Mother, I Will!

Foi apontado pelo João Mendes no seu blog a teoria chamada Mother, May I?, numa alusão clara ao antigo jogo Mamâ, Dá Licensa, que estipula que, nos jogos tradicionais e com raras excepções, tudo o que os jogadores fazem é dar cor à história, estando todos os resultados na mão do GM, que os guia como se estivesse a pegar em lápis de cor e a pintar dentro das linhas e seguindo os números, ou a dar-lhes licensa para se moverem.

Embora eu possa concordar com ele no âmago da teoria, há vários jogos por aí, e nenhum deles indy*, que parecem apontar para uma maior divisão dos poderes à volta da mesa, e por uma menor clivagem entre jogadores e GM.

Dou apenas alguns exemplos dos jogos que conheço, tenho certeza que poderão acrescentar mais alguns, e irei analisá-los apresentando as minhas razões para que estes jogos não conformem à regra apresentada pelo João.

Assim, ordenados apenas por memória e gosto, estão:

1 - Exalted (qualquer edição)

Em Exalted, é impossível fazer um plot; não há aventura possível que resista, devido a todo o poder que é posto nos personagens. O jogo é muito mais dado a Redes de Conflicto (os NPC's que querem ajudar, prejudicar ou simplesmente ignorar os PC's) e a Bandeiras (aquilo que o jogador deseja ver em jogo, tipicamente os valores que tem mais elevados na folha de personagem, mas neste caso, também Motivations e Intimacies, assim como Backgrounds como Allies, Contacts, Followers...) que a plots. Surge a discussão: quem põe os NPC's é o GM; certo, mas quem decide o que fazer com eles são os jogadores, que têm literalmente carradas de dados ao seu dispor para influenciar os resultados, logo, o decorrer da acção; qualquer acção do GM para alterar estes resultados pode ser entendido como GM Fiat, e aqui entra o Acordo Social estabelecido pelo grupo, que pode ou não concordar com ele.

Na minha campanha vou ainda mais longe e uso Negociação de Resultados, porque as regras não dizem que não o posso fazer, e tem resultado às 1000 maravilhas.

2 - Mutants and Masterminds (qualquer edição, MnM para abreviar)

Em MnM existe uma mecânica chamada Hero Point, que funciona, entre outras coisas, como save game, permite aumentar momentaneamente atributos e poderes (o mesmo ponto do Exalted); ganham-se Hero Points fazendo coisas heróicas e dramaticamente interessantes (decididas pelo GM, mas sempre à atenção de GM Fiat e do Acordo Social), e metendo propositadamente o Herói em sarilhos (como o Homem Aranha, por ex) - não é o GM que determina quando e como isso acontece, é o jogador.

3 - Conan D20

Aqui colocado graças à excelente review do MGBM. "Uso de Fate Points [pelo jogador] para alterar a aventura em que participa." 'nuff said.

4 - Weapons of the Gods (WotG para abreviar)

Aqui colocado graças à excelente crítica do Dwarin. "A vantagem é que o sistema pode ser usado e abusado pelos jogadores para criar todo o tipo de situações que fogem ao controlo do GM e sobre as quais este não pode vetar, apesar de poder impôr algumas limitações." Entre as situações apontadas pelo Dwarin, referindo qeu são apenas algumas de infinitas variações, estão: influenciar comportamentos, criar maldições, criar paixões ou emoções.

5 - Feng Shui (FS para abreviar)

Aqui colocado graças à excelente review do Verbus. "O que foi novidade foi os stunts – os PCs eram encorajados a descrever as suas acções de maneira cinematográfica, e usarem a imaginação para descreverem as cenas e ignorar um pouco as leis da física e o realismo – seria o realismo dos filmes, não o da vida." O Verbus não o descreveu na sua crítica, mas o FS foi (julgo, corrijam-me se estiver errado) o primeiro jogo a incentivar os jogadores a descrever o cenário à sua volta, acrescentando ou retirando elementos a seu bel-prazer; eram apenas elementos cénicos, mas só isso já é muito mais do que outros rpg's tradicionais (e indies, atrevo-me a dizer).

6 - Fairy's Tales

Aqui colocado graças à chamada do JRMariano. "O sistema de jogo será simples usando apenas dados de seis lados e através deste os jogadores de Faery's Tale poderão não só afectar a história por intermédio das acções de suas personagens como também ao gastarem uma força vital mágica muito preciosa chamada Essência podem influenciar acontecimentos e até alterar a realidade - fadas aliadas chegam mesmo à última da hora, introduzem-se plots twists, alcançam-se sucessos improváveis e outros tipos de dramatic editing. O jogadores recuperam Essência pelas acções das suas fadas e ao sugerirem complicações para a história." Novamente, 'nuff said.

