnicas que já se reconhece e que se frustram facilmente.
  5. Tendo em conta que todos os praticantes parecem já dominar os limites da capacidade atlética humana, é preciso mesmo chegar ao ponto do sobrenatural para se tratar de alguém extraordinário fisicamente.

A minha pergunta é: quão bem consegue o WotG explorar estes pontos que distinguem o combate wuxia?

[quote=Rick Danger]Excelente review, Dwarin, já cá faltava uma apresentação de WotG. Claro que já sabemos que consideras ser este o melhor RPG do universo, por isso pergunto-me se poderás ser imparcial ;)[/quote]

Não, do universo é Call of Cthulhu. Laughing

[quote=Rick Danger]Parte-se do princípio que toda a gente é bastante ágil, fléxivel e forte - o suficiente para fazer quase qualquer golpe. Ser melhor em kung fu não é uma questão atlética.[/quote]

Não, não é preciso ser atlético para ser o melhor em Kung-fu. Quando chegar à secção das técnicas de kung-fu, depressa perceberás que conta muito a técnica que se sabe. Por exemplo, alguém que saiba a técnica Heart Moves the Blade (uma técnica Uncommon) tem alguma vantagem sobre alguém que saiba uma técnica Common. As técnicas Rare são muito superiores às outras duas. Claro que só os guerreiros bastante evoluídos têm chi para activar as técnicas muito superiores.

[quote=Rick Danger]Gravidade é opcional. Qualquer movimento em qualquer momento pode parar no ar e mesmo mudar de direcção com uma qualquer desculpa (tipo, bate o pé na própria espada).[/quote]

Sim, isto é um elemento muito marcado de Wuxia. Vemos isso no Tigre e no Dragão quando as duas guerreiras se perseguem nos telhados de Pequim ou a famosa cena da floresta, ou no Hero com o Jet Li em que eles lutam por cima da água.

[quote=Rick Danger]O confronto em si tem uma certa carga de simbolismo, ou seja, é quase uma dança que representa a forma como cada uma das forças se opõem. Dois mestres podem lutar durante largos minutos sem nunca alguém chegar a levar com um golpe.[/quote]

Exacto. Na maioria das vezes, a derrota do inimigo não passa por eliminá-lo fisicamente. Por vezes, basta demonstrar a superioridade de outra forma para ganhar o combate. Por exemplo, desarmando-o, ou então, como é muitas vezes comum, desafiando o inimigo a acertar em três golpes ou menos. Se o heróis consegue evadir esses três golpes ganha o combate. Por vezes nem é preciso que se toquem. Basta um dos intervenientes demonstrar a pujança da sua técnica de kung-fu para o oponente se aperceber que não está à altura. Por exemplo, com um golpe partir uma parede à distância, ou usar uma maravilha do kung-fu (explico noutra secção).

[quote=Rick Danger]Ser melhor em kung fu tem muito mais a ver com inteligência e conhecimento do que com atributos físicos. Muitas vezes, aparecem menções a técnicas secretas, técnicas que ainda não se aprendeu e técnicas que já se reconhece e que se frustram facilmente.[/quote]

No mundo do Wulin, o kung-fu é um meio de atingir os fins, quer sejam fins políticos, espirituais ou físicos. Ajuda muito ter os contactos certos, saber quem é quem, etc. Por exemplo, do ponto de vista da cultura wuxia, podemos influenciar o chefe do clã convencendo o pai dele em vez do irmão, porque na China o pai tem muito mais influência que o irmão. As técnicas secretas (que em WotG se denominam Formless Techniques) são, de facto, as técnicas máximas, ultrapassando mesmo as Rare em pujança.

Cada técnica de kung-fu baseia-se num elemento como em cima expliquei e cada elemento está associado a um atributo (mental ou físico). O valor do atributo em questão determina a quantidade de chi que a personagem usa para activar a técnica a que diz respeito, por isso, sim, é possível ter técnicas baseadas nos atributos mentais. Music of War, por exemplo, baseia-se no skill Performance e permite usar a música para causar dano. Quem viu o Kung-fuzão lembra-se da cena do Guqin em que o mestre "dispara" a música à distância e corta cabeças.

[quote=Rick Danger]Tendo em conta que todos os praticantes parecem já dominar os limites da capacidade atlética humana, é preciso mesmo chegar ao ponto do sobrenatural para se tratar de alguém extraordinário fisicamente.[/quote]

Para nós, Ocidentais, sempre que vemos wuxia e os saltos mirabolantes e os golpes que permitem atacar à distância, consideramos isso sobrenatural ou magia. Os Chineses, no entanto, consideram isso o treino da mente e do corpo até atingirmos limites sobrehumanos (não necessariamente sobrenaturais). A princípio as personagens apresentam características mentais e físicas acima da média humana, sim, mas nada comparado com os melhores guerreiros do Wulin. Esses demoraram anos a treinar-se para atingir o nível actual, mas tudo isso continua a ser considerado apenas treino. Os Chineses nunca o consideram super-poderes (como os super-heróis) ou magia. É apenas treino intensivo para despoletar o potencial interno que temos através do chi.

[quote=Rick Danger]A minha pergunta é: quão bem consegue o WotG explorar estes pontos que distinguem o combate wuxia?[/quote]

Espero que com as minhas próximas secções te possa esclarecer esses pontos. Daí a minha apresentação do jogo tenha várias partes. Acho que não lhe conseguiria fazer justiça só com uma secção. Laughing

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"You think I'm old and feeble, do you? Well, face my Flying Windmill Kick, asshole!"