Wir Sind das Volk! - Primeiras Impressões

Wir Sind das Volk - Primeiras impressões

 

Este jogo apareceu-me no "radar" de surpresa, sem que estivesse à espera do seu lançamento, sem que tivesse lido qualquer anúncio do seu lançamento, sem que nenhum dos meios que normalmente acabam por me alertar para o aparecimento de novos títulos que me possam interessar o fizesse. De repente, num dos tópicos dos encontros do Grupo de Boardgamers do Porto alguém o mencionou e percebi que havia um novo título da Histogames e de Richard Sivél no mercado. Quem anda por aqui há algum tempo já terá provavelmente percebido que este senhor é o autor do Maria que tem um estatuto de quase culto no grupo e que se encontra facilmente entre os títulos que eu facilmente recomendaria. Tinha que experimentar e agarrei a oportunidade logo que surgiu.

 

Então de que se trata?

 

Wir Sind das Volk é um jogo sobre a Alemanha dividida nos anos de 1945 a 1989, talvez o mais marcante símbolo da Guerra Fria. O título advém de um slogan usado pelos manifestantes que clamavam por liberdade na Alemanha de Leste e significa "Nós somos o povo". Traduz de forma bastante directa o aspecto mais visível do impacto das decisões políticas na vida das pessoas e acaba por ser um sinalizador do conflito que os dois jogadores vão protagonizar pela demonstração da superioridade dos sistemas político-económicos implementados em cada um dos lados desta Alemanha partida ao meio, tal como Berlim onde acabou por ser erguido o chamado Muro da Vergonha. Já agora, este jogo funciona também como homenagem àqueles que contribuíram para a queda desse muro no 25º aniversário desse acontecimento histórico.

Fica também a nota para a utilização do slogan "Keine Macht fur Niemand" ("Nenhum poder para ninguém"), título de uma canção protopunk dos Ton Steine Scherben, que servia também aos que, do lado ocidental, reclamavam contra os males e problemas que os afectavam.

 

Como se depreende facilmente, um jogador tomará as rédeas do destino da Alemanha Ocidental (República Federal Alemã) e o outro da Alemanha Oriental (República Democrática Alemã) e tentará implementar acções que permitam aumentar o nível de vida dos cidadãos para assim evitar as manifestações de massas que podem determinar o colapso do seu lado.

 

O tabuleiro representa o mapa da Alemanha, dividido em regiões que estão afectas a cada um dos lados e uma zona específica para Berlim, também dividida em regiões para o Leste e Oeste. Nessas regiões existem espaços para colocação de fábricas (marcadores triangulares) e infraestruturas (linhas para rectângulos que representam ligações entre as fábricas) sendo que ambos os lados têm particularidades que reflectem a situação especial vivida na altura com ligações do Leste a fábricas na Polónia e União Soviética e zonas de maior influência Francesa, Britânica dos Estados Unidos para o Oeste.

Já que falamos dos componentes, o jogo traz também um baralho de cartas que será o principal motor das acções dos jogadores, marcadores de cartão para as fábricas, infraestruturas e posições específicas em algumas escalas (Prestígio, Moeda Estrangeira, Socialistas, Fugas para o Ocidente e a escala para acompanhamento da pontuação) presentes no mapa e manifestações, bem como um conjunto de peças de madeira para marcar nas regiões o descontentamento, nível de vida e presença de Socialistas influentes.

São componentes de boa qualidade e a caixa tem uma dimensão pequena mas que permite guardar tudo sem problemas. A arte é sóbria mas perfeitamente adequada ao tema e ambiente do jogo sendo de louvar o recurso a elementos obtidos através de licenças Creative Commons, devidamente mencionados no livro de regras. Aliás, um aspecto desde logo positivo neste jogo, que em certa medida terá raízes neste comedimento com os componentes sem descuido da qualidade, é o preço relativamente baixo para o que vai sendo regra actualmente.

Tudo está em Inglês e Alemão tornando o jogo (quase independente de língua) muito acessível a uma vasta audiência.

 

Voltando à essência do jogo.

Decorre em 4 grandes fases, aproximadamente referentes a 4 décadas, e no final de cada uma haverá uma série de procedimentos de pontuação. Se algum dos lados tiver 4 marcadores de manifestações em massa no tabuleiro, perde.

Durante a década, ocorrerão duas metades. Cada uma destas metades terá uma estrutura semelhante que consiste na existência de 7 cartas de acção disponíveis para ambos os jogadores, uma especial disponível apenas para o Leste e duas que cada jogador terá na mão.

Na sua vez um jogador usa uma carta, podendo fazer uma de várias acções.



