De regresso às bases

[quote=LadyEntropy]Porque não estamos aqui a debater se KODT é bom, ou mau ou se os suplementos da altura incitavam ao GM vs. Jogadores (porque no fundo, esta confrontação vem de COMO quem se senta à mesa joga, não de como os jogos dizem que se jogam) ou não. [/quote]

OK, estou mais aliviado. Já estava a ver que tinha ido parar a um universo alternativo em cujo passado os jogadores jogavam contra o DM porque era assim que vinha nas regras. Sob pena de me repetir, e para uma bela e hilariante visão da nobre arte do munchkinismo e twinkinismo, podem consultar o Munchkin's Guide to Power Gamers. Escrito por ingleses e publicado nos EUA, o apêndice chamado A Guide to the English Language for Ignorant Colonials vale só por si o preço do livro, sendo um glossário do calão usado nas Ilhas Britânicas.

Peace

Verbus


So I bless you with my curse
And encourage your endeavour
You'll be better when you're worse
You must die to live forever

- Jim Steinman - Dance of the Vampires -

... as coisas eram assim tão diferentes? Suspeito que não. O que eu quis apontar foi que ontem já havia imensa gente a jogar sem ser de forma competitiva, ao ponto de criarem materiais de jogo que apontavam em direcções muito diferentes da competição. Esses materiais tiveram grande sucesso o que apenas pode significar que quem os comprou queria o que eles tinham lá dentro.

E hoje, será que vivemos nesse mundo ideal onde o rpg se desligou completamente das suas raízes competitivas? Mais uma vez, penso fortemente que não. Afinal, o jogo mais popular continua a ser o D&D e neste se algo se reforçou com a última edição foi a componente de ferramentas para jogos de confrontação, competitivos. Suspeito que a grande maioria dos jogadores de hoje é tão competitiva como os de há 20 ou 30 anos atrás, até porque eles vêm do mesmo caldo demográfico. Por isso o confronto entre ontem=competição e hoje=imersão (ou o que se lhe quiser chamar) me parece ser artificial. Como o era há 10 anos quando esse confronto foi criado.

Se queres uma leitura hilariante no que toca a inglês e o seu calão, lê o infame “Profanisaurus Rex”.

https://www.viz.co.uk/?%2Fprofanisaurus%2Fprofan_index.php%3Ffb%3D1


“HOUSE FLAMBEAU - where you teach your apprentices by pissing them off until their will to set you on fire overcomes the stactic paradigm”

"tu encaras o PRAZER como sendo inconciliável com as outras coisas que eu refiro"

De forma alguma. Inconciliáveis? Não. O que eu penso é que as coisas que tu referes são marginais, secundárias e eventualmente distraiem do objectivo primário do roleplay: o prazer de viver um vida virtual.

"Interagir com os produtos da imaginação... Pá, se isto não é VIVER uma fantasia ou experiência ficcional então não sei?"

Não é. Uma pessoa pode interagir com os produtos da sua imaginação sem estar a fazer roleplay. Em alguns casos isso pode mesmo decorrer de uma patologia.

"Basicamente o que tu queres fazer é impedir que se analise cientificamente os componentes daquilo que é fazer roleplay, porque para ti é tudo junto e algo que é mais do que apenas a simples soma das suas parcelas"

Mais uma vez, de forma alguma. Há muitos anos que me dedico a analisar as componentes do roleplay (sem pretensões a ciência...). Faço-o praticamente desde que jogo. No caso concreto da internet, desde 95 que participo em fóruns de discussão (primeiro em listas de discussão; a partir do final de 96 fundamentalmente na RPGnet que quase vi nascer; um fórum que nunca me convenceu e que também praticamente vi nascer chama-se Forge...). O que eu penso é que a análise que distingue as componentes por ti referidas passa ao lado das componentes do roleplay e centra-se em coisas secundárias e acessórias, tudo isto por partir das metáforas erradas. Apenas isto. O problema não é que o roleplay seja os elementos por ti referidos mais a sinergia entre eles. Não, o problema é que os elementos por ti referidos não caracterizam o roleplay nem lhe são necessários. Podem estar presentes e até contribuirem para ele, é claro, e se isso suceder melhor.

"Sou sempre bastante adverso a que se invoquem "Bestas Sagradas" como argumento no meio de uma discussão entre colegas acerca de algo que todos conhecem e de que gostam"

Mais uma vez estás enganado. A questão não é de se invocarem bestas sagradas. É antes a de ser feita um afirmação genérica sobre os jogadores de "antes" e de demonstrar que esta está errada e não é fundamentada. Invocar-se a ignorância porque se confunde o conhecimento com "bestas sagradas" é pouco engenhoso.

