A Outra Face

Olá, :)

Estes fenómenos do significado e da ilusão da escolha (não confundir com ilusionismo) são algo que eu demorei bastante tempo a compreender. Só me apercebi da verdadeira extensão da coisa com um post do Vincent Baker (o grande Lumpley) no blog dele.

Ora, estava eu em casa de um amigo meu (o Rogério, alguns de vocês conhecem) a falar sobre isto, e ele disse algo que me surpreendeu. Sim, diz ele, eu já há muito tempo que sei que as minhas decisões são totalmente irrelevantes, mas isso não me preocupa nada. Eu quero é curtir o personagem, eu gosto do imersionismo, e a história, desde que exista, não tem que ser minha.

E eu fiquei a pensar, claro, isso faz todo o sentido. [b][i]Quem quer estar dentro do personagem não pode querer ao mesmo tempo colocar significado vindo de fora na história.[/i][/b] Tal como na vida real, o controlo é uma ilusão, e tal como na vida real, nós só nos apercebemos dos verdadeiros significados das nossas decisões quando estes nos aparecem à frente vindos do Grande GM Cósmico (ou o que quer que lhe queiram chamar).

E posso dizer mais. Na minha campanha de D&D, há pelo menos um jogador que se está nas tintas para os significados das decisões. Ele quer é arranjar uma Fullblade Masterwork, e o significado de uma decisão de atacar, para ele, mede-se em XPs.

É claro que nem todos os jogos tradicionais trazem consigo este aspecto de imersão. D&D, por exemplo, não está feito para isso. Se o GM puser combates conforme vêm no DMG e os jogadores se puserem a jogar os seus PCs em modo imersionista, prevejo várias Total Party Kills no seu futuro.

Da mesma maneira, nem todos os jogos tradicionais trazem consigo minigames focados, como é o caso do combate em D&D. Outros trazem um abuso de minigames diferentes. ShadowRun primeira edição, por exemplo, tinha um minigame para combate, um minigame para veículos e um minigame para a matriz, cada um a funcionar à sua maneira.

Tudo isto já para não falar do minigame generalizado de criação e evolução do personagem.

Mas há uma vantagem que todo os jogos tradicionais têm, e que não deve ser menosprezada: familiaridade.

A verdade é que qualquer jogador que se dê bem em D&D vai-se dar bem em Exalted e em Vampire e em ShadowRun e em GURPS e etc, etc. Podem gostar ou não gostar do jogo, podem gostar ou não gostar do setting, podem detestar o 3d6 em comparação com o bom e velho d20, mas [i][b]sabem qual é o seu papel[/b][/i] em todos estes jogos, tanto na posição de GM como na de não-GM.

Ora, há muito boa gente por esse mundo fora que está 100% satisfeita com este tipo de jogo, e isso é verdadeiramente excelente. Vamos lá ver, a falta de significado só é um problema para quem quer significado, certo?

Cheers,
J.

Oi, :)

Hehehe... Vou contrapôr a contraparte.

[quote=JMendes]há muito boa gente por esse mundo fora que está 100% satisfeita com este tipo de jogo[/quote]

Certo. Mas, também há muito boa gente por esse mundo fora que, apesar de só jogar jogos tradicionais, só está 80% satisfeito com eles, ou mesmo 50% ou mesmo 10%.

Agora, o que tem piada é que essas pessoas são incapazes de admitir que o RPG não lhes tem corrido bem. Adoram o conceito de RPG, sabem que têm problemas com o jogo, mas acham que mudar para outro jogo igual vai ser muito mais giro e vai resolver tudo. Seis meses depois, voltam a sentir as mesmas dificuldades e voltam a sugerir que se mude de jogo ou de campanha ou de setting, com esperança de acertarem em cheio, sem nunca saberem muito bem qual é a fonte dos seus problemas.

Notem que eu não faço a mínima ideia se vocês que estão a ler isto estão nesta situação ou não. Tenho, no entanto, a certeza absoluta que conhecem quem esteja. :)

[quote=JMendes]Ora, há muito boa gente por esse mundo fora que está 100% satisfeita com este tipo de jogo, e isso é verdadeiramente excelente. Vamos lá ver, a falta de significado só é um problema para quem quer significado, certo?[/quote]

É o que te tenho tentado dizer desde sempre, mas nunca encontrei as palavras certas. ;)

Acrescento só, talvez, com este tipo de jogo ou com qualquer outro!

WOW, okay!

Eu pensava que até já tinha isto relativamente bem acente cá dentro. Mas se esse fosse o caso não teria ficado como que se acabasse de descobrir a pólvora depois de ler este post.

So, thanks dude

That's about it! 

A última epifania que tive foi quando somei 2+2 e me lembrei que o João Mendes, defensor acérrimo dos rpg's não-tradicionais, joga D&D, o que nessa altura me fez pensar um pouco no valor das suas opiniões.

Basta perceber que ninguém os está a defender por oposição aos tradicionais! ;):P 

Para haver uma defesa era preciso haver primeiro um ataque. :wink:

falas de controlo... imersão... e depois finalizas ao dizer que afinal a malta que joga d&d vai se dar bem em todo o tipo de rps... Não admira que me veja à rasca em encontrar malta de jeito pra jogar vampire, e que anteriormente tenha jogado D&D!

Meu amigo, nem tudo na vida é hack-and-slash, e infelizmente todos aqueles que encontrei com bases de d&d vêm tudo o que tem dados como algo do tipo "hulk esmaga" e ignora, ou tem grande dificuldade em interpretar situações sociais e de interacção entre NPC/perso. 

Sinto-me satisfeito em jogar com a party que tenho actualmente... Sou um das 2 pessoas que tá lá e que nunca jogou D&D (alem da Ines, que se iniciou muito recentemente pelo mundo dos RPs e está a fazer um excelentro trabalho), e penso que n ter essa base me fez tornar um muito melhor jogador do que se o tivesse jogado.

Ok, este ultimo comentario foi uma beca de preconceito da minha parte, mas acho que é o meu grande estigma de achar que D&D é o tal roll-play que ninguem o gosta de admitir... Não vou desmentir, Exalted Vampire e MnM tb o são (exalted então é o abuso... a malta quase que tem de arranjar um 2º emprego para poder comprar mais dados e tudo! ), mas eles têm lá pelo meio algo mais que o D&D n tem e o J, tal como diz a meio do seu comentario, n pode ter senao morrem logo todos!

Resumindo isto tudo, n gostei de ver os meus RPs favoritos misturado no mesmo saco que o J quiz por, e acho que tb há aqui muita boa gente que depois fica com muitas más bases para um futuro em RPs não-D&D. Não admira que um grande conhecido meu, mestre nas artes de Vampire, escolha sempre jogadores que nunca tiveram experiencias em RPs, para n ter bases parvas... E pelo que me contou, alguns dos seus melhores momentos como GM foi mesmo com esses tais jogadores inexperientes! 

Eu ainda sou do tempo em que a malta tinha pouca escolha, ou jogava D&D ou não jogava nada. Ou compravas a caixinha vermelha editada pela Europa América ou népias, porque lojas de RPG nem vê-las, eram mais difíceis de encontrar do que um restaurante chinês que não sirva ratazana em vez de frango! E encomendas pela net... Qual net? A malta sabia lá o que era a net... Ai, ai, ai. Velhos tempos! Só para recordar que ainda estão vivos alguns cotas que não tiveram outra hipótese senão jogar D&D!!!

Hear hear!

Embora quando eu começasse já havia vários rpg's franceses por onde me orientar; muitas tardes passei eu a jogar Simulacres, no principio dos 90's. É mais ou menos dessa altura, certo?

Se bem me lembro... Referiro-me aos finais dos anos 80, quando ainda pensavam que o George Michael era heterossexual e o Michael Jackson era a maior vedeta da 'pop'!!! Sou um verdadeiro dinossauro. Claro que havia mais jogos do que o D&D mesmo nesses tempo antigos, mas era mais fácil deitar mãos a esse. Até porque eu era um adolescente imberbe e andava a ler as Crónicas de Dragonlance.

A 5ª edição do Simulacres é de 1988 (não consigo encontrar datas para outras edições), e pela capa acho que era essa que eu andava a jogar. Foi mais ou menos nessa altura que eu comecei a jogar.

Não recordo exactamente quando o D&D caixa vermelha foi lançado cá, mas julgo que terá sido algures por essa altura tb - por acaso, as minhas experiências com o D&D limitaram-se a um jogo de demonstração na antiga SocTip com o Zé de Freitas ao leme, e a uns jogos em casa de amigos. A minha verdadeira iniciação começou mais com o Simulacres que outra coisa.

Bons velhos anos 90...

Edit: Fui ver e os suplementos que foram feitos para o Simulacres incluiam os seguintes:

Aventures Extraordinaires& Machinations Infernales, de 1990, steam punk, já nessa altura
Capitaine Vaudou, de 1991, piratas antes da febre dos Piratas das Caraíbas
Ceux des Profondeurs,  de 1990, um cenário de terror compatível com CoC e Chill
Cyber Age, de 1990, muito como na época
Fleur de l'Asiamar (La), de 1986, um cenário medieval fantástico
SangDragon, de 1994, um universo medieval fantástico

Mas que estamos os dois velhos, sobre isso não restam dúvidas… Quando um gajo começa a usar frases como ‘bons velhos anos…’ é mau sinal!

Eu só tenho 32 anos! De que me acusas?! :S

E já agora, estás à minha frente, eu ainda "só" tenho 31...

Estamos a sair completamente fora do tópico, mas se alguém quiser discutir noutro sítio como é que se iniciou no role play e o seu percurso role-playístico parece-me uma boa ideia. Ou então sou eu que estou com um ataque de nostalgia…

Vamos a isso!

