Joga-se muito mal rpg

Alfredo tem o seu grupo de rpg com que joga há pelo menos 15 anos; começou, como muita gente, pela Caixa Vermelha, e algumas das pessoas que jogam com ele também; foram mudando de jogo entretanto, porque o D&D era para putos e o que interessava era o mais avançado AD&D, e agora saiu o D&D 3.x e estão todos contentes a jogá-lo. Pelo meio, vão comprando e experimentando outros jogos, e às vezes até trocam de GM e tudo, para dar descanso aos fluídos criativos do pobre Alfredo.

E todos eles têm algo em comum que partilham e acham excelente, que é encher os jogos de house-rules. Compram um jogo, olham para as regras e para o setting, escolhem, às vezes conscientemente, o que está bem e o que está mal, rasuram tudo e ficam com a sua versão do jogo. Divertem-se às mil maravilhas, e têm brilhantes sessões. A sua última campanha dura já uns bons 4 anos, e não dá mostras de parar!

Isto só pode ser bom, certo?

Não. Errado.

Porque o que o grupo do Alfredo está a fazer, eliminar regras que não lhes interessa, não é jogar o jogo A ou B, é jogar da maneira deles. Eles criaram uma maneira de jogar muito própria, e qualquer pessoa que lá entre não sei vai sentir bem. Seja porque as regras do jogo que essa nova pessoa conhece estão todas trocadas, seja porque a maneira de jogar é muito mais a puxar à interpretação teatral do que outra coisa, a maneira de jogar deste grupo entra em conflicto directo com a maneira de jogar na nova pessoa no grupo.

Este é um mal genérico da maioria dos jogos, e dos grupos também, infelizmente.

Porque o jogo quando é comprado, na sua maior parte, não ensina como se joga; tenta mostrar o que é um roleplay, muitas vezes falhando redondamente, e depois o resto da malta que se desenrasque. Isto é um erro em grande parte dos jogos disponíveis comercialmente, o que leva à criação de maus hábitos com um jogo, que depois passam para outro, mas a maneira de jogar não muda porque o novo jogo também não ensina como se deve jogá-lo, e devia: isto é jogar mal. É uma falha tanto do designer do jogo, como dos jogadores, onde incluo o GM, porque não sabem dissociar-se da maneira confortável como jogam há anos.

Vezes demais eu encontrei gente que dizia que alterava regras porque não gostava delas. Gente, as regras estão lá precisamente porque o designer quer mostrar-vos como se joga o jogo dele, mesmo que falhe porque não o mostra vezes suficientes. Não se ponham a alterar regras ou settings; joguem o jogo tal como vem escrito: isto é jogar bem. Se há uma regra que está mal explicada, ou se há uma vontade da vossa parte em alterar algo, vão aos foruns de discussão: conversem com outras pessoas, tentem chegar ao designer do jogo, para perceberem como se joga esse jogo.

Vou dar dois exemplos de jogar mal, discutam-nos ou acrescentem outros se quiserem, desde que a discussão seja educada.

D&D 3.x: neste jogo, joga-se para ganhar, só. Ganha-se XP, que é convertido em níveis, que permitem o acesso a feats, mais hit points, mais spells, mais bónus para acertar, etc. D&D permite uma carrada de estilos de jogo diferentes, política, guerra, dungeon bashing, mas no fim o jogo é apenas e exclusivamente sobre ganhar XP. Um encontro em D&D tem uma dada dificuldade, a que corresponde um certo ganho de XP; se um encontro for um encontro político, por exemplo impressionar um nobre para obter favores, em vez de derrotar um inimigo, o GM tem que dar XP pelo sucesso na resolução desse encontro, o que vai corresponder à subida de nível, mais objectos, feitiços, hit points, etc. Jogar de outra maneira é jogar mal.

Exalted: o jogo tem uma mecânica que é demasiadas vezes ignorada, que é a das Virtudes; podem-se usar Virtudes para ter mais dados a uma acção, seja ela qual for; eu posso dizer: estou numa luta, vou canalizar Valor, gastar 1 de Willpower e ter mais 3 dados; ou ainda: vejo uma criancinha a ser espancada pelos Guardas Imperiais, vou canalizar Compaixão e ter mais dados para lutar. As Virtudes são uma medida da personalidade do personagem. O reverso, neste jogo, é o Limit Break, quando não se seguem as Virtudes. Quando este Limite rebenta, algo de terrível acontece ao personagem, mas o jogador recupera pontos de Willpower. Em 4 ou 5 anos que levo de Exalted nunca joguei assim; já consultei vários foruns, e encontrei carradas de malta a não usar esta mecânica. Estamos a jogar mal este jogo.