"é também um autor do seu personagem e da história em que está envolvido, então estás a ser contraditório"

Eu não estou a ser contraditório, tu é que não percebes o argumento. Para o perceberes é talvez útil invocar o conceito de história. História não é o facto, não é o que acontece. História é a memória do que acontece. Um jogo centrado em histórias é um jogo que tomo como seu motivo memórias, reais ou ficcionadas. Ora isso não é roleplay. Roleplay não é a construção de memórias, roleplay é vivência. Que essa vivência possa motivar memórias e que estas memórias possam ser interessantíssimas é algo que não se pode excluir. Mas a construção da memória de uma sessão de roleplay não é roleplay nem é algo que esteja necessariamente implícito no roleplay. Afinal, roleplay não é replay.

"A verdade é esta: o DM e os outros jogadores acabam por ser co-autores da estória que vivem, que experienciam"

Como qualquer pessoa, eu sou autor da minha história, da minha vida. Mas não a vivo como uma história e não vivo como se estivesse a construir a história da minha vida. Posso um dia escrever a mesma em termos de memórias ou de autobiografia. Mas não confundo a escrita das memórias ou da biografia com a vida ela mesma. Ora o roleplay é para mim viver vidas virtuais. Nesse sentido a sua relação com a história dessas vidas virtuais é a mesma que eu mantenho na minha vida com a história desta.

"das duas uma: ou admites que o jogador de roleplay acaba por ser co-AUTOR da estória ou não admites... E aí, quem são os responsáveis pela autoria da estória, se não é (e nunca ninguém o disse em 70 e 80) o DM o único?"

Continuas a confundir as coisas. O roleplay é aquilo que acontece à volta da mesa. Nesse momento não há história, há vivência. Depois pode ser escrita a história da sessão de jogo. Isso pode ser feito pelos participantes, por um destes ou por alguém que nem sequer participou na sessão de jogo. Na maior parte das vezes o que fica é a memória da sessão de jogo nas mentes dos jogadores. Cada um tem a sua história pessoal da sessão - mas essas histórias não são a sessão de jogo e não são roleplay.

Quanto ao MJ, a sua função no jogo não é construir uma história. A história, a memória, tende a ser do domínio do narrativo. O MJ pode ter de historiar o contexto, o mundo de jogo, pois nós funcionamos psicologicamente em termos narrativos. Mas no agora, no presente do universo de jogo em que os jogadores evoluem e jogam, a função do MJ não é narrativa, é descritiva. Ele descreve um contexto onde os participantes tomam decisões e agem, sejam os PCs sejam os NPCs.

"eu até sorrio só de pensar na tua indignação com este "vivessecar" do roleplay"

Por favor não me metas na boca coisas que eu não disse. É a melhor maneira de se criarem malentendidos e discussões inúteis. Eu ando a "vivissecar" o roleplay há anos em fórums públicos. Por exemplo, vai à página das colunas da RPGnet e procura as 3 ou 4 que eu lá tive desde 1999. A questão não é de eu não gostar de analisar o roleplay - eu gosto e muito - a questão é que para mim há análises que são erradas, tangenciais ou improdutivas. Esse é o caso daquela - que não é tua - de que te tornaste arauto.

É interessante como na passagem que citas JB_Mael salta entre autor / actor, dois conceitos completamente distintos, como se estivesse a falar da mesma coisa e sem se dar conta disso. Será que esta falta de clareza na expressão é sintomatica de uma igual falta de clareza nas ideias?

… mas será que para ele, num rpg, actor/autor sejam de facto a mesma coisa?

Posso estar a ler mal as suas palavras, mas parece-me lógico concluir que sim.

Se assim for, então não vejo falta de clareza na expressão ou nas ideias. Mas também posso estar completamente errado na minha análise.

–~~–

Não te metas comigo, camarada; tenho n avisos à navegação, alguns deles em público, e não tenho medo de os usar.

Num post anterior ele tinha dito, passo a citar:
“Eu diria que os jogadores são simultaneamente 3 coisas: actores que interpretam um personagem; autores parciais do mesmo personagem que interpretam; colaboradores e audiência interventiva numa estória de ficção.”, possivelmente ele juntou os dois papéis neste trecho. Digo eu…

Bem, já que estão todos a querer definir um Roleplaying Game, vou meter também a minha versão.

Eu gosto de ver o RPG desta maneira, duas ou mais pessoas sentam-se numa mesa (mais propriamente em cadeiras, mas vocês percebem a coisa), uma é escolhida e começa a descrever uma série de acontecimentos enquanto as outras ouvem tentando visualizar o que é descrito, supostamente haverá alguma ligação entre a intenção do orador e a imagem dos ouvintes.

Eventualmente um dos oradores vai querer participar nessa descrição e vai dar o seu bitaite, este importante bitaite é depois negociado de alguma maneira (pode rolar um dado, pode tirar uma carta, pode haver uma votação entre os outros, pode ser obrigado a beber uma Guiness de penalty, etc.) com os outros participantes para se decidir se deve entrar no imaginário que tem estado a ser criado ou não. É a partir desse momento, em que existe uma regra para cada participante interagir de alguma maneira na imaginação de cada um dos outros e que é utilizada, que o RPG passa a existir.

