[Wilderness of Mirrors] "Areia e Sangue" - Meet-Up de RPG de Dezembro

Tudo quase começou com um telefonema... Este agente singelo, com pretensões de ser promotor do potencial lúdico do RPG em Portugal e em trânsito por via fêrrea, Setúbal-Lisboa, recebe um telefonema do Ricardo Madeira, doravante referido como Agente RM, a anunciar-lhe que lhe esperam um número inédito de jogadores de RPG para jogarem um qualquer jogo que eu possa trazer com a minha pessoa. Eu João Rafael Mariano, doravante referido como Agente JR, estava ciente dos riscos que tal missão acarretava: correr um jogo da vanguarda (Wilderness of Mirrors), minimalista e ainda em desnvolvimento, baseado num género que não domino (espionagem), para um conjunto de pessoas que não conheço... Mas não desisti... Se não desisti quando li de uma enfiada só um jogo chamado Bachannal, raios!, não seria agora que não ia tomar riscos!

Mal cheguei deparei-me com 9 pessoas prontas a jogar (incluíndo eu e o Agente RM). Tentámos dividir o grupo em dois, acabando por ficar 3 jogadores para cada lado incluíndo GMs. Os meu jogadores foram aliciados pela ideia de ser um jogo de espiões face ao alcance mais genérico do Primetime Adventures, o RPG de séries de TV dramáticas que o Agente RM iria correr e que implica a criação de uma série de TV que nunca existiu.

Os jogadores, agora transformados agentes recrutados in loco para esta missão e cujos verdadeiros nomes nunca saberei (até eles aparecerem aqui, registarem-se, comentarem este Relatório de Jogo e revelarem quem são, claro!) mostraram-se especialmente curiosos quanto aos diferentes aspectos mencionados do jogo mencionados aqui. Apesar de terem experiências de jogo semelhantes entre eles mas diferentes das minhas (especialmente na duração prolongada das suas campanhas de Dungeon & Dragons) aceitaram de bom grado e pareceram-me ansiosos em experimentar as ideias inovadoras do Wilderness of Mirrors (e basicamente as únicas escritas no documento de jogo que se resume a umas paupérrimas 15 páginas, num exemplo claro de "less is too little").

Uma das ideias, a ideia de que cada Agente é o melhor no que faz mas facilmente é capaz de fazer de tudo o resto, expressa em Areas of Expertise foi bem aceite por todos e tomada como orgânica. A extensão desta ideia, a de que o Agente que tem um melhor proficiência (através da distribuição de pontos) numa dada área (seja infiltração, liderança, ou eliminação de ameaças, etc.) torna-se o Especialista do grupo nessa dada área e adquire Efeitos Especiais únicos e não-transmissíveis que pode usar uma vez por missão e têm sucesso assegurado também foi aceite. Contudo como tínhamos 3 jogadores e seis áreas de proficiência ficamos com agentes duplamente eficientes, cada um com 2 áreas de proficiências. Surgiram assim: Agente Mercury-5, um agente que adoptava tantos disfarces e era tão discreto que os seus colegas agentes não sabiam quem era mas apenas qual era o último disfarce que usava para ultrapassar as medidas de segurança mais eficazes; Agente Nightjax, o implacável assassino cujo aspecto meticuloso e elegante era especialmente marcado pela presença constante das suas impecáveis luvas pretas de pele de cabra que nunca descalçava; e o seu líder chamado apenas de The Fixer, o Agente recrutado apenas quando a missão é efectivamente impossível para alguém que não seja um ex-militar veterano de três guerras e com uma habilidade mítica a lidar com a tecnologia.

A ideia do Planeamento, de que parte dos jogadores face a um dado objectivo providenciado pelo GM (chamado de Operations) criarem os detalhes da missão e que por cada detalhe que lhes complica a missão ganharem os chamados Mission Points, o que posteriormente podem ser usados para aumentar o número de dados lançados, foi em si um sucesso. Por cada detalhe que desse côr, definisse e complicasse a missão eu dei um dado apesar de estar mais ou menos explícito no texto que seria detalhes que tornasse a missão mais difícil. Era digno de vêr os sorrisos nas caras das pessoas cada vez que inventavam um detalhe e eu lhes dava uma Mission Point em forma de d6. Neste caso, o objectivo "Resgatar o Embaixador da ONU da Arábia Saudita, fez surgir complicações interessantes tais como: saltos de paraquedas sincronizados, infiltrações prévias e roubos de identidades sem se saber o desfecho final, eliminações de guardas sem se saber qual deles era o agente inflitrado, etc. E isto tudo passado em Riade, numa mansão no sopé de um monte, propriedade de um traficante de armas islâmico e tudo o mais.