Há no entanto jogos que têm mecânicas tão contidas que é virtualmente impossível jogá-los mal. Vou dar um exemplo de um que me é muito querido pela experiência que me trouxe, e que é o My Life With Master (MLWM para abreviar).

Neste jogo o jogador tem que fazer aproximações aos seus contactos, pedindo cenas ao GM onde isso possa acontecer, como dar prendas a uma criança, apaixonar-se por um rapaz das cavalariças, dar festinhas a um cão, e o GM tem que fazer tudo o que lhe for possível para destruir esses contactos; não é necessário que o faça de uma maneira sádica, mas o jogo talvez tenha a ganhar com isso. Isto está explicado de maneira tão simples e tão explícita, que é impossível jogar de outra maneira. Jogar bem MLWM é fácil, e aconselho-o a toda a gente que jogue o mesmo jogo, ou com o mesmo GM, há vários anos. O vosso estilo de jogo pode não mudar depois disso, mas a vossa visão sobre o que é jogar bem e mal vai mudar de certeza.

Já mencionei aqui o facto de pessoas novas entrarem num grupo e darem-se mal, pelas experiências serem opostas. Isto aconteceu comigo. É muito mau olhar para uma pessoa que tem uma experiência diferente e dizer: este tipo joga mal. Isto é a pior coisa que se pode fazer. No entanto, faz-se, e se calhar diariamente, e acusamos sempre o outro de ser aquele que joga mal. Desculpem o moralismo fácil, mas encontro isto e hoje arrependo-me das coisas, e zango-me com as pessoas quando continuo a encontrar este tipo de comportamento.

Em conclusão: andamos a jogar mal rpg. Alterar regras não é bom, não comunicar sobre isso é pior ainda.

Desculpa discordar, mas os rpg's não são o código da estrada; desde que o pessoal se divirta e o GM seja coerente nas regras (não as alterando constantemente de modo a baralhar os jogadores) acho que tudo bem. Se uma pessoa quiser segui-las à risca e se divertir, óptimo se as alterar e se divertir na mesma, óptimo também.

Tenho certeza que se metesses alguém na tua party, iria acontecer uma de duas coisas:

1- essa pessoa não se divirtia, e ambos se acusavam de jogar mal (“só fazes railroad”, “nunca acontece nada”, “és um péssimo jogador”, “para que é que alteraste isto”, “essa regra é fundamental” e outras que tais)

2- essa pessoa iria divertir-se, e iria dizer que és um excelente GM, porque consegues transformar qualquer jogo mau num jogo bom

A 1ª hipótese é má só por si e julgo que não precisa de explicações.

A 2ª hipótese não é mais complicada de analisar, porque já foi revista por mim acima, mas eu repito-me sem problemas: o que aconteceu não foi o jogo ser bom ou mau, foi o jogador adaptar-se ao estilo de jogo do grupo, que por acaso até era coincidente. Mas isso não afecta nem altera o facto de estarem a jogar mal. O jogo é suposto jogar-se tal como vem escrito, e só assim é que qualquer pessoa que venha de fora pode apreciar o jogo da mesma maneira que as pessoas que já o jogam.

Isto é tanto uma falha dos designers como dos jogadores, como aliás já apontei: os designers porque não dizem como jogar o seu jogo, apenas fazem referências vagas e tentativas frustradas de explicar o que é um rpg, sendo que 10 pessoas diferentes têm 10 opiniões diferentes, logo o designer ganhava se explicasse como se joga o jogo dele, em vez de como jogar rpg; e dos jogadores, porque nunca fazem esforço nenhum para tentar ler aquilo que lá está escrito, jogando como sempre jogaram.

Mas, caramba, quem sou eu para apontar dedos?! Se as se divertem a jogar xadrez com as regras de damas, vão em frente!

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”

House rules não existem só para RPGs. Há gente que, no Monopólio, gosta de pôr o dinheiro das multas no meio do jogo e quem calhar no livre trânsito fica com ele, ou que quando cai numa propriedade que não quer comprar, esta não vai a leilão (ao contrário do que dizem as regras).
Mesmo em clássicos como o dominó e as damas há variantes de região para região e de grupo para grupo.
Também não vejo mal nenhum em um grupo alterar as regras se acha que assim se vai divertir mais. Claro que quando vem alguém novo que não conhece as modificações é de bom tom avisá-lo previamente e se tiver objecções discuti-las com o grupo.
Mas também não é por isso que agora se tem de fundar a RPG Cops ou o Departamento Anti-House Rules.