A mais simples será remover um marcador de insatisfação de uma das suas regiões.



Outra possibilidade é aumentar a capacidade económica colocando infraestruturas (fábricas e as ligações entre elas) no tabuleiro. Cada fábrica tem um valor de produção que aumenta com a ligação a outras fábricas.

Este valor de produção está directamente relacionado com outra acção possível, aumentar o nível de vida de regiões.



Para aumentar o nível de vida, uma região precisa de ter um poderio económico de 3 por cada um dos níveis de vida que terá. O jogador pode compensar alguma falta de capacidade de produção com os pontos disponíveis na carta mas isso é um recurso perigoso pois poderá implicar a incapacidade de manter esses níveis de vida mais tarde.



Pode usar a carta para executar o evento lá descrito. Estes eventos são baseados em acontecimentos históricos e podem ter vários efeitos no jogo:

  • Podem permitir ao jogador aumentar as suas infraestruturas económicas.
  • Podem também permitir eliminar infraestruturas adversárias. Podem permitir ao Leste colocar socialistas disponíveis no tabuleiro para mais tarde servirem como factor eliminatório do descontentamento das populações de Leste. Aliás, o Leste perde se ficar sem socialistas no tabuleiro.
  • Podem aumentar o acesso do Leste a moeda estrangeira (necessário para manter o nível de vida no final da década).
  • Podem modificar o equilíbrio do prestígio entre o Leste e Oeste.
  • Podem permitir ao Leste criar forças policiais para reprimir as fugas para o Ocidente.



    E ainda alguns casos mais específicos, especialmente com as cartas especiais disponíveis apenas para o Leste, como a construção do Muro de Berlim.



    Esta mecânica de obrigar ao consumo de uma carta para executar acções é que conduz o jogo temporalmente e ao mesmo tempo abre o leque de decisões aos jogadores. Quando a sétima carta exposta for gasta, termina uma das duas partes da década. Como cada jogador possui duas cartas na mão, tem a possibilidade de tentar controlar o momento de mudança de fase jogando a carta da mão em vez de escolher uma das expostas.



    Também é esta mecânica que em grande parte traz algumas semelhanças entre este jogo e Twilight Struggle. Não é uma semelhança mecânica no sentido de parecer uma cópia ou variante, mas antes algo que reforça a forma como ambos os jogos se adequam ao tema de forma brilhante. Partilham em grande parte o tema (e o período histórico que cobrem) mas este foca-se num aspecto fundamental mas muito específico do contexto global que Twilight Struggle evoca. Aliás, pouco tempo depois de o ter jogado partilhei em conversa a ideia de que este quase poderia funcionar como uma expansão ou sub-jogo do actual nº 1 do BGG.



    Note-se que esta ideia de a mecânica reforçar a sensação de proximidade entre os jogos mas sendo algo original em si mesmo é patente no facto de que aqui a forma como encaramos as cartas do oponente é muito diferente. Por vezes iremos usar uma carta do adversário em grande parte para evitar o evento da mesma e deixar uma carta nossa por usar para forçar o oponente a usá-la mais tarde não é eficiente, algo que é oposto ao Twilight Struggle.



    No final de cada década, haverá uma série de procedimentos de comparação entre o estado de cada um dos lados, especialmente na diferença entre níveis de vida de cada lado e na capacidade de o Leste conter a insatisfação da população. Se algum dos lados não conseguir sustentar o nível de vida das suas regiões e entrar em colapso ou tiver quatro ou mais marcadores de protesto em massa, perde.



    Aqui vou deixar a parte mecânica (havia mais para dizer, por exemplo sobre cidades especiais e a relação entre Berlim Ocidental e as potências que para lá exportavam, mas existem outras fontes onde podem detalhar mais) para falar da relação deste jogo com o tema.

    Li uma review no BGG em que se dizia: "[…]Wir Sind Das Volk! is inspired and shaped by its theme but it is not a thematic game."

    Para mim, esta frase não faz sentido. Um jogo temático é aquele em que as mecânicas derivam do tema, não oposto. E aqui, especialmente depois de ler as notas do designer, todas as mecânicas revelam a sua proveniência no tema e na procura de reflectir no jogo aquilo que o tema (a história) revelou. Mesmo quando por vezes a forma de um evento actuar no jogo parecer contrária à história porque, à luz do conhecimento da época, os efeitos esperados de uma política eram diferentes do que, de facto ocorreu.

    Este é um jogo que usa a abstracção da situação económica como reflexo e resultado do combate ideológico que a Alemanha dividida representava talvez mais do que qualquer outra coisa entre os anos de 1945 e 1989.



