Entre favas, gelados, e montanhas russas (ou como eu vejo o PTA)

E ontem não tivemos a habitual sessão de MnM, mas o Ricardo foi generoso o suficiente para nos dar uma amostra de PTA; como faltavam o Zé e o Rocha, e o Tiago estava morto de sono, decidimo-nos por PTA, e Teen Supers porque já estamos todos mais ou menos habituados ao setting. Este não foi um setting normal de 4-color, este foi um setting feito por nós, no momento. É um dos features do PTA, os jogadores têm tanta influencia no setting como o GM.

Depois disso, lá fomos nós jogar.

No dia anterior não tinha percebido muito bem as diferenças na teoria GNS (gaming, narrative, simulation, ou algo do género), mas agora que já tive uma amostra de um jogo narrative, bem posso dizer que do que vi até agora, não é para mim. Ficou a promessa de outras sessões para tirar as teimas.

E não é para mim porquê?

Porque eu como jogador não gosto de saber onde a historia vai parar, gosto de andar à descoberta, de me assustar com os monstros, de não saber se vou ou não acertar no meu nemesis. Esta coisa de partilhar a história com o GM, por enquanto, não me aqueceu o suficiente. Ou, para usar uma analogia da noite anterior, não é a montanha russa que estava à espera, antes as favas para o meu gelado de chocolate. Faço-me perceber? É um gosto adquirido, parece-me.

Depois disso, andei a investigar outros jogos deste género (Dogs in the Vineyard, My Life With Master...), e pareceram-me todos do mesmo. O jogador perde essa designação, passa ele também a ser narrador, e o GM perde um pouco o seu lugar de Mestre de Jogo, passando a ser Moderador da Narrativa. Se calhar ainda estou mal habituado a estas coisas, se calhar a Revolução anunciada desde os anos 80 não seja assim tão revolução e mais Movimento Paralelo. O que interessa para este ponto é: para já, o tal tipo de jogo Narrativo não é para mim.

Rui!

[quote=Rui]o Ricardo foi generoso o suficiente para nos dar uma amostra de PTA;[/quote]

 Até parece que fiz algo a contra-gosto, pfff! Não há nada de generoso em concordar demonstrar o meu jogo favorito de sempre para um grupo de possíveis convertidos, antes pelo contrário, eh eh.

[quote=Rui]No dia anterior não tinha percebido muito bem as diferenças na teoria GNS (gaming, narrative, simulation, ou algo do género), mas agora que já tive uma amostra de um jogo narrative, bem posso dizer que do que vi até agora, não é para mim.[/quote]

De Narrativismo infelizmente vimos pouco ou quase nada. Jogámos 4 cenas, e nelas vimos - isso sim! - em quase toda a sua glória um sistema de jogo colaborativo, que apela constantemente à Author Stance (e alguma Director Stance também) e à participação de todas as pessoas em todos os aspectos do desenvolvimento da história, em que o GM partilha o poder de Scene Framing em partes iguais com os jogadores, que usa Resolução de Conflitos em vez da tradicional Resolução de Tarefas, que dá ocasionalmente aos jogadores controlo narrativo quase total sobre a resolução da cena, que tem umas "bandeiras" hasteadas sobre os personagens (os Issues) que obrigam o jogo a revolver em torno desses problemas pessoais de cada um, etc.

Como disse, vimos este sistema em quase toda a sua glória, e a bombar bem perto dos 200% (só não tivémos ocasião de apreciar o desempenho do sistema a longo prazo, e as regras do Next Week On e Story Arc / Screen Presence). O pouco que podemos jogar foi, na minha opinião (subjectiva, claro) realmente fabuloso, trazendo ao de cima tudo o que adoro no jogo: a rapidez, a fluidez, a sucessão de momentos altamente interessantes sem palha pelo meio, o poder de várias cabecinhas a pensar bem melhor do que uma, as cenas de acção (no nosso caso a primeira; a segunda foi já criada em tempo de descontos e foi só para despachar) em que realmente está algo importante em jogo e se transmite significado com reflexos no íntimo dos personagens, etc. (Bom, isto tudo para dizer que sim, se não ficaste a adorar o sistema não é culpa de a sessão ter sido fraquinha. É mesmo porque não é para ti, ou porque é demasiado diferente de tudo o que aprendeste a gostar e precisarias mais tempo para lhe ganhar o gosto, ou o que for.)