São apenas 6 jogos, alguns mais recentes que outros, e este número é apenas limitado pela minha memória, o que não quer dizer que não existam mais. Estes 6 jogos representam exemplos de jogos que fogem à teoria de "os jogadores são lápis de cor".

Como sempre, discutam, se vos aprouver.

*defino indy como todo o jogo Forgita, não-tradicional, onde o autor tem todos os direitos sobre a obra, que regra geral é publicada com poucos ou nenhuns gastos ou grande produção. Alguém aparecerá com outra definição, melhor ou diferente desta. Para o efeito deste texto, eu entendo um jogo tradicional como o de uma grande companhia, e um jogo não tradicional (indy) como um jogo feito por apenas um individuo; se quiserem, Feng Shui vs The 101.

[quote]

Dos jogos todos que indicas, tudo depende mesmo é do acordo social entre GM e jogadores. O grande prob é que maioria das vezes o GM stressa com os jogadores e quebra o contrato e a partir daí é o santo railroading, perdão, Mother May I.

bugger!

(perdão, acabei de ver os piratas! :P)

Dos jogos que aponto, talvez dois ou três estejam directamente dependentes do Acordo Social, todos os outros têm mecânicas específicas que permitem aos jogadores terem influência directa no decorrer da história, e mesmo assim nesses aponto os sítios onde isso não é exactamente verdade: o Exalted (onde não há plot), o MnM (com os Hero Points) e o Feng Shui (que permite aos jogadores influênciar o cenário - aqui os jogadores são lápis de várias cores).

Railroading não é a mesma coisa que Mother May I.

Railroading é quando tudo acontece como o GM quer, onde ele usa todas as técnicas para que a aventura vá para onde ele quer, independentemente daquilo que os jogadores façam ou não - vai apenas naquela direcção, e acabou.

Mother May I é muito mais abrangente, e diz que na maior parte dos jogos tradicionais existe a ilusão de que os jogadores têm a escolha de fazer coisas e influenciar directamente a história - na maior parte, porque o João aponta a excepção do D&D para isto: segundo ele, quando o jogo é só sobre combate táctico, sobre ganhar e perder lutas e onde isso tem significado, então os jogadores têm controlo criativo à volta da mesa, tanto pela maneira como gerem as lutas, como pela maneira como constroem os seus personagens para essas lutas. Um jogo pode ser apontado como Mother May I se a dada altura as regras disserem algo como "os jogadores lançam os dados e os resultados são interpretados pelo GM".

Edit: algo que vi mesmo agora, e que pode lançar alguma luz sobre isto: Ilusionismo é dar aos jogadores várias escolhas, e nenhuma delas são suas.

[quote=Rui]Um jogo pode ser apontado como Mother May I se a dada altura as regras disserem algo como "os jogadores lançam os dados e os resultados são interpretados pelo GM".[/quote]Também pode ser considerado Mother May I se for o GM a decidir a dificuldade do role?

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Não sei; não sei o suficiente sobre a teoria do João para poder responder a isso com facilidade; o meu instinto diz-me que sim, no entanto.

Vejamos a seguinte situação:

Jogador: Quero subir aquela montanha!
GM: Ok, rola, dificuldade 10.
J: 10?! Estás doido?! O meu perso é um campeão olimpico de subir montanhas!!1!
GM: Sim, mas uma pessoa normal teria essa dificuldade, e tu também.

Claramente, Mother May I.

Qual o papel do GM no meio disto tudo? Se não decida as dificuldades, se não decide os resultados, limita-se a fazer roleplay dos NPCs. E, neste caso, também os jogadores poderão decidir se este ou aquele NPC não deve fazer determinada coisa?

Não é bem isso que se está a dizer, o GM decide as dificuldades e as consequências apenas não o faz sozinho, faz em conjunto com as restantes pessoas à mesa, o papel do GM não perde importância apenas partilha algumas das suas funções com os outros jogadores para que todos estejam em sintonia.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

[quote=Dwarin]limita-se a fazer roleplay dos NPCs[/quote]

Se houver milhares de NPC's, e numa campanha normal costuma haver, o "limita-se" fica com um aspecto ligeiramente diferente.