    Wir Sind das Volk é assim quase uma lição de história disfarçada de jogo, tal como se poderia dizer de Twilight Struggle e muitos jogos de guerra.

    Não é um jogo de guerra. Não há qualquer tipo de combate militar simulado. Não é um jogo económico, embora o foco de comparação e performance entre os dois jogadores seja reflectido no estado da economia de cada um, pois o objectivo não é ganhar dinheiro ou maximizar lucro. Não é um jogo de controlo de área porque não há qualquer tentativa de ter mais presença que o outro em certas áreas.

    O que é, então?

    Algo raro nos dias de hoje. Um jogo original, mas mecânicamente algo familiar. Uma espécie de simulação mas com espaço de manobra suficiente para permitir escolhas estratégicas e dilemas tácticos aos jogadores.

    É uma excelente obra. Mais um jogo brilhante da Histogames, de Peer Sylvester e Richard Sivél.

    Se vos recomendaria o jogo? Bem… joguei-o uma vez e já está na minha colecção. E estou desejoso de voltar a jogá-lo…

    Isto faz dele o que seria um 9 nos ratings do BGG. Não espero que vá descer significativamente e deverá andar por ali na companhia do Maria, do Twilight Struggle e mais uma meia dúzia de títulos durante bastante tempo.



    ---_-

     



    Esta é uma série de análises / críticas a jogos feitas após a primeira partida.

    Normalmente é má ideia fazer este tipo de exercício após uma só partida. Muitos jogos exigem maior experiência para nos apercebermos quer dos seus aspectos positivos mais difíceis de ver, quer dos seus possíveis defeitos.



    No entanto, com o ritmo a que vão saindo jogos e tendo em conta o facto de que bastantes deles acabam por ser jogados uma só vez, as primeiras impressões são muitas vezes as mais importantes.



    Adicionalmente, após ter jogado mais de 600 jogos diferentes em mais de 3000 partidas e de andar pelo BGG há 10 anos a ler sobre jogos quase diariamente, creio ter alguma "bagagem" que me permite apreciar jogos com mais facilidade do que faria quando comecei a interessar-me por eles. A ideia é que essa "bagagem" possa assim ser útil aos outros ao emitir o que, em última análise, é apenas uma opinião pessoal.



    Portanto, tenham em conta estes dois factos (ser uma opinião pessoal emitida após uma só partida) na apreciação deste texto e lembrem-se de que mais importante do que quer que eu possa escrever aqui é a vossa experiência com o jogo.

Como seria de esperar partilho o teu gosto e a opinião sobre o jogo. Tenho já algo preparado para colocar no site do spiel sobre o jogo. Já o joguei 5 vezes e já consegui ganhar com o West :slight_smile:



Quando sair aviso :slight_smile:



Obrigado por esta review/lição.

Este é um jogo que segui ainda antes da sua saída em Essen e foi o primeiro jogo que tentei jogar depois da feira de Essen mas, por diversos motivos, continuo até agora por o experimentar. No entanto, espero que a situação seja corrigida já no próxima sábado! :slight_smile:

 

Obrigado por mais esta review que conseguiu fazer com que tivesse ainda mais vontade de dizer: nunca mais é sábado surprise

passei por aqui para dizer que a review é muito boa e que já experimentei este jogo e gostei muito de o jogar. No entanto, devo dizer que não o identifico com o TS - senão quanto ao período histórico sobre o qual os dois se debruçam. Por outro lado, sendo o Sível o autor do Maria, entendo que possa ser inevitável a presunção de qualidade deste Wir. Contudo, a meu ver, ela é não só confirmada como é superada, pois dos três jogos aqui referidos, este é para mim o melhor e aquele com o qual me identifico. Sendo certo que eu faço parte da pequeníssima-imensamente-irrelevante minoria que não compreende como se consegue jogar tantas vezes Maria,mas pronto.



O que deve ser vincado é que acompanho, de um modo geral, a review. O Wir é um jogo muito bom. Para já, dar-lhe-ia um firme 8. (sim, ao Maria e ao TS daria um 7.5 ou 7.75…sim, eu sei, eu sou um herege…e sim, vivo numa caverna e pinto nas paredes…:P)

Reparei no outro dia que o Coautor é o criador de Konig von Siam.



A novidade é que ele está a preparar uma reimplementaçao do jogo com algumas diferenças, em The King Is Dead.



Se o jogo for tao bizarro quanto o primeiro estou lá.

não sei se será bizarro, mas temo que, pela sinopse: "a leader must unite the Scots, Welsh, and Romano-British — not by conquest but by diplomacy.", será um jogo com objectivo impossível!!! :stuck_out_tongue: