Alfredo tem o seu grupo de rpg com que joga há pelo menos 15 anos; começou, como muita gente, pela Caixa Vermelha, e algumas das pessoas que jogam com ele também; foram mudando de jogo entretanto, porque o D&D era para putos e o que interessava era o mais avançado AD&D, e agora saiu o D&D 3.x e estão todos contentes a jogá-lo. Pelo meio, vão comprando e experimentando outros jogos, e às vezes até trocam de GM e tudo, para dar descanso aos fluídos criativos do pobre Alfredo.
E todos eles têm algo em comum que partilham e acham excelente, que é encher os jogos de house-rules. Compram um jogo, olham para as regras e para o setting, escolhem, às vezes conscientemente, o que está bem e o que está mal, rasuram tudo e ficam com a sua versão do jogo. Divertem-se às mil maravilhas, e têm brilhantes sessões. A sua última campanha dura já uns bons 4 anos, e não dá mostras de parar!
Isto só pode ser bom, certo?
Não. Errado.
Porque o que o grupo do Alfredo está a fazer, eliminar regras que não lhes interessa, não é jogar o jogo A ou B, é jogar da maneira deles. Eles criaram uma maneira de jogar muito própria, e qualquer pessoa que lá entre não sei vai sentir bem. Seja porque as regras do jogo que essa nova pessoa conhece estão todas trocadas, seja porque a maneira de jogar é muito mais a puxar à interpretação teatral do que outra coisa, a maneira de jogar deste grupo entra em conflicto directo com a maneira de jogar na nova pessoa no grupo.
Este é um mal genérico da maioria dos jogos, e dos grupos também, infelizmente.
Porque o jogo quando é comprado, na sua maior parte, não ensina como se joga; tenta mostrar o que é um roleplay, muitas vezes falhando redondamente, e depois o resto da malta que se desenrasque. Isto é um erro em grande parte dos jogos disponíveis comercialmente, o que leva à criação de maus hábitos com um jogo, que depois passam para outro, mas a maneira de jogar não muda porque o novo jogo também não ensina como se deve jogá-lo, e devia: isto é jogar mal. É uma falha tanto do designer do jogo, como dos jogadores, onde incluo o GM, porque não sabem dissociar-se da maneira confortável como jogam há anos.
Vezes demais eu encontrei gente que dizia que alterava regras porque não gostava delas. Gente, as regras estão lá precisamente porque o designer quer mostrar-vos como se joga o jogo dele, mesmo que falhe porque não o mostra vezes suficientes. Não se ponham a alterar regras ou settings; joguem o jogo tal como vem escrito: isto é jogar bem. Se há uma regra que está mal explicada, ou se há uma vontade da vossa parte em alterar algo, vão aos foruns de discussão: conversem com outras pessoas, tentem chegar ao designer do jogo, para perceberem como se joga esse jogo.
Vou dar dois exemplos de jogar mal, discutam-nos ou acrescentem outros se quiserem, desde que a discussão seja educada.
D&D 3.x: neste jogo, joga-se para ganhar, só. Ganha-se XP, que é convertido em níveis, que permitem o acesso a feats, mais hit points, mais spells, mais bónus para acertar, etc. D&D permite uma carrada de estilos de jogo diferentes, política, guerra, dungeon bashing, mas no fim o jogo é apenas e exclusivamente sobre ganhar XP. Um encontro em D&D tem uma dada dificuldade, a que corresponde um certo ganho de XP; se um encontro for um encontro político, por exemplo impressionar um nobre para obter favores, em vez de derrotar um inimigo, o GM tem que dar XP pelo sucesso na resolução desse encontro, o que vai corresponder à subida de nível, mais objectos, feitiços, hit points, etc. Jogar de outra maneira é jogar mal.
Exalted: o jogo tem uma mecânica que é demasiadas vezes ignorada, que é a das Virtudes; podem-se usar Virtudes para ter mais dados a uma acção, seja ela qual for; eu posso dizer: estou numa luta, vou canalizar Valor, gastar 1 de Willpower e ter mais 3 dados; ou ainda: vejo uma criancinha a ser espancada pelos Guardas Imperiais, vou canalizar Compaixão e ter mais dados para lutar. As Virtudes são uma medida da personalidade do personagem. O reverso, neste jogo, é o Limit Break, quando não se seguem as Virtudes. Quando este Limite rebenta, algo de terrível acontece ao personagem, mas o jogador recupera pontos de Willpower. Em 4 ou 5 anos que levo de Exalted nunca joguei assim; já consultei vários foruns, e encontrei carradas de malta a não usar esta mecânica. Estamos a jogar mal este jogo.
Há no entanto jogos que têm mecânicas tão contidas que é virtualmente impossível jogá-los mal. Vou dar um exemplo de um que me é muito querido pela experiência que me trouxe, e que é o My Life With Master (MLWM para abreviar).
Neste jogo o jogador tem que fazer aproximações aos seus contactos, pedindo cenas ao GM onde isso possa acontecer, como dar prendas a uma criança, apaixonar-se por um rapaz das cavalariças, dar festinhas a um cão, e o GM tem que fazer tudo o que lhe for possível para destruir esses contactos; não é necessário que o faça de uma maneira sádica, mas o jogo talvez tenha a ganhar com isso. Isto está explicado de maneira tão simples e tão explícita, que é impossível jogar de outra maneira. Jogar bem MLWM é fácil, e aconselho-o a toda a gente que jogue o mesmo jogo, ou com o mesmo GM, há vários anos. O vosso estilo de jogo pode não mudar depois disso, mas a vossa visão sobre o que é jogar bem e mal vai mudar de certeza.
Já mencionei aqui o facto de pessoas novas entrarem num grupo e darem-se mal, pelas experiências serem opostas. Isto aconteceu comigo. É muito mau olhar para uma pessoa que tem uma experiência diferente e dizer: este tipo joga mal. Isto é a pior coisa que se pode fazer. No entanto, faz-se, e se calhar diariamente, e acusamos sempre o outro de ser aquele que joga mal. Desculpem o moralismo fácil, mas encontro isto e hoje arrependo-me das coisas, e zango-me com as pessoas quando continuo a encontrar este tipo de comportamento.
Em conclusão: andamos a jogar mal rpg. Alterar regras não é bom, não comunicar sobre isso é pior ainda.