House rules há-as em todos os jogos. Eu, por exemplo, tenho algumas house rules em Call of Cthulhu porque acho, na minha óptica, que regra A, B, ou C não tem muita lógica no contexto do meu universo criativo. Se o GM Y ou X, decidir alterar algumas regras porque acha que não funcionam muito bem, está à vontade, desde que avise o grupo antes. Reescrever um manual por completo é que é perda de tempo, mas uma ou outra regra, não estou a ver porque não.

Outro exemplo, não gosto das regras de D20. Gosto de Star Wars. Não vou comprar o manual de Star Wars RPG D20 e depois alterar-lhe as regras. Vou à procura de um sistema alternativo, digamos Hero System ou GURPS (que gosto) e depois adapto-lhe o universo. Claro que mesmo em Hero System ou GURPS poderei encontrar uma ou outra regra que sinto necessidade de alterar.

Agora, não vejo porque é que hei-de chegar a um grupo e vendo que eles alteraram regras, dizer que jogar mal. Por oposição a quê? A alguém que segue as regras do manual à risca? Enfim, é por certo um exagero dizer que grupo A, B, ou C joga mal porque altera regras. Se alguém joga um roleplay e gosta 100% das regras que lá vêm, óptimo. Se outro joga o mesmo jogo e altera algumas regras, more power to them. Se alguém joga um manual e vai reescrevê-lo na totalidade porque não gosta de uma mecânica ou outra...

Esta resposta é para o neonaeon e para o Dwarin.

Porque é que pegaram ambos apenas num dos aspectos do meu post?

Falo em vários (o jogo como ele está escrito, a intenção do designer, a alteração de regras, a não alteração de maneira de jogar) mas vocês pegam apenas num; isto confunde-me, e se puderem, agradecia uma explicação.

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Alguém muito sábio disse uma vez: "So, Trebek, we meet again! The game's afoot!"

Eu concordo! Se as pessoas andam a alterar as regras é porque um dado jogo não tem o devido Valor (comercial? utilitário talvez?) para elas no sentido de que este não reúne um conjunto de mais-valias que seja suficiente a um jogador ou grupo de jogadores. Na minha opinião acho que deveriam existir produtos que satisfazessem as suas necessidades.

Se falássemos de um electrodoméstico (um produto mais tangível que a experiência providenciada pelo RPG) e se este não possuísse um conjunto de funções não o comprávamos ou então depois de o experimentarmos trocávamos por outro ou devolvíamos-o. Um RPG tem esse pormenor curioso de ser uma experiência abstracta e que tem efeitos diferentes sobre cada pessoa que joga e depende claramente de um contrato social e agenda criativa consensual. Para não falar da imaginação partilhada entre todos!

O que o Rui parece-me focar aqui não é a necessidade de policiar as dinâmicas pessoais da imaginação de cada grupo mas sim a necessidade de nos apercebermos que sem uma experiência comum advinda de um dado jogo RPG partilhada por todos não se poderá efectivamente dizer que se está a usufruir do Valor desse produto. Isto origina duas coisas:

- julgar-se um dado Produto de RPG pela experiência de jogo providenciada por um dado grupo e não pelo seu Valor original (tal como intencionado e executado pelo autor/empresa) o que causa um mau serviço ao produto e sua marketabilidade (logo também ao consumidor pois marketing e deselvolvimento de produto estão associadas num ciclo);

- dificulta também o uso dos consumidores recentes do produto pois são confrontados com usos ideossincráticos (totalmente restringidos às ideias e filosofias de um dado grupo) deste o que causa grupos pequenos e isolados de consumidores.

"Se alguma vez sou coerente, é apenas como incoerência saída da incoerência." Fernando Pessoa

Os resultados que apontas são precisamente aqueles que eu aponto, mas ditos de melhor maneira!

Aliás, o 2º nem me tinha lembrado dele, mas de qualquer maneira é terrivelmente certeiro.

Gostaria apenas de chamar a atenção para algo que acho terrivelmente importante, que é a resistência que existe em sair da área de conforto que geramos, seja em jogar apenas um rpg a vida toda, seja em jogar apenas com um grupo, ou apenas com um GM, etc. É uma resistência que chega a roçar o rídiculo, quando nos deparamos com insultos, risos trocistas, entre outros, a jogos novos ou experiências novas.