Hyellow, :)

[quote=plasmas]finalizas ao dizer que afinal a malta que joga d&d vai se dar bem em todo o tipo de rps... Não admira que me veja à rasca em encontrar malta de jeito pra jogar vampire, e que anteriormente tenha jogado D&D![/quote]

Eu percebo o teu protesto, mas com "dar-se bem", eu queria apenas dizer que vão perceber o seu papel dentro da estrutura do jogo, as written, e não que vão gostar do jogo, ou que outros vão gostar de jogar com eles.

[quote=plasmas]todos aqueles que encontrei com bases de d&d vêm tudo o que tem dados como algo do tipo "hulk esmaga" e ignora, ou tem grande dificuldade em interpretar situações sociais e de interacção entre NPC/perso.[/quote]

That's odd, já que, afinal, tu conheces-me, e a minha base é o D&D.

[quote=plasmas]um das 2 pessoas que tá lá e que nunca jogou D&D [...] e penso que n ter essa base me fez tornar um muito melhor jogador do que se o tivesse jogado.[/quote]

Concedo, mas expando. Há pessoal que tenta jogar Dogs ou Capes com pessoal que só jogou Vampire, e também corre muita mal. O D&D cria uns vícios, mas o Vampire cria outros. Basicamente, sempre que alguém decide que "o que que aqueles outros gajos fazem está errado" (como tu agora estás a fazer em relação ao D&D) corre o risco de não conseguir dar o salto para novos e mais verdes pastos.

[quote=plasmas]achar que D&D é o tal roll-play que ninguem o gosta de admitir... Não vou desmentir, Exalted Vampire e MnM tb o são [...] mas eles têm lá pelo meio algo mais que o D&D n tem[/quote]

Ok, eu aqui gostava de clarificar uma coisa. Na realidade, nem o Vampire nem o Exalted têm esse "algo mais". (O MnM, não sei, nunca olhei para ele, e confesso que a cena dos Hero Points me intriga.) O ADD2, por exemplo, também havia quem o jogasse da maneira que tu estás a descrever. Só que as regras não tinham suporte para isso, tal como as regras de Vampire e Exalted não têm.

Acontece que, com o DD3, a Wizards percebeu qual era, de facto, o core do jogo, e onde é que o jogo funciona bem, e decidiram focar o desenho, tornando-o num dos mais coerentes e funcionais que existem no mainstream. De facto, o DD actual é um dos melhores desenhos Gamist a aparecer no mercado.

Mas o Vampire, por exemplo, também é completamente Gamist. Só que não leva o seu Gamism suficientemente a sério, pelo que cria uma série de disfunções e incoerências. Ainda por cima quando o flavor text do jogo está virado exactamente no sentido contrário, no sentido de descobrir os problemas de ser vampiro, e os dilemas morais de matar para sobreviver. Se a WW soubesse o que está a fazer, podia ter produzido um excelento jogo Narrativist. Bleagh!...

Resumindo isto tudo, tu até podes não gostar do que eu tenho estado a dizer, mas asseguro-te que isto tem bases bem fundamentadas. Quanto ao teu amigo mestre do Vampire, das duas uma: ou está a driftar como se estivesse em speeds, ou é um snob maior que eu! Espero que seja o primeiro caso...;p

[quote=JMendes](...) mas asseguro-te que isto tem bases bem fundamentadas.(...)[/quote]

E que bases são essas?

As do Forge ou as dos game designers que trabalham para as WotC, WW, e afins?

A diferença entre elas não é subtil nem pretende ser; uma é vista e admirada por meia centena de pessoas, a outra, bom... ;)

Oi, :)

Cute. O argumento Britney Spears...

O trabalho da Forge é trabalho de desenvolvimento, cujo objectivo é avançar o estado da arte no que toca a RPGs. O trabalho da WotC e da WW é vender livros.

Uma é/pretende ser/tenta ser trabalho (semi) académico*. A outra, bom... ;)

Mas de qualquer modo, não estava a falar nem de umas nem de outras.

Estava a falar de cinco anos [i]meus[/i] a pensar sobre estas coisas, a tentar descobrir porque é que algumas sessões de jogo são geniais e outras uma santa seca, a tentar perceber porque é que algumas campanhas morrem e outras se tornam encontros de mortos-vivos à volta da mesa, e principalmente, porque é que algumas pessoas insistem em defender campanhas e sessões que, pura e simplesmente, não produzem diversão consistente.

Estava a falar de [i]dez[/i] anos meus a tentar descobrir o que é que é preciso saber para escrever um sistema de role-play que seja divertido para as pessoas que o querem jogar, independentemente da opinião das que não o querem jogar, e independentemente do que é preciso para vender no mainstream.

E finalmente, estava a falar de vinte anos meus de experiência a jogar e falar sobre RPGs.

Não é um mau currículo, pois não? :)

(*) Chris Lehrich, anyone?