Como é que se joga NAR?, e uma questão à parte

Falando por mim, se houve jogo q puxou pelo gamist em mim foi DitV!

Hello, :)

Como é que se joga NAR?

Ok, estou, desde que o thread apareceu, a tentar decidir o que é que hei-de escrever aqui. A principal razão da minha demora prende-se com a convicção que a pergunta em si está mal colocada.

Passo a explicar: se as CAs se prendem com as motivações à mesa (e não só, isto é simplista, mas para já serve), e se NAR é uma CA, então, silogismo, a pergunta é "como é que se tem uma motivação", que é uma pergunta que carece de respostas com significado.

Como tal, tenho que traduzir esta pergunta numa (ou numa combinação de várias) das seguintes:

  1. O que é NAR?
  2. Será que eu, de facto, gosto de NAR? Será que eu, de facto, já joguei NAR?
  3. O que é uma CA para além do aspecto da motivação?
  4. Agora que eu sei que o que eu gosto é de NAR, o que é que eu faço para produzir consistentemente sessões divertidas?

A primeira já foi amplamente debatida neste thread e noutros, e não me vou preocupar mais com isso, excepto para dizer o seguinte: esta é a altura ideal para ir reler [url=https://www.indie-rpgs.com/_articles/narr_essay.html]este ensaio: Narrativism - Story Now[/url]. (Atenção que o raio da coisa é grande e requer uma boa meia hora ou mais para de facto ler com atenção).

A segunda, também não consigo responder, pelo menos não sem jogar contigo muito mais vezes que as que já joguei. No entanto, pelo que me é dado a ver, não só tu já jogaste NAR, como já curtiste NAR. A ver, as cenas finais de um caso de The 101, e a tal Pergunta Final em cada sessão, são um bom exemplo do que é que NAR pode ser para ti.

A terceira e quarta, essas sim, posso tentar pontificar sobre ela um pouco... :)

Pergunta 3 - Generalidades - Componentes de uma CA

Há muita gente que lê um livro de regras e quando chega à parte das mecânicas de evolução das personagens, parte do princípio que encontrou o "sistema de recompensa". Mas tal como o "sistema" não são as regras, a "recompensa" também não está na evolução.

Uma CA (e principalmente, uma CA coerente a uma mesa coerente) tem a ver não só com a motivação fundamental de cada um, como também as fontes de reforço pessoal que cada um retira do jogo, e das fontes de reforço social que cada um dá aos seus parceiros de jogo.

Quando eu digo fundamental, estou a falar de "arcos de motivação", da motivação de fundo por detrás de todo o processo de jogo, e não da motivação por detrás de uma decisão em particular. Esta última pode mudar quase instantaneamente, ao passo que a primeira está bastante mais enraizada do que possa parecer à primeira vista. Embora também possa variar de mesa para mesa, de jogo para jogo, ou até de sessão para sessão, é bastante mais raro que mude de minuto para minuto.

O conceito de reforço pessoal é bastante mais fácil de explicar. Tem a ver com aqueles momentos em que, por dentro, nos sentimos instrinsecamente satisfeitos com o que se está a passar no jogo. (Isto em oposição a nos sentirmos intrinsecamente satisfeitos por estarmos na companhia das pessoas à mesa, o que também existe, mas é irrelevante para esta discussão.)

O conceito de reforço social segue destes dois: numa actividade social (e o role-play é uma actividade intrinsecamente social), o nosso nível de aprovação ou reprovação que demonstramos sobre as atitudes e iniciativas dos outros participantes está directamente ligado a quão alinhadas estão essas atitudes e acções às nossas próprias preferências.

Donde, componentes de uma CA:

  • Porque é que eu faço isto?
  • Porque é que isto é o que eu acho giro?
  • Porque é que isto é o que eu acho giro que os outros façam?

(Já agora, é por causa deste último componente que um grupo coerente produz consitentemente mais diversão que um grupo incoerente.)

(Outro aside: à luz disto, dizer que GAM é jogar para ganhar o desafio não chega; GAM inclui a observação de terceiros a enfrentar os seus desafios, e inclui também a criação de desafios para outros enfrentarem.)

De notar que a evolução do personagem não é um deles: passa-se apenas que o pessoal curte ganhar XPs e curte ver os outros a ganhar XPs.