Resumindo, vimos uma maneira completamente diferente de conduzir um jogo. Não tivémos é propriamente oportunidade de o conduzir por estradas radicalmente diferentes e ver em acção Narrativismo desenfreado e in-your-face. Eu estive mais preocupado em tentar manter a trama interessante e em movimento (óptimos resultados, conseguidos na maioria à custa de ti e do Padeira, com o vosso input e afluxo constante de ideias boas) e em trazer os Issues ao de cima (espectacular taxa de sucesso: 1a cena - Acção - Issues do Rui e Padeira, 2a cena - Pessoal - Issue do Rui, 3a cena - Pessoal - Issue da Inês, 4a cena - Investigação/Accção - Issue do Padeira).

Mas lá tivémos um cheirinho de Narrativismo... tu foste confrontado (2a cena) com o facto (1a cena) de que os superpoderes que queres usar para fazer o bem foram (e provavelmente continuarão a ser no futuro) responsáveis pelas mortes de vários inocentes e mesmo assim *decidiste* que haverias de persistir em usá-los e a tentar tornar-te um super como os teus role-models. Obviamente que uma decisão mais "decisiva" só seria tomada numa prova de fogo, em que houvesse realmente algo a perder (vidas inocentes) mas também algo a ganhar (fazer o bem) com o uso dos teus poderes. Ainda assim, foi um começo bem promissor, não há que mentir!

O Padeira também andou a rondar momentos de decisão. Na 1a e na 4a cena descobriu que o seu pai, com quem a sua personagem gostava de ter uma relação mais próxima, andava a fazer trinta por uma linha sendo inclusivamente o provável autor moral do atentado da 1a cena que matou tantos inocentes. E que decidiu o Padeira fazer quanto a isso? Nada de nada. Ou teriamos de ter tido mais tempo para expandir o assunto e torná-lo mais premente (eu não pressionei o Padeira, como era meu dever, no pouco que jogámos), ou então simplesmente o assunto não lhe interessava e passou-lhe ao lado, ou então "ignorar, ignorar, não fazer nada" foi de facto a decisão que a personagem tomou ao ver-se dividida para com o seu código de honra de superherói e a sua lealdade para um pai que é um rei do crime.

[quote=Rui]Porque eu como jogador não gosto de saber onde a historia vai parar, gosto de andar à descoberta, de me assustar com os monstros, de não saber se vou ou não acertar no meu nemesis.[/quote]

Aqui tenho dificuldade em perceber ao que te estás concretamente a referir, porque essas razões, quando apresentadas nesta forma tão simples não fazem grande sentido para mim. Isto porque: 1) como a história é criada na hora, nasce à vez de várias cabecinhas pensadoras, e é alterada radicalmente (ao contrário de um jogo tradicional) por cada lançamento de dados/cartas, ninguém ali faz puto de ideia sobre o que raio vai acontecer a seguir; 2) não sei o que te assusta nos "monstros" mas (excluindo o facto de os montros te poderem matar e obrigar a fazer um personagem novo antes do final da campanha, que também é algo que me parece excluído da forma como conduzes os teus jogos de M&M) parece-me que isso pode ser reproduzido em PTA ajustando Cor, Situação e Stakes aos teus gostos; 3) se vais acertar no teu nemesis ou não, aqui também não sabes... até quem tem controlo da narração (ou o Produtor, ou quem ganhou o conflito se estivermos nessa fase) decidir isso mesmo, eh eh. ;)

E dito isto, obviamente estarás a referir-te a problemas que existem de facto e que não são só produto da tua imaginação. Tal como eu sinto terrivelmente a falta do PTA quando jogo noutros sistemas, acredito perfeitamente que alguém com outros gostos sinta a falta de "algo" quando joga PTA.