Porque é que eu gosto desta definição? Porque é especifica e vaga ao mesmo tempo (o meu antigo GM de Mage ficaria orgulhoso de mim se lesse esta frase), é específica porque acho que traduz exactamente o que se passa num determinado instante de uma sessão de RPG, sem considerações técnicas de maior (nomeadamente a utilização de termos como Jogador e GM), é vaga porque recorre a considerações técnicas de maior nem diz o que é que se pode fazer com isto. Principalmente gosto dela porque é extremamente maleável e permite abranger várias formas de fazer RPG incluindo vários gostos e feitios, dos quais se pode partir para criar diferentes e interessantes formas de chegar ao mesmo resultado.

smascrns: Visto que este tópico parece estar recheado de diferentes maneiras de definir o que é um RPG, qual é a tua intenção para ele, estamos a ir de encontro ao que querias discutir ou muito longe disso? Pergunto porque é possível partir um tópico em vários diferentes, se os interessados acharem que isso ajuda a focar a discussão num assunto específico.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Bem eu iniciei o tópico a partir de outro onde reagia a conceitos que me pareciam inadequados para compreender o que é roleplay. Fi-lo porque o Mariano sugeriu que o fizesse e pareceu-me bem. Eu não tinha uma ideia em mente sobre a direcção a dar-lhe para além disso. A discussão tem sido interessante, pelo que por mim tudo bem.

Quanto à tua descrição da experiência de roleplay é interessante porque destaca as semelhanças exteriores com tantas outras actividades. Mas, por isso mesmo, acaba por não captar o que há de específico neste óbi.

[quote=RedPissLegion]

Eventualmente um dos oradores vai querer participar nessa descrição e vai dar o seu bitaite, este importante bitaite é depois negociado de alguma maneira (pode rolar um dado, pode tirar uma carta, pode haver uma votação entre os outros, pode ser obrigado a beber uma Guiness de penalty, etc.) com os outros participantes para se decidir se deve entrar no imaginário que tem estado a ser criado ou não.[/quote]

Não gosto é muito do termo negociado, uma vez que já joguei muitos jogos de negociação, como Junta, Republic of Rome, Civilization de tabuleiro, não joguei Diplomacy nem Macchiavelli mas conheço-os muito bem, e uma vez que nesses jogos decorrem, de facto, negociações entre os jogadores, e são mesmo o objecto principal do jogo - e como a sua experiência pouco ou nada tem a ver com a do RPG, haverá maneira de dizer a coisa de outro modo? É que nesses jogos também se pode falar num "espaço imaginado", ou eplo menos representado ou simbolizado. E em RPG, negociações só in-character é que me lembro, a menos que haja jogos que tenham reais negociações na resolução do sistema. Pode dar-se a volta a essa definição?

Paz,

Verbus

So I bless you with my curse
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- Jim Steinman - Dance of the Vampires -

[quote=smascrns]Quanto à tua descrição da experiência de roleplay é interessante porque destaca as semelhanças exteriores com tantas outras actividades. Mas, por isso mesmo, acaba por não captar o que há de específico neste óbi.[/quote]O que eu encontro de específico sobre os RPGs é algo que eu e o JR apenas começamos a despontar nestes dois artigos hehe, por isso é que tentei especificar o que entendo como a "génese" da ideia de um RPG, o conceito a partir do qual depois se desenvolve tudo o resto, foi o que eu percebi que se estava a discutir, 1.000 perdões.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

O termo Negociação parece-me apropriado parece-me apropriado, porque é o que eu vejo acontecer à mesa de jogo, os vários participantes vão iterando entre si a sua contribuição para os eventos imaginários até surgir algo que agrade a todos. Mas a expressão Acordo também me parece fazer sentido

A forma como esta Negociação pode ocorrer é que pode ser feita de várias maneiras, o grupo acordar que existe um participante chamado GM que decide quais as skills a serem roladas e qual a dificuldade do role é uma forma de acordo sobre como é que cada participante pode influenciar os eventos imaginários.

O conceito que a palavra tenta traduzir é que a forma como cada participante intrevem no jogo não é independete do contributo dos outros. Muitas vezes traduzidas nas mecânicas e sistemas de jogo.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Porém não me leves a mal mas acho que sofrem de dois problemas. Em primeiro lugar são demasiado longos e introduzem demasiadas coisas que não cabem numa introdução. Em segundo lugar, são «ideologicamente» motivados como aquela de que rpg é construir histórias. Há imensas maneiras de caracterizar os rpg sem recorrer a esta ideia (que, como é evidente, é tudo menos consensual). Finalmente, como introdução pecam por não terem ilustrações concretas adequadas. Nada facilita mais a compreensão dos rpgs do que essa ilustração. Eu que o diga que acedi ao óbi a «solo» através de revistas (Jeux & Stratégie e Casus Belli) e de um jogo feito a pensar na acessibilidade para principantes (RuneQuest com BRP).