Isto é mau? Obviamente que não, mas quando se é como eu, que suporto um jogo durante 6 meses…

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”

Começo por dizer que não sou grande fã de house rules, embora nunca tenha pensado nesse assunto da forma que o Rui expôs. Não sou fã de house rules pelo simples facto de ser preguiçoso e preferir deixar estar como está, mesmo que não goste de determinado detalhe, do que estar a perder tempo e a matar os neurónios com aritméticas desnecessárias. Seja como for, quando escolho um jogo prefiro já ter tido alguma abordagem prévia e se a mecânica me desagradar de forma absoluta então o melhor é nem o adquirir. Agora em relação ao que desvirtua mais um RPG, e o Rui menciona-o no ‘post’ de passagem, eu acho que é alterar o ‘setting’. Na minha opinião isso transforma-o bastante mais do que uma house rule. Afinal, uma house rule pode ser tão simples como adicionar ou retirar uma skill à lista do jogo, ou permitir um relançamento em determinadas ocasiões ou apenas atribuir mais pontos na criação de personagens do que o indicado pelas regras. Creio que nenhuma destas hipotéticas house rules que citei possa confundir completamente um novo jogador a ponto de não saber como se integrar num grupo que a utiliza. Agora se eu decido que será muito engraçado fazer um crossover de Call of Chtulhu e Star Wars e sugiro aos meus jogadores que vão combater Great Old Ones em Cargueiros Corellianos modificados é perfeitamente natural que um jogador mais violento me atire um dado à cabeça e sugira que eu seja internado urgentemente num hospital psiquiátrico. Este exemplo é obviamente exagerado, mas… Alterações nas mecânicas não desvirtuam tanto um RPG como alterações no ‘setting’ (digo eu). Felizmente, creio, não há tanta gente a transformar ‘settings’ como pessoas que introduzem ‘house rules’. E para terminar, será que os designers explicam assim tão mal os seus jogos? Na minha experiência não tenho deparado com muitos casos desses. Ou então sou eu que estou pouco atento…

Mais ainda, se estamos a falar de respeitar a intenção do designer do jogo, então tudo ainda se torna mais ambíguo. É certo que ao criar umas determinadas regras para um determinado género, o designer tem uma coisa em mente, mas as regras são, e devem ser sempre consideradas, um esqueleto base que pode, e deve ser alterado, para se adaptar a um maior número de jogadores quanto possível. E aí reside a sua comerciabilidade. O respeito pela intenção do designer não passa só pela letra das regras mas também pelo espírito das regras.

Em Weapons of the Gods, o designer pretende reproduzir o espírito do Comic Book com o mesmo nome. As regras que lá estão, servem para isso mesmo, mas isso quer dizer que se eu não usar regra A, B ou C o espírito do jogo fica desvirtuado? Se eu ignorar as regras das Virtudes, como o Rui diz que muita gente ignora, estarei a ser mau jogador. Então jogar bem não passa também por respeitar o setting tal como o designer o quis criar? Os roleplays são, por natureza, assim mesmo, um produto moldável (o designer tem que ter em conta isso) que cada grupo adapta às suas necessidades.

Nota: Todos os manuais que tenho lido indicam sempre - se alguma regra impede o divertimento de quem joga, a regra muda-se. As regras servem os jogadores e não o contrário.

Esta afirmação já tem sido muito criticada por aqui, mas, de facto, é o que a maioria dos manuais que eu li também referem. E eu concordo plenamente. Mesmo quando não tenho a paciência para o fazer…

Entendam isto como quiserem, mas se eu vejo algo num rpg que diz: “se não gostas de alguma coisa, muda-a”, então entendo isso cada vez menos como um sinal de liberdade ao jogador, mas mais como um sinal de preguiça e admissão de falha, porque o designer toma consciência de que não conseguirá chegar a toda a gente, por isso mais vale dizer logo que nem quer tentar.

Eu acho que isso acontece porque se tenta por regras para tudo: como atravessar a estrada, como mascar pastilha, como nadar, como aterrar de pé, e isto é impossível de conseguir bem. Toda a gente vai ter sempre alguma coisa a dizer.