[quote=Rui]Depois disso, andei a investigar outros jogos deste género (Dogs in the Vineyard, My Life With Master...), e pareceram-me todos do mesmo. O jogador perde essa designação, passa ele também a ser narrador, e o GM perde um pouco o seu lugar de Mestre de Jogo, passando a ser Moderador da Narrativa. Se calhar ainda estou mal habituado a estas coisas, se calhar a Revolução anunciada desde os anos 80 não seja assim tão revolução e mais Movimento Paralelo. O que interessa para este ponto é: para já, o tal tipo de jogo Narrativo não é para mim.[/quote]

Não confundas meras mecânicas de partilha de narração (que eu, por exemplo, acho que é das melhores inovações trazidas aos RPGs, mas é tudo uma questão de gostos, claro) com jogos Narrativistas. Não têm nada a ver (excepto estar na moda usar este tipo de mecânicas para todo o tipo de jogos indie, que são na sua maioria narrativistas). Tens jogos Gamist e Simulacionistas com partilha de narração, tal como tens jogos Narrativistas com mecânicas de resolução perfeitamente tradicionais (atributos, skills, etc.)... o Sorcerer é um exemplo, tal como o próprio DitV (tenho quase a certeza que  não inclui, como dizes, narração dos jogadores no seu sistema de resolução).

Não, o que caracteriza um jogo narrativista é as mecânicas/setting/conselhos de utilização por si só suportarem e criarem dilemas e decisões difíceis: no PTA isso é da conta dos Issues (quanto lhes dás em cima, é provável que origines uma decisão difícil... e todo o jogo é só sobre dar em cima dos Issues), no Sorcerer é da conta da mecânica da Humanidade, no Dogs in the Vineyard é da conta da mecânica "Cala o bico ou põe a tua vida onde tens a boca" de resolução de conflitos (mas também do processo de preparação para as sessões), etc.

De resto, não é propriamente uma revolução. É um tipo de jogo que está lá (tal como o G e o S) desde que o hobby ganhou uma identidade própria e o qual alguns jogos antigos suportavam e estimulavam... um dos jogos que fez alguma gente importante jogar consistentemente este tipo de coisa foi algo tão prosaico como um Champions 2a Edição (um dos primeiros, ou mesmo o primeiro, e mais conhecidos RPG de Supers), antes de os autores do sistema lhe irem aos poucos desviando o ênfase para outras paragens. O que é revolucionário é que hoje em dia muitos jogos são criados de raiz para suportar este tipo de jogo, abandonando todos os preceitos e dogmas que se mantiveram durante décadas (como aquele de que todos os RPGs têm, "obviamente", de ter na sua base atributos, skills e talvez alguns poderes/feats/whatever). Nunca antes houve uma variedade tão grande de designs!


PS - Nada disto (neste post ou no anterior) se destina a invalidar ou refutar as tuas opiniões e observações. Apenas a oferecer algum contexto e clarificações. Já se sabe... gostos não se discutem! ;)

[quote=Rui]No dia anterior não tinha percebido muito bem as diferenças na teoria GNS (gaming, narrative, simulation, ou algo do género), mas agora que já tive uma amostra de um jogo narrative, bem posso dizer que do que vi até agora, não é para mim. Ficou a promessa de outras sessões para tirar as teimas.

E não é para mim porquê?

Porque eu como jogador não gosto de saber onde a historia vai parar, gosto de andar à descoberta, de me assustar com os monstros, de não saber se vou ou não acertar no meu nemesis. Esta coisa de partilhar a história com o GM, por enquanto, não me aqueceu o suficiente. Ou, para usar uma analogia da noite anterior, não é a montanha russa que estava à espera, antes as favas para o meu gelado de chocolate. [/quote]

Engraçado, eu tenho exactamente o mesmo problema com o PTA (dá tanto poder aos jogadores de criarem as cenas que tira o entusiasmo de descobrir o desconhecido), mas acho que isso tem a ver com as regras, não com o narrativismo. Tu podes fazer narrativismo com um GM e regras "à moda antiga", desde que haja um foco na história e que os jogadores tomem verdadeiras decisões sobre o destino dos personagens (ou seja, nada de aventuras com um final pré-definido).

