Tenho estado a ler o Everway, do Jonathan Tweet, recheado de excelentes conselhos para Gm e jogadores sobre como jogar aquele jogo, que é algo que já aqui se discutiu.
No entanto, espalhados pelo livro nos milhentos conselhos, estão também advertências para que os jogadores não escolham este ou aquele poder, sob pena de isso estragar o plot. E isto é algo que se espalha por milhentos livros e sites: “se o jogador escolher o poder A, que pode estragar o plot, o que deves fazer é X”.
Vários jogos têm também toneladas de exemplos sobre como fazer aventuras, sessões, campanhas, que são basicamente o GM a inventar coisas para que os jogadores as descubram; existem conselhos para que sejam previstas as reacções dos jogadores, conselhos para que o plot volte a entrar nos eixos caso os jogadores vão por outro caminho, e conselhos para o que se deve fazer para adaptar o plot aos jogadores. É a mente dos jogadores contra a mente do GM, e ai do jogador que saia deste caminho, que vai estragar a preciosa história que o GM tem para contar.
Ainda no outro dia, a jogar My Life With Master, um dos jogadores, narrando uma cena de Horror que, segundo as regras, deveria ser ele a narrar, virou-se para mim e disse: “espero não estar a abusar das descrições”. Isto mostra um agarrar a um tipo de jogo onde a única pessoa que pode narrar o que está a acontecer é o GM.
Desde a altura em que o João Mendes publicou o seu Mamã, Dá Licensa?, que tem havido discussões acesas aqui no burgo, e uma dessas discussões é precisamente sobre divisões de poder e competições ferozes à mesa de jogo por esse poder.
Não quero aqui chamar demasiado a publicação do João; quem quiser, pode ir ler o reler como lhe der na telha; o que quero aqui apontar é a falácia que existe na mente das pessoas que acham que não existe competição à mesa entre jogadores e GM.
Essa competição existe, no formato de o jogador descobrir o que o GM lhe põe à frente, e a recompensa é a história final; em alguns casos, a recompensa também pode ser na forma de XP, quando o GM decide que o que o jogador fez durante a sessão está bem feito. O que é suposto ser um jogo colaborativo para contar uma história, acaba por ser, sempre e sem excepção, uma batalha de mentes, sempre tentando agradar à figura central que é o GM.
O reverso disto é quando um jogador chega à mesa de jogo e diz: “ok GM, tens aí a tua aventura, agora diverte-me”, o que é igualmente bera: continua a não haver nenhum esforço colaborativo, e o jogador continua a ser pouco mais que espectador com participação activa na história do GM.
Esta batalha existe. Não é algo que seja errado por si; não é haver esta competição que é errado, se fosse as pessoas não se divertiam tanto, e pelo amor de deus, se se divertem, caguem em tudo o que escrevo e continuem a divertir-se como até agora; o que é errado é as pessoas não se aperceberem dela e continuarem como se nada fosse.
Como em tudo, se vos aprouver, discutam.