Para mim, mais vale ter regras contidas, claras e uniformes, do que dispersas e abrangentes. Assim evito a Golden Rule. :slight_smile:

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”

Bom, eu concordo com o teu post em espírito, nem era preciso dizer, mas tenho de discordar com o rótulo “jogar mal”:

  1. Porque o pessoal faz isto em nome de maximizar a sua diversão, e isso não pode nunca ser errado. Tenho é pena de o pessoal alterar todo um jogo antes sequer de o experimentar primeiro, e ainda mais pena quando em vez de o fazerem porque acham mais divertido o fazem apenas porque assim é mais “realista”; claro, “realismo” e diversão podem ser na prática conceitos equivalentes para algumas pessoas… mas também podem não o ser e uma pessoa estar focada no “realismo” apenas porque tem uma ideia errada de que é assim que tem mesmo de ser um jogo bom.

  2. Porque, como o Hugo comentou, muitas vezes são os próprios designers que deixam a porta escancarada a modificações e estendem o tapete vermelho a todos os que as queiram fazer.

De resto, é isso. O problema não está em as pessoas fazerem isso, está é nas confusões e amargos de boca que se originam posteriormente e tudo isto podia ser evitado com uma comunicação um pouco mais eficaz; são as confusões com grupos diferentes de pessoas a jogarem o mesmo jogo de formas bem diferentes e a acharem que as restantes devem ser um pouco estúpidos por não jogarem assim, ou com um gajo novo que pensa que vai para ali jogar o D&D do Leandro que jogou na faculdade e quando dá por si está a jogar o D&D do Leonardo, que é outro bicho totalmente diferente, etc.

Concordas que essa comunicação pode vir também da parte dos designers? Ou referes-te apenas entre grupos de jogo?

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”

[quote=ricmadeira]2) Porque, como o Hugo comentou, muitas vezes são os próprios designers que deixam a porta escancarada a modificações e estendem o tapete vermelho a todos os que as queiram fazer.[/quote]

Ora aqui está. Se um designer me começa logo no manual a dizer que seguir as regras à letra é a maneira certa de jogar, mesmo que isso seja verdade, deixa um travo amargo na boca. Isso acontecia muito com o antigo AD&D 1ª edição, em que o próprio Gary Gygax dizia explicitamente no manual que aquelas regras é que eram AD&D e tudo o resto era mentira. Ora, o tipo estava a dizer que 90% dos jogadores (que no fundo são quem paga o jogo) jogavam mal.

Ora aqui temos outro ponto interessante, se o designer cria um roleplay com regras específicas com determinada intenção, ao criar a segunda edição em que adapta comentários e sugestões de jogadores e muda algumas regras para funcionarem melhor, significa que está ser contrário à sua própria intenção inicial ou apenas a melhorá-la? E não têm os jogadores o direito de fazer o mesmo?

[quote=Dwarin]Nota: Todos os manuais que tenho lido indicam sempre - se alguma regra impede o divertimento de quem joga, a regra muda-se. As regras servem os jogadores e não o contrário.[/quote]

Ora nem mais. Quando o próprio jogo, e por inerência o autor, nos convida a fazê-lo, porque não? Aliás, alterar sistemas de regras para se fazer o house game que se quer é uma actividade há muito consagrada pelos gamers no mundo inteiro, e tem sido fonte de muita criatividade no mundo do RPG. Um amigo meu adora as regras de RuneQuest, tem uma admiração assolapada por elas, e por Westerns. Antes de sair o GURPS Old West - portanto, muito antes do Deadlands, jogou por muitos anos uma campanha de Western usando basicamente o RuneQuest. Ah, isto foi antes de a Chaosium ter criado o conceito de Basic Role Playing para o seu sistema. Esse mesmo amigo fez uma campanha de Gangsters usando todas as regras de Call of Cthulhu sem a sanidade.

Suponho que não tem havido algo mais criativo na indústria, e que tenha dado mais sistemas e jogos, que precisamente experimentar regras a ver o que reesulta ou não - o que esses jogadores acham giro ou não e se se poderá comercializar. Alterar regras pode ser um acto de grande criatividade e podem surgir grandes jogos com isso. Depois, há o alterar que não desvirtua o jogo. Assim, caimos em excessos como "O Warhammer não presta porque as regras de facas são uma bosta" ou "O D&D 3.x é risível porque o arranhar de um gato doméstico faz o mesmo dano que uma faca". Essas coisas não alteram o cerne do jogo e podem ser alteradas sem problemas.