De facto, no FS os jogadores DEVEM extrapolar os elementos do ambiente para fazer uma descrição gira. Se o GM falar que estamos numa loja de ferragens, o jogador pegar numa motosserra e massacrar os mooks e outros NPCs é recompensado, especialmente se o GM NÃO mencionar nenhuma. Para simular o estintor “bem a jeito” que o James Bond saca debaixo do assento, dentro da cabina de um camião, e encharcar a cara do motorista com neve carbónica para depois correr com ele a pontapé, com dito veículo em andamento.

Ora então qual será o papel do GM no meio disto tudo… Bom, eu já tinha prometido estar caladinho para não levar no focinho, mas como sou um Velho do Restelo, e os velhos dizem o que lhes dá na gana, ora aqui vai… O papel do GM é irrelevante, assim como o papel dos jogadores é irrelevante. O que interessa são os bangs, bings, bongs, shazangs e toda a nomenclatura bonita (e totalmente destinada a excluir os não-iniciados) e as mecânicas extraordinariamente originais e fora do vulgar (o que não quer dizer que sejam melhores ou mais criativas - permitam-me que cite Type O Negative, não são grande referência literária, mas produziram esta pérola: “Don’t mistake lack of talent for genius”) e as toneladas de teoria e o Have Fun Every Ten Minutes With Your Pants On. Toda a mecânica dos jogos não-tradicionais (e agora já perdi mais um bocadinho a analisá-la desde as últimas farpas que lancei aqui) tem como objectivo não interpretar personagens. Ou, pelo menos, não interpretar personagens no sentido comum que se atribui à palavra “interpretação”. Aparentemente isto não tem nada que ver com a discussão inicial, mas como eu acho que toda a discussão em redor da teoria do senhor Ron Edwards & Friends é totalmente irrelevante e que eles criaram um novo conceito, que não é o não-tradicional, mas sim o anti-RPG. Quais os motivos? Não sei… Estratégia de marketing para promover na Internet produtos nos quais que as editoras de role play nunca pegariam? Talvez… Aproveitar o nicho do mercado dos role players insatisfeitos com os RPGs tradicionais porque neles têm que interpretar personagens (???). Enfim, é bizarro, se alguém quer jogar um role playing game, porque raio é que deseja mecânicas para não ter que interpretar um personagem? Ok, voltando à questão original do post do Rui para não estar aqui a ocupar espaço sem motivo nenhum: Mother, I Will. Acho que sim. E parece-me bem que na grande maioria dos jogos tradicionais há lugar para os jogadores serem mais do que meros lápis de cor. O que me intriga é por que terríveis experiências terão passado as pessoas que trouxeram à baila a questão do Mother May I para sequer conseguirem pensar numa coisa destas. E, se de facto passaram por tais atribulações, como é que continuaram a jogar RPGs depois disso, quando há tanta coisa no mundo para fazer. Enfim, mas isso digo eu porque sou maluco. Insultem-me, se vos aprouver.

Acho que te escapou qualquer coisa por aí.

O meu propósito em apresentar esses jogos foi mostrar que havia jogos tradicionais que já faziam, e continuam a fazer, aquilo que os jogos ditos indy se propõem fazer; apresentei exemplos de vários jogos todos diferentes entre si por publicador, data de publicação, sistema, o que lhe quiseres chamar.

Julgo que o meu ponto nisto era bem claro.

Nunca foi minha intenção atacar pessoalmente ninguém, nem a sistemas de jogo, nem a teorias de jogo, nem sequer era minha intenção mostrar como jogar ou mestrar, ou advogar que um tipo de jogo é melhor que outro. Em lado nenhum se lê isso.

Se quiserem falar sobre esses pontos, por favor façam-no noutro lado; abram uma thread sobre isso se quiserem, onde terei todo o prazer em lá discustir a minha opinião sobre isso.

Aqui, gostaria que a discussão fosse sobre os jogos que apresentei, e sobre outros jogos que já façam aquilo que a teoria do João Mendes diz que não fazem, com exemplos construtivos disso.

[quote=Rui]Não sei; não sei o suficiente sobre a teoria do João para poder responder a isso com facilidade; o meu instinto diz-me que sim, no entanto.

Vejamos a seguinte situação:

Jogador: Quero subir aquela montanha!
GM: Ok, rola, dificuldade 10.
J: 10?! Estás doido?! O meu perso é um campeão olimpico de subir montanhas!!1!
GM: Sim, mas uma pessoa normal teria essa dificuldade, e tu também.

