Em primeiro lugar gostava de esclarecer que só vim aqui comentar porque me foi expressamente solicitado pelo autor desta entrada, que me garantiu que eu não era de modo algum forçado a comentar teoria da Forge para exprimir a minha opinião sobre este tema (que, aliás, foi abordado levemente pelo Red Piss Legion no meu ‘thread’ de má memória ‘Role-play e Tolerância’). A promessa de não voltar a deitar postas de pescada nesse ‘site’ remotamente ligadas à teoria da Forge mantém-se inquebrável. Quanto à interpretação, sinceramente já me custa falar das minhas experiências pessoais porque, ao longo dos últimos anos, tenho sido quase exclusivamente mestre de jogo. Além disso, nunca joguei os jogos que o RPL menciona. Dos jogos não-tradicionais (lamento estar a usar a expressão RPL, já sei que não gostas, mas não sei como lhes chamar…) só tive uma breve experiência com Sorcerer e acho que nem o próprio mestre de jogo iria considerá-la válida, visto que foi a sua primeira abordagem do jogo. No entanto, isto não significa que não tenha uma opinião muito forte sobre o que deve ser a interpretação num jogo de personagem (deve ser, bem entendido, não “tem de ser”, é apenas a minha opinião). Para explicar o meu ponto de vista, vou excluir quaisquer termos que remetam para a teoria (seja da Forge, seja outra qualquer). A minha opinião é que – dentro de certos limites – o jogador deve SER o personagem. Qualquer intervenção do jogador na criação de história elimina (no meu entender) a ligação estreita que deve existir entre o jogador e o seu personagem. Isto não significa que eu defenda que o jogador não pode intervir de maneira alguma na criação de história. Uma sugestão, seja durante a própria sessão, em privado com o mestre de jogo, ou publicamente, junto aos restantes jogadores, um papel passado secretamente ao mestre de jogo, ou qualquer outra maneira informal de empurrar a história numa determinada direcção é, na minha opinião, não só válida, mas também benéfica. Da mesma maneira, uma descrição errónea de uma situação (seja por lapso ou ignorância) por parte do mestre de jogo pode perfeitamente ser corrigida por um jogador sem quebrar a ilusão. Até mesmo as anedotas, conversas paralelas, pausas para café, whatever – dentro dos limites do razoável – são inócuas no que à manutenção da ilusão do mundo de jogo diz respeito. Voltando ao que é importante para a interpretação. A preparação… Qualquer actor que se preze prepara o seu personagem. Obviamente um RPG é um hobby, não uma profissão, todos temos mais que fazer do que passar dias, semanas ou meses a preparar e estudar um personagem. Porém, há um mínimo que se exige, caso se queira encarar o personagem com seriedade. Uma descrição mais ou menos completa (dependendo do género de jogo) dos seus gostos, interesses, uma breve história pessoal, o seu círculo de amigos, o ambiente que o rodeia, são tudo elementos que podem ajudar não só o jogador a encarnar o personagem, como o mestre de jogo a apoiar-se para que a história não apenas dele, mas de todos os que integram grupo. Falar na primeira pessoa em jogo é, para mim, crucial, na maioria das situações. Excluindo pequenas cenas rotineiras de apanhar um táxi ou arrumar a casa (nas ocasiões em que estas cenas são realmente rotineiras, como é óbvio) não me agrada a tendência para recorrer à terceira pessoa do singular. Ao referir-me ao meu personagem como “Ele” estou imediatamente a afastar-me dele, a considerá-lo um mero instrumento na construção da história e não como o motivo que me trouxe à sessão de jogo. Sim porque, não restem dúvidas, nas raras vezes em que eu jogo, o que me move é, em parte, descobrir o que é o diabólico mestre de jogo preparou, mas, acima de tudo, encarnar um personagem e tentar, na medida do possível, experimentar as suas acções, conhecer o mundo de jogo através dos seus olhos. Sem isto, não me interessa jogar um jogo. Não me interessa jogar uma longa e interminável série de combates, assim como não me interessa jogar uma longa e interminável sucessão de escolhas dramáticas e ‘twists’ telenovelísticos off-character. Interessa-me, repito uma vez mais, encarnar o personagem. Uma outra coisa - já sei que controversa - é que considero que é útil o jogador fazer personagens com os quais se sinta confortável, para que não tenha de recorrer constantemente aos dados para concretizar actividades sociais. Naturalmente que as actividades físicas – sendo o combate a mais emblemática – não existem para ser encarnadas pessoalmente e, para a sua resolução, existem as mecânicas. Mas quando se trata de conflito (ou mera interacção) social, julgo que a intervenção dos dados e mecânicas cria uma barreira entre o jogador e o seu personagem e deve ser utilizada como completamento, não como forma única de resolução. Se eu não sou um tipo dinâmico e carismático e se eu acho que não consigo sequer (no meio de um grupo restrito de pessoas) interpretar um tipo dinâmico e carismático, o melhor é ficar-me por personagens que não possuam estas características. Alguns dos personagens que mais gostei de jogar, um ex-jornalista cínico e alcoólico (e a determinada altura completamente louco) em Kult e um Toreador diletante, anacrónico (e inspirado em vários personagens do Eça de Queirós) no antigo Vampire, foram construídos tendo como base os meus gostos, os meus interesses, pormenores da minha própria vida, experiências pessoais. Por outro lado, seria ridículo defender que seja forçoso impor sempre este princípio. Em determinados jogos eu serei forçado a jogar algo totalmente diferente daquilo que eu sou, com experiências totalmente diferentes das minhas (exemplo: Vampire). Nunca tendo estado mortos, os jogadores podem basear-se em arquétipos, na ficção, na literatura, no cinema, para ajudar a compor um personagem que, à partida, parece (e realmente é) mais complexo de encarnar do que muitos outros. Outros personagens que me encheram as medidas, um ‘barman’ psiónico, totalmente ‘blasé’ na aparência, mas envolvido em inúmeros esquemas para ajudar quem quer que lhe pedisse auxílio (inspirado no Rick Blane do Casablanca) e um revolucionário desiludido e deprimido (para o qual foi buscar algumas características do Coronel Kurtz no Apocalipse Now) não eram tão próximos de mim. Recorri à inspiração na ficção e (acho) que resultaram. Assim, se sinto que é absolutamente necessário escolher um engenheiro ou um cientista numa determinada campanha eu, que sou um nabo em todas as ciências exactas, vou ter de contar com a compreensão do mestre de jogo para recorrer aos dados e mecânicas para resolver problemas mais vezes do que o habitual. De qualquer forma, creio que não me atreveria a interpretar um personagem desse género em algum tipo de jogo senão Pulp… Bom, tentei não me desviar do tópico, sem referir conceitos de teoria, mas dando exemplos práticos. Espero que isto tenha feito algum sentido.