É verdade que, nos tempos que correm, se pode ter acesso ao autor do jogo através de fóruns e grupois de discussão. E é bom saber o que ele quer com a regra X e a permutação Y. Mas ele também pode ficar contente em saber "Olha, fiz Z e resulta assim..." - pode ser que Z passe a ser parte essencial das regras, quem sabe. Muitas vezes, os autores dos jogos gostam desse tipo de feedback e sabem que os gamers são tweakers por natureza - pois não são eles próprios gamers? O Greg Stolze achou muita piada que se tivesse feito um jogo de Call of Cthulhu usando o sistema de sanidade do Unknown Armies, por exemplo - até se distribui um jogo gratuito que usa o ambiente de CoC, a sanidade de UA e a mecânica de física de Godlike. Há, assim, que ter cuidado com os extremos em dizer que alterar o jogo é jogar mal - pode estar a criar-se um jogo novo, nessa cena "mal jogada".

"Killing with the tip lacks artistry. It must be done with the edge."
- Gurney Halleck in Dune, Frank Herbert

Hum, estou preocupado que vocês estejam apenas a ver uma das várias questões que coloquei no post orignal.

Que dizem dos hábitos que se geram à mesa? Que dizem da intenção do designer?

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”

Como designer, achas que chegaste a toda a gente com o 101? Não houve ninguém que de dissesse que era preciso mudar, ou que precisa de trabalho? Fala-nos da tua experiência pessoal.

"Killing with the tip lacks artistry. It must be done with the edge."
- Gurney Halleck in Dune, Frank Herbert

Eu refiro-me apenas aos jogadores.

Um designer meter no livro de regras a famosa “regra de ouro”, chamar-lhe “regra de ouro” e dizer que é a regra mais importante de todo o jogo e que deve ser sempre mantida presente… bom, não se pode chamar falha de comunicação da parte dele, eheh.

Por exemplo, muitos GMs experimentados que conheci, quando punham anúncios à procura de jogadores ou introduziam novos jogadores no grupo, costumavam fazer-lhes uma pequena apresentação que no essencial reflectia a sua/nossa visão do jogo: o que os personagens faziam, o que os jogadores faziam, alterações radicais ao setting, alterações importantes às regras, como atribuição de XP (um famoso e muy amado GM aqui da praça diz logo de início e muito bem que naquele jogo/campanha em particular não precisamos de no stinking XPs), número de pontos para criar o personagem, que tipos/classes/grupos de personagem estão à partida proibidos, que tipo de comportamento não toleram à mesa, etc, etc.

Se toda a gente fizesse isso, e se toda a gente não batesse imediatamente como reacção instintiva na cabeça do pessoal que joga de formas diferentes… estaríamos bastante mais próximos da paz mundial, eheh.

E também ajudava se o pessoal, quando está no seio de um grupo que obviamente prefere outro tipo de diversão que não a dele, tentasse integrar-se (ou falhando isso retirar-se) em vez de cagar nos outros, lixar-lhes o juízo e o jogo, e depois desculpar-se com um “mas era isto que o meu personagem lobo solitário, mau como as cobras, anti-social, anarquista, adorador do Grande Caos, faria… que culpa tenho eu?”

[quote=jrmariano]Se falássemos de um electrodoméstico (um produto mais tangível que a experiência providenciada pelo RPG) e se este não possuísse um conjunto de funções não o comprávamos ou então depois de o experimentarmos trocávamos por outro ou devolvíamos-o. Um RPG tem esse pormenor curioso de ser uma experiência abstracta e que tem efeitos diferentes sobre cada pessoa que joga e depende claramente de um contrato social e agenda criativa consensual. Para não falar da imaginação partilhada entre todos![/quote]

Agora o que acontece a esse electrodoméstico num meio de engenheiros, técnicos e engenhocas? Pode ser completamente alterado para além de todo o reconhecimento. Muito poucos gamers convictos não sonharam em fazer o seu jogo, ou em tentar perceber o que funciona no jogo ou não. A maioria de entre nós adora mexer em regras e mecânicas para ver o que mexe, em "chular" as personagens para ver o que dão, em levar uma regra ao limite, até mesmo fazer testes pela destruição a sistemas e regras.

E está a falar um homem que jogou uma porrada de sistemas e leu sem jogar mais ainda, e portanto gosta de experimentar sistemas e settings de rpg.


"Killing with the tip lacks artistry. It must be done with the edge."
- Gurney Halleck in Dune, Frank Herbert