Há malta (talvez o Ricmadeira) que te diria que os jogos tradicionais centram demasiado o poder de decisão no GM, e não dão muita abertura aos jogadores para ir exactamente por onde querem. Concordo. Mas estou disposto a ceder poder de decisão para ganhar em descoberta do desconhecido :)

JP

[quote=ricmadeira]1) como a história é criada na hora, nasce à vez de várias cabecinhas pensadoras, e é alterada radicalmente (ao contrário de um jogo tradicional) por cada lançamento de dados/cartas, ninguém ali faz puto de ideia sobre o que raio vai acontecer a seguir[/quote]

É verdade, mas acho que o problema é que os jogadores em PTA sabem exactamente, ou decidem na hora, as motivações dos NPCs e os seus segredos obscuros. Em vez daqueles momentos em que se descobre que o sacana-mor anda a lixar a vida à irmã do PC desde há 4 sessões, o PC decide na hora que é isso que o sacana-mor anda a fazer, e foca-se em como vai reagir. Para mim essa reacção tem menos impacto, em termos emocionais, para o jogador...

... Será que é disso que o Rui está a falar?

JP

[quote=jpn]É verdade, mas acho que o problema é que os jogadores em PTA sabem exactamente, ou decidem na hora, as motivações dos NPCs e os seus segredos obscuros. Em vez daqueles momentos em que se descobre que o sacana-mor anda a lixar a vida à irmã do PC desde há 4 sessões, o PC decide na hora que é isso que o sacana-mor anda a fazer, e foca-se em como vai reagir. Para mim essa reacção tem menos impacto, em termos emocionais, para o jogador...

... Será que é disso que o Rui está a falar?[/quote]

Talvez, talvez. Mas isso depende do gosto de cada jogador; tens o poder (que está muuuito longe de ser absoluto... lembra-te que quem controla NPCs e Setting durante todas as cenas de todos os episódios é o GM) de fazer o que dizes, e narrar (se o conflito se prestar a isso e se tu ganhares a Narração) ou criar um Next Week On em que explicas a motivação de um NPC ou resolves um mistério. Mas ninguém te obriga a isso; e se não gostas disso porque hás-de o fazer?

Se o GM quiser planear fios de trama a longo-prazo, pode perfeitamente fazê-lo. Como Produtor faço-o regularmente. Arranjo uma ideia fabulosa para bangar o pessoal (normalmente é a Raquel, eheh) , e depois penso cá para mim... hmm, isto ia resultar muito melhor se tivesse um ou dois ou três episódios para preparar o terreno, lançar uns hints, e aumentar exponencialmente os dividendos emocionais da situação.

Não digo que não corro o risco de que um jogador arrange um NWO ou narre algo que me fruste os planos, mas na prática isso nunca me aconteceu! O que tem acontecido é que às vezes alguém se lembra de algo que me dá ainda mais material explosivo que posso adaptar e juntar à bomba-relógio que ando a guardar para explodir com maximum prejudice. Ou então às vezes, sim, vejo que um jogador está prestes a fazer algo que me dá mesmo cabo de um excelente bang sem o substituir por algo tão bom ou melhor; nessa altura é tão fácil como simplesmente usar o poder que as regras dão a toda a gente à mesa e sugerir ao jogador em causa: "epá, eu tenho algo muito bom planeado que fica invalidado se fizeres X+Y... achas que podes fazer X+Z em vez disso?" Ou, então, como ainda ontem aconteceu, um jogador tinha um conflito à volta de outra coisa em que estaria perfeitamente para narrar (se por acaso ganhasse a narração) que levava dali para fora os reféns que eu queria guardar para lixar muito a vida aos PCs mais à frente... o que fiz foi simplesmente incluir nas stakes que os reféns ficavam ali quer ele ganhasse o conflito ou não.

De resto, se estás realmente a aproveitar o tempo para lançar os hints e os alicerces do teu bang futuro, os jogadores são obrigados a construir por cima desses hints e alicerces... não podem simplesmente riscar das actas o que já fizeste e começar do nada.

Na prática, é perfeitamente possível ir criando um mistério/situação de longo prazo e o GM reter controlo sobre ele durante tempo suficiente para surpreender com ele os jogadores e ter o efeito máximo. Exemplo prático na minha primeira campanha (como Produtor) de PTA ever: em Dirtside 1 a ideia de que o Van Meyer e parte dos Serviços Secretos estavam por detrás de alguns dos piores atentados da Rebelião surgiu-me ainda nem sequer o episódio piloto tinha começado... lembras-te, no final desse episódio, de quem foi "forçado" a matar  o traidor que estavam a tentar capturar (impedindo-o assim de ser interrogado sobre os seus chefes)? Van Mayer, yep. E no entanto essa revelação (de que ele andava a planear atentados e a culpar os Rebeldes) só surgiu muitos episódios mais para a frente, quando o Paulo abandonou os Rebeldes e o Van Mayer e a Senadora lhe fizeram uma proposta de "trabalho".

Pois aqui acho que o jpn me percebeu.

Repara no seguinte: tu preparas um grande plot twist durante 5 sessões, deixando hints aqui e ali; o que impede um jogador que ganhe o conflicto e a narração de dizer: agora vamos descobrir a pista que une estes hints?

E agora vê isto, que me aconteceu há coisa de 2 anos, durante a minha campanha de MnM:

A campanha baseava-se à volta de uma equipa à moda do BPRD de Hellboy, onde os personagens tinham "abiildades", em vez de poderes. Numa das sessões o objectivo era guardar um famoso gangster que ia depor contra outro gangster, e sabia-se ser alvo de um assassino profissional. Um dos meus jogadores tinha um personagem com poderes mentais, e a sua namorada jogava também no jogo. O jogador passou umas boas 3 ou 4 sessões a lançar, in character, imagens sexuais à namorada, que se fartou e fez queixa dele, in character. Eu, como GM, pus o gajo a fazer trabalho de secretária, durante uma sessão, o que resultou depois no seu rapto pelo tal assassino e consequente execução, enquanto os outros ouviam.

Não me parece que este tipo de situação possa ser bem gerida em jogos como o PTA; não estou a apontar o dedo ou a criticar o PTA, apenas a dizer que, à luz do que aqui foi escrito, o PTA não gere bem este tipo de coisas. Para isso é muito melhor um jogo onde seja alguém com mais informação a decidir isso.

Para fazer o que se propõe, ser um jogo narrativo, julgo que o PTA está muito bem; apenas esse tipo de jogo não é para mim.

Queria dar os parabéns ao Rui por prontamente experimentar coisas novas e vir aqui dar a sua opinião.

O nosso PTA-master :) ricmadeira já disse o que eu ia dizer sobre Narrativismo, se bem que eu queria separar bem as águas e frisar que o GNS não é pr'aqui chamado, não estamos a falar da motivação que leva cada um a fazer parte de um RPG, estamos a falar de PTA em especial e dos jogos "indie" em geral.

Do que me parece, este jogos têm alguns pontos em comum:

1 - Deixam para trás qualquer preconceito sobre o que é que um jogo de roleplay é suposto ser (a palavra RPG não aparece uma única vez em PTA). Exemplos de preconceitos são: em cada sessão recebem-se XPs, uma personagem pode morrer se ficar sem pontos de vida, o mestre-jogo controla toda a história, as regras têem que permitir todo o tipo de situações possíveis, etc.

2 - Definem não só regras, ambiente e personagens, mas principalmente dizem directamente o que é que querem que se passe na sessão e concentram todos os recursos nesse sentido. No caso de PTA, a ideia é criar uma divertida série de televisão e tudo o resto - desde criação de personagem até à própria sequência da sessão - é posto ao serviço desse propósito.  

3 - Não pretendem ser mais do que aquilo que são, não tentam fazer aquilo que outros jogos já fazem. Nenhum jogo "indie" se proclama como "the last RPG you'll ever need". Temos o caso de PTA que não pretende descrever em pormenor as características de cada personagem - para isso talvez seja melhor procurar outro jogo.

De facto, o que se destaca nestes jogos é a maneira como se focam num núcleo próprio auto-definido. Isto talvez possa parecer limitado para quem está habituado a RPGs que tentam ser o mais generalistas possíveis e em que não existe bem um propósito estabelecido, não ao ponto de ser completamente transversal ao longo do jogo.

Além disso, de facto, os jogos "indie" têem tendência para fazer um uso mais alargado dos diversos stances (pawn, actor, author e director) o que resulta do primeiro ponto em que não vêem a existência de um mestre-jogo como definida à partida.

Sobre a teoria, já tenho pensado escrever algumas coisas no meu blog, acho que seria útil traduzir algumas ideias dA Forja de forma a que toda a gente perceba e discuta, mas não sei se sou "qualified" :)

Império RPG

Yellow, :)

Tenho imensas coisas a dizer acerca disto, mas tenho algum receio de que, se o fizer, possa começar a parecer argumentativo. Por isso, pergunto directamente ao Rui:

Queres a minha opinião específica acerca deste teu tópico em particular?

(Nota: isto não é baiting. Quero mesmo saber se estás disposto a discutir estes ponto em detalhe.)

Cheers,
J.

Claro que sim, João!

Quando pus aí isso, sempre pensei que fosses o primeiro a responder. ;)

[quote=ricmadeira][quote=jpn]É verdade, mas acho que o problema é que os jogadores em PTA sabem exactamente, ou decidem na hora, as motivações dos NPCs e os seus segredos obscuros. Em vez daqueles momentos em que se descobre que o sacana-mor anda a lixar a vida à irmã do PC desde há 4 sessões, o PC decide na hora que é isso que o sacana-mor anda a fazer, e foca-se em como vai reagir. Para mim essa reacção tem menos impacto, em termos emocionais, para o jogador…

… Será que é disso que o Rui está a falar? [/quote]

Talvez, talvez. Mas isso depende do gosto de cada jogador; tens o poder (que está muuuito longe de ser absoluto… lembra-te que quem controla NPCs e Setting durante todas as cenas de todos os episódios é o GM) de fazer o que dizes, e narrar (se o conflito se prestar a isso e se tu ganhares a Narração) ou criar um Next Week On em que explicas a motivação de um NPC ou resolves um mistério. Mas ninguém te obriga a isso; e se não gostas disso porque hás-de o fazer?

Se o GM quiser planear fios de trama a longo-prazo, pode perfeitamente fazê-lo. Como Produtor faço-o regularmente. Arranjo uma ideia fabulosa para bangar o pessoal (normalmente é a Raquel, eheh) , e depois penso cá para mim… hmm, isto ia resultar muito melhor se tivesse um ou dois ou três episódios para preparar o terreno, lançar uns hints, e aumentar exponencialmente os dividendos emocionais da situação.[/quote]

Sim, o GM pode fazer isso em PTA, da mesma forma que um jogo "tradicional" pode ser modificado para os jogadores chamarem cenas à vez. No entanto, não é assim que o PTA funciona melhor (aquela história toda do "system does matter" :).

Aliás, em PTA se um jogador fica à espera que o GM desenvolva o plot apanha provavelmente uma grande seca.

JP

PS: já conheces a minha táctica em PTA: não gosto de desenvolver o plot do meu personagem e não quero apanhar seca à espera que o GM o desenvolva, por isso desenvolvo o plot da Raquel :slight_smile:

[quote="Rick Danger"]3 - Não pretendem ser mais do que aquilo que são, não tentam fazer aquilo que outros jogos já fazem. Nenhum jogo "indie" se proclama como "the last RPG you'll ever need". Temos o caso de PTA que não pretende descrever em pormenor as características de cada personagem - para isso talvez seja melhor procurar outro jogo.[/quote]

Às vezes os jogos indie parecem-me *demasiado* focados, ao ponto de serem limitantes. Já tive um grupo de PTA que adorou, sacou as técnicas favoritas para usar noutros jogos, e abandonou-o prontamente - consideraram o PTA mais um método de aprendizagem do que um RPG, ou seja, útil para aprenderem uns truques novos mas sem substituir os RPGs tradicionais. A folha de personagem minimalista era uma das queixas, porque podias desenvolver o personagem como quisesses mas isso não tinha impacte no jogo (ou seja, não dava pontos às acções).

Ainda não sei se concordo com a crítica (para mim o PTA é complexo o suficiente para manter pelo menos uma season), mas já a vi feita em muitos sítios, o último dos quais na Forge (naquela discussão em que o Ron Edwards diz que um certo grupo de jogadores de RPGs tradicionais são mentalmente incapacitados) onde muitos jogos inspirados na Forge eram descritos como "muletas" para ajudar os jogadores a entenderem conceitos novos.

A única opinião que tenho sobre isto é que ainda não vi um jogo "indie" que não me farte ao fim de algumas sessões por causa do simplismo, excepto o HeroQuest, o que talvez apoie a ideia de que eles são desenhados mais como provas de conceito do que como jogos fortes. Quem sabe vem aí uma geração nova de jogos mais generalistas feitos pela malta inspirada nos jogos da Forge - estou a pensar especificamente no QuestWorlds :).

JP

PS: o "Project Senate" do JMendes

Não podia concordar mais com tudo o que dizes, tirando o aspecto de que o Heroquest NÃO é um jogo indie nem tem nada a ver com a Forge com a excepção de que o Ron o considerou um bom jogo e resolveu aproximá-lo desta de todas as formas possíveis e imaginárias.

[quote=jpn]muitos jogos inspirados na Forge eram descritos como "muletas" para ajudar os jogadores a entenderem conceitos novos.[/quote]

A analogia original não era (é?) isso. Nela um jogador é uma pessoa sem um membro, os jogos indie e os tradicionais são ambos tipos diferentes de próteses, e o caminhar é "interacção social criativa".

[quote="B0rg"]Não podia concordar mais com tudo o que dizes, tirando o aspecto de que o Heroquest NÃO é um jogo indie nem tem nada a ver com a Forge com a excepção de que o Ron o considerou um bom jogo e resolveu aproximá-lo desta de todas as formas possíveis e imaginárias.[/quote]

Chamo-lhe "indie inspired" e não falamos mais nisso, que tal? ;)

Chamei-lhe "indie" porque há a percepção de ser independente na comunidade que usa e promove estes jogos, mas sim, o HQ é de uma companhia tradicional e lança carradas de suplementos. E tem regras bastante "mainstream" quando comparado com jogos da Forge.

Mas as regras do HQ são suficientemente diferentes para o jogo não poder ser considerado "tradicional". Por exemplo: a cena do "inventa os teus próprios skills e usa-os sempre que conseguires convencer o GM", que permite ter quase todo o tipo de características pessoais a influenciar directamente o jogo.

JP

[quote=jpn]JP

PS: o "Project Senate" do JMendes

[/quote]

Ooops esqueci-me de completar isto. O "Project Senate" do JMendes parece-me um exemplo de um tipo de jogo diferente, que realmente se foca num assunto raramente coberto por regras de RPG (só me lembro do Aria) mas que é realmente muito vasto.

O que aconteceu à opção "editar"?

JP

[quote="Ricmadeira"][quote="jpn"]muitos jogos inspirados na Forge eram descritos como "muletas" para ajudar os jogadores a entenderem conceitos novos.[/quote]

 

A analogia original não era (é?) isso. Nela um jogador é uma pessoa sem um membro, os jogos indie e os tradicionais são ambos tipos diferentes de próteses, e o caminhar é "interacção social criativa".[/quote]

Não eram os jogos tradicionais, eram alguns como o Vampire. E nesse post os jogos da Forge são descritos como proteses para ajudar jogadores de RPGs, sem "membros" capazes de realizar a tal "interacção social criativa", a aprenderem a fazê-lo. Ou seja, mais ou menos o meu ponto.

A parte relevante do post:

[quote="Ron Edwards"]Julie (jrs) told me about a guy she saw walking along with a lower-leg prosthetic that didn’t look like a leg at all - a flat, s-curved sheet of metal, if I understood her correctly. The guy strode along with his head, shoulders, posture, all in sync, just like a person with legs.

I consider Sorcerer to be like that kind of prosthetic … but to use it, you have to abandon the idea that a prosthetic is supposed to resemble the missing limb parts. You have to throw away a whole bunch of stuff that you’ve learned by pure indoctrination, not analysis, "is" the way limbs work. Going to the topic rather than the analogy, we’re talking about recognizing that role-playing is a Big Model phenomenon, not some "talk and roll and see what happens" fetish ritual. Hero Wars is just like Sorcerer in this regard. The Pool would be another interesting example, "shaped differently" from the other two, if you will.

Here’s another application of the analogy … years ago, I saw a phenomenal hard-style martial arts demonstration by a guy with one leg and one arm, using a crutch. Since the developed martial arts are based on a series of physical principles, a knowledgeable viewer watching this guy could (and did) say, "That’s it!" Meaning, the movements were obviously different, but the principles he was using were exactly the same as the baseline art.

In other words, it wasn’t, "crippled guy tries so hard, awww, isn’t that sweet, give him a black belt." It was, holy shit, not only is this guy really good, but his mentor and the art itself are clearly validated by this application, in terms of the principles being employed and someone’s understanding of them, rather than just memorizing coded moves for fully-limbed people. This was martial arts.

That’s Dust Devils, Universalis, My Life with Master, and InSpectres. All of which I consider to be the collective gateway beyond which the past two years of creative explosion have occurred. Without that door, no Trollbabe, no Lacuna, no Polaris, no Primetime Adventures, no Breaking the Ice, and no Shadow of Yesterday. (I’m failing to include about twenty other titles; you all know who you are, so consider yourselves mentioned. Not all of you are active at the Forge.) Note that I consider all of this explosion to be equivalent to the martial arts stuff performed by the man with only two limbs.

[As some of you know, I am now embarked on an ambitious project based on the idea that we "have limbs" after all, and wondering what the principles underlying the bevy of fantastic new RPGs (and RPG-ish things) would be like, expressed by and for people without the damage. I consider this utter terra incognita, culturally, creatively, and commercially. It cannot and will not have any kind of relevance for gamer culture or commerce. As a survivor of the damage, I may fail miserably. But this topic is not relevant to the present point.][/quote]

[quote=B0rg]o Heroquest NÃO é um jogo indie nem tem nada a ver com a Forge[/quote]

Pela definição *é* um jogo indie. O criador de Glorantha é o dono da companhia, e ninguém lhe pode impingir algo que ele não queira, ten do controlo final sobre tudo: setting, regras, suplementos, ficção, etc.

O que não torna a segunda parte da frase mentira, claro.

[quote=jpn]E nesse post os jogos da Forge são descritos como proteses para ajudar jogadores de RPGs, sem "membros" capazes de realizar a tal "interacção social criativa", a aprenderem a fazê-lo. Ou seja, mais ou menos o meu ponto.[/quote]

Não, man, as próteses não te ensinam a caminhar. Elas *fazem-te* caminhar mesmo não tendo membros. Elas permitem-te fazer artes marciais com dois membros que não são imitações de artes marciais com quatro membros, são artes novas que usam os princípios da mesma Física mas em movimentos necessariamente diferentes.

Eu, pelo menos, não vejo nada de aprender ou ensinar na analogia. Apenas *fazer*. E o teu ponto, fazia das próteses meras rodinhas de treino para aprender a andar de bicicleta bem que se podiam depois descartar. Aceito que seja essa a tua opinião; só não concordo com a parte em que a atribuis a outras pessoas. Vale?

[quote="Ricmadeira"]Não, man, as próteses não te ensinam a caminhar. Elas *fazem-te* caminhar mesmo não tendo membros. Elas permitem-te fazer artes marciais com dois membros que não são imitações de artes marciais com quatro membros, são artes novas que usam os princípios da mesma Física mas em movimentos necessariamente diferentes.

Eu, pelo menos, não vejo nada de aprender ou ensinar na analogia. Apenas *fazer*. E o teu ponto, fazia das próteses meras rodinhas de treino para aprender a andar de bicicleta bem que se podiam depois descartar. Aceito que seja essa a tua opinião; só não concordo com a parte em que a atribuis a outras pessoas. Vale?[/quote]

Vale. Eu acho que não percebeste bem a ideia do post original por causa deste detalhe:

[quote="Ron Edwards"]That's Dust Devils, Universalis, My Life with Master, and InSpectres. All of which I consider to be the collective gateway beyond which the past two years of creative explosion have occurred. Without that door, no Trollbabe, no Lacuna, no Polaris, no Primetime Adventures, no Breaking the Ice, and no Shadow of Yesterday.[/quote]

Para mim, o que ele está a dizer é que os quatro primeiros jogos são as próteses que permitiram jogar os seis últimos. Usam-se as rodinhas de treino (tuas palavras) no My Life with Master para permitir aprender os movimentos com que se joga o PrimeTime Adventures. E assim sucessivamente até aos novos jogos para os Fully Limbed que ele refere no fim.

Como deves imaginar, acho imbecil discutir isto em mais detalhe. Até porque achei aquele post do Ron Edwards particularmente irritante e odeio estar a promovê-lo.

JP