É de notar que o líder dos agentes é quem distribui os Mission Dice consoante as necessidades impostas pela Missão. Foi interessante notar a precisão aritmética como o líder distribuiu os dados pelos agentes!

De notar foram o comentários dos jogadores: "Hey, neste jogo o GM não tem trabalho nenhum, quem faz tudo são os jogadores!" Bem efectivamente havia alguma responsabilidade de parte do Operations ou que torna-se mais evidente durante o próprio jogo.

Uma das ideias essenciais do Wilderness of Mirrors é que os jogadores não devem fazer lançamento de dados para verificarem se estes tiveram sucesso ou não num dada acção, mas deve-se lançar sim, quando estes pôem em risco eles próprios ou outros agentes expondo-os a uma situação perigosa ou tomam um acção que possa influenciar significamente o enredo a que os jogadores se propuseram. De minha parte acho que interpretei demasiado à letra esta definição do próprio jogo o que em conjunto com o nível de detalhe e antevisão e contemplação que os jogadores deram ao Plano culminou em poucos lançamentos derivados de detalhes que não estando préviamente descritos eu pude explorar como fontes de risco. Quando o nosso "mil-caras" tentou despachar-se da conversa do guarda que iria ser assassinado de em seguida pelo Mars (cada agente tem um nome de código derivado da mitologia greco-romana) do grupo mas este teria de o fazer sem levantar suspeitas, eis que pedi lançamento. Mas o que aconteceu nesse lançamento e em posteriores foi que raramente os jogadores usavam Mission Dice para aumentarem o número de dados a lançarem. Provavelmente a sua necessidade adviria dos agentes que fossem confrontados por riscos com os quais eram menos proficientes (mas nos quais eram sempre bons!) ou também de um uso mais compulsivo da mecânica do Tempo, outro aspecto do jogo do qual falarei mais adiante.

Uma coisa que me agradou bastante foi de como os jogadores lidaram com a narração partilhada dos resultados do conflito, um aspecto com o qual nunca tinham tido contacto. Basicamente, consoante o resultado dos dados, ou o Operations narra o sucedido (que pode ser um sucesso ou insucesso por parte do agente) ou o Agente narra o sucedido (que pode ser igualmente um sucesso ou insucesso por parte do Agente). Nos níveis de narração intermédios, entre este extremo e o outro, existe ainda a Narração do Operations com um Veto do Agente e Vice-versa. Este veto tem de acrescentar algo à narração prévia ou então alterar apenas algum detalhe desta nunca a alterando-a totalmente. Tanto eu como os jogadores vibramos muito com este poder e arranjamos twists engraçados às situações sempre com uma ponta de espetacularidade. Mas por vezes não sabíamos o que fazer com o poder de Veto: ou porque não tinhamos ideia nenhuma melhor do que tinha sido descrito ou porque achavamos a narração suficiente e interessante. Resultado: ritmo rápido de jogo!

Mas por outro lado pareceu-nos demasiado rápido! Tendo já delineado como iria correr a missão parece que nos restava apenas descrever como as coisas tinham mesmoa acontecido o que resultou num jogo pequeno e muito "leve". Bem, na minha opinião, partilhada também por alguns jogadores, este facto deveu-se talvez às seguintes razões: a Planificação de uma missão de Resgate ser mais do âmbito de um missão de Operações Especiais do que de Espionagem; a mecânica do Tempo demorar demasiado tempo a contribuir para tensão providenciada pela missão ou ter efeitos pouco significativos na história; e não se ter usado outro aspecto inovador do Jogo, as regras de Confiança.