Pergunta 4 - Aplicação Prática - Narrativismo como CA

Uma história, em termos literários, tem uma apresentação, um desenvolvimento, um climax e uma conclusão. (Não me lembro exactamente com que idade é que a malta aprende isto, mas sei que é relativamente cedo.) Tipicamente, estes elementos convergem para comunicar um tema.

Temas e premissas são conceitos não triviais, a nível académico, mas para os nossos propósitos, são algo de extremamente simples. Uma premisa é uma pergunta, e um tema é uma resposta justificada.

A "apresentação" é um conceito trivial: traduz-se em criar os personagens e a situação incial. Sabemos que vai ter que haver conflitos e decisões, vai ter que haver uma premisa. É mais fácil gerar NAR se a premisa estiver patente na apresentação. Donde, grupos em que cada um vai para o seu lado fazer o seu personagem e o GM "prepara a aventura" vão ter muito mais trabalho para jogar NAR (se é que o conseguem de todo). Fazer da apresentação uma sessão à parte, com o grupo todo, é uma boa ideia.

O desenvolvimento é onde está a chave. Trata-se de apresentar escolhas aos personagens, e depois, servir-lhes de bandeja as consequências dessas escolhas. É aqui que o tema emerge. Donde, se narrativismo é Story Now com ênfase no Now e não no Story, grupos em que o GM já sabe o tema, ou é obrigado a descortiná-lo sozinho, não vão conseguir jogar NAR. É também aqui que o "sistema" tem maior influência: ou permite ao grupo descobrir o tema ou não. É extremamente improvável que Mother May I venha alguma vez a dar NAR satisfatório, pela razão simples que todas as consequências estão nas mãos de um só indivíduo.

O climax normalmente segue naturalmente do desenvolvimento. É tipicamente o momento em que as consequências das várias escolhas dos personagens convergem para lhes criar o maior problema possível, ou seja, o problema no qual se vai ver se a resposta da história (e não do GM) à pergunta é a mesma que a resposta dos personagens à pergunta.

A conclusão é irrelevante para esta discussão. :) (Ou se calhar não é, mas agora, não me ocorre nada de inteligente...)

Exemplo:

Apresentação: os personagem é um Samurai e a pergunta é, o que é que é mais importante, o dever ou a honra.

Desenvolvimento: o GM vai apresentando situações em que o personagem tem que escolher entre uma e outra. Essa escolha leva necessariamente a conflitos de interesse com NPCs que, "convenientemente", têm a opinião contrária.

Clímax: finalmente, o personagem encontra-se com o seu némesis num mortal duelo de Iai-Jutsu; o tema ou moral da história é cristalizado no resultado deste duelo.

Conclusão - Como é que se joga NAR

Receita em quatro passos:

  1. Cria uma situação com uma premisa embutida
  2. Responde à premisa através das acções dos personagens
  3. Justifica a resposta através do sistema
  4. Sente-te bem com isso! :)

P.S. Existem algumas considerações que se podem tecer sobre TSoY e PtA, mas noutra altura, que já estou a tentar compôr este post há quatro horas... :/

Li tudo, e tenho três coisas a apontar, para possível discussão e análise, se aprouver a alguém:

1- É extremamente recompensador ler os teus posts e do Rogério.

2- Estava com a impressão, aparentemente errada, que um bom sinal para descobrir a CA que um determinado jogo pretende reforçar ou endereçar, era olhar para a atribuição de XP; no entanto, a recompensa no jogo (ou na CA, se calhar é melhor) prende-se com o jogador, não com o personagem, e essa recompensa retira-se da motivação que se tem ao se sentar à mesa para jogar. Este é um ponto que me parece extremamente importante: provavelmente poderei ter jogos das outras CA onde não haja recompensas mecânicas mas onde me divertirei na mesma.

3- Não concordo quando dizes que Mother May I não irá dar NAR satisfatório, por duas razões: 1) porque não acredito no MMI tal como o apresentas (se quiseres, podemos discutir isto noutro sitio; aqui, gostava de falar única e exclusivamente em NAR), 2) porque mesmo em MMI é possível ao GM lançar situações que obriguem o jogador a escolher entre duas situações, tal como apontas no exemplo do samurai, honra vs dever. É mais dificil porque exige mais trabalho, mas não é impossível (já agora e sobre o MMI, a evolução das discussões na fonte de todo o conhecimento que é a RPG.net aponta para uma maior “delegação de poderes” ao jogador, em “detrimento” do GM, isto sem passar por qualquer das técnicas que apontas quando apresentaste o MMI - a ver).

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”