Quanto à primeira, talvez eu tenha tido alguma influência no definir dos riscos tomados pelos nossos agentes, no sentido em que a narração do Operations (eu) e orientação da Planificação podia ter caminhado mais neste sentido. Ou seja mais Espionagem nua e crua! Mais tensão, mais "planos dentro de planos dentro de planos". Por outro lado todos os jogadores estavam confortáveis e entusiasmados com a direcção que tomou a Planificação, chegando até a discutirem detalhes deste fora de jogo a caminho do restaurante e na vinda! Será que era preciso reforçar mais a ideia de que era preciso estarmos todos na mesma "onda"?

O Tempo no jogo é um aspecto interessante que define a experiência do Wilderness of Mirrors. Basicamente o autor assume que à medida que o tempo passa, a missão torna-se mais tensa e mais difícil. Existem três regras diferentes para o fazer mas o grupo acordou na mais simples: por cada 20 minutos de tempo real de jogo subtrai-se 5 aos lançamentos de cada jogador. Para os mais atentos esta versão faz com que o controle narrativo passe mais vezes para o Operations. De qualquer modo, quer pelo meu desleixo em contar precisamente os minutos passados ou por termos despachado rapidamente a missão, nunca se criou uma grande tensão em jogo. Discutiu-se se não seria antes 20 minutos de "tempo de jogo" ou se as penalidades não deveriam ser maiores. Enfim, ficamos na dúvida. Ou talvez este aspecto devia ter sido acompanhado por outro de que vou falar a seguir: Confiança!

Basicamente a Confiança parte do pressuposto que em qualquer história de espiões, confiar na lealdade de alguém é arriscado e perigoso mas recompensador para tornar a história interessante. O autor diz-nos que cada vez que um Agente sabotar propositadamente outro agente recebe três Trust Dice que podem ser usados como se fossem Mission Dice. Esta sabotagem pode ser anunciada publicamente à mesa ou secretamente. De qualquer maneira os dados atribuídos ao agente sabotador nunca devem passar despercebidos, mesmo que a sabotagem resulte de um "bilhetinho" entregue por um jogador ao Operations. E sim, pode-se sabotar as Operations, seus bastardos duas-caras!!!

Mas não chegamos a usar esta mecânica por comum acordo dos jogadores apesar de um deles ter quase abordado essa hipótese. Acho que a Confiança também teria contribuído para o aumento da tensão, além do Tempo e teria providenciado por parte dos jogadores mais lançamentos baseados nos riscos que esses tomassem devido a tanta traição e sabotagem.

De qualquer modo a experiência foi bastante positiva apesar muito focada e todos nos divertimos em tempo recorde, ou seja ainda em menos tempo do que a sessão do Dungeon & Dragons Gameday! Estou desejoso de experimentar de novo o Wilderness of Mirrors porque acaba por se propôr a suportar tudo que me atrai nas histórias de espiões. Por outro lado gostava de que o jogo tivesse mais "carne" o que parece que efectivamente vai acontecer já que o autor diz que vai editar uma "Big Bad Version" do jogo.

E assim acaba mais uma missão bem sucedida.... Não percam mais uma aventura do Agente JR em... "Terror no Hospital"!

Boa experiência a tua; porque achas que não se usou o Trust? Falta de confiança nos jogadores, passando a expressão?

Aquilo que fizeste (ignorar elementos do jogo) prende-se com algo que tenho vindo a pensar e sobre o qual me quero debruçar, mas não agora, no entanto, se puderes, enunciavas-me as tuas razões para se ter ignorado esses elementos (Trust, Time…).

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”

Acho que foi mesmo falta de confiança na mecânica de Trust (passo a expressão) e o que isso podia gerar entre jogadores mas o melhor seria mesmo perguntar-lhes.

Eu não insisti em usar o Trust pois não conhecia bem os jogadores e não queria impôr nada com que eles não se sentissem confortáveis. E o Time usei mas tive dificuldade em controlar a passagem do tempo embora admito que fiz um salto de minutos na última vez que se subtraiu mais 5 às dificuldades (ah! três dados de Trust para mim!). :P

"Se alguma vez sou coerente, é apenas como incoerência saída da incoerência." Fernando Pessoa