Claramente, Mother May I.[/quote]

Sim e não, porque sendo ele um campeão olimpico de subir montanhas teria um bruto bonus no lançamento que pessoas normais nao teriam.
Da lista que puseste e tendo jogado MnM coloco-o também no Mother May I, aliás tendo em conta o que li da teoria Mother May I do J Mendes duvido que haja pouco mais que uma mão cheia de jogos que fujam do mother may i.
O uso de Fate Points, Hero Points, Action Points, seja qual for a mecanica nao torna o jogo diferente de Mother May I, é apenas mais uma mecanica ao serviço do jogador, e nesses jogos onde esta presente essa mecanica a plot é comandada pelo DM/GM.
Caso o facto de existirem essas mecanicas torna-se o jogo não mother may i, então o que eu jogo (D&D 3.5 com action points) nao seria mother may, e … D&D É CLARAMENTE mother may i.

Apoio cada linha escrita!

Sobre a Forge ainda não posso falar racional e objectivamente, ainda estando completamente furibundo, irritado, passado, e irracional acerca dela. Já falei irracional, furiosa e nada objectivamente neste local, onde os Forgitas (e outros interessados) poderão ver como o Ricardo Madeira me desancou. Tenho de dizer que não concordo em absoluto com o conceito de “mamã dá licença” que acho profundamente insultuoso - respeitando que quem o emitiu não teria a intenção de insultar, mas mesmo assim. Por outro lado, tenho mais ou menos uma sessão de PTA combinada, para ver como é o hullabaloo. E eu jogo tudo.

Eu disse no último meet-up que com certeza quem joga jogos indie e jura por eles procura, com certeza, uma expiência completamente diferente da que eu procuro no RPG. Uma coisa mais partilhada, mas menos envolvente. Eles - que sabem quem são e se manifestarão se quiserem - disseram-me: mas experimenta. Verás se é menos ou mais envolvente. Mas estás enganado.

Continuando a ser objectivo (tanto quanto possa dado o meu estado de espírito), quer-me parecer que quem procurou a Forge estava de algum modo insatisfeito com a maneira como jogava. Eu não estou. Claro, fiquei ofendido em que chamassem à minha maneira de jogar uma infantilidade (que, presumivelmente, os Forgitas já lá estiveram, mas “cresceram” e agora são adultos em termos de RPG). Mas como também já fui on record a dizer coisas profundamente insultosas sobre eles (vide supra), se não estamos iguais então eu fui mais ofensivo.

Garantem-me que os métodos deles são “infinitamente mais giros”. Ver para querer. Duvido que uma emboscada me divirta se o Storyguide me disser “vai haver uma emboscada a meio da viagem”. Para mim, ela tem de me apanhar de surpresa tanto como à minha perso. Ou: “se falhares este roll és eito escravo” se a personagem não souber. Porque é que o jogador tem de saber? Onde está o mais giro? Porque o jogador decide o nível de envolvimento. E a surpresa? É só para a personagem, claro, não para o jogador. Onde está a emoção?

Claro, no RPG mais do que tudo o resto na vida, há uma diferença entre knowing the path and walking the path. E este caminho, nem o conheço, só descrições. E estou muito desconfiado dele. Tem tantas características parecidas com a Igreja da Cientologia que me arrepia um bocado - a linguagem própria que ninguém entende, o desprezo pelo já estabelecido, o sentirem-se forçados a “espalhar o evangelho” (em vez de jogarem os seus jogos em paz como nós fazemos com os nossos), o ar de terem descoberto a Verdade… Mas como diz o meu amigo Hugo “Dwarin”: se um jogo me diverte, quero lá saber quem o fez, ou se é indie ou mainstream: é um RPG e pronto. E como disse acima: eu jogo tudo.

Posto isto, reitero a minha opinião de que há jogos tradicionais que permitem fazer aquilo que é suposto os jogos ‘indie’ fazerem (e na minha opinião, bastante melhor, porque não têm os defeitos que apontei no meu post anterior e daí eu achar que há alguma - talvez não muita - relevância em ter levantado as tais questões). Porém, concordo com o Plasmas quando ele diz que em grande parte depende do acordo entre GM e jogadores sobre até que ponto pode ir a liberdade criativa dos jogadores. Pelo menos do ponto de vista informal, esse acordo tem grande importância. Já em termos de mecânicas, aponto mais uma possibilidade a juntar à anterior lista, Adventure!, cujas regras permitem aos jogadores terem papel determinante no culminar de algumas cenas. Como não conheço bem os jogos da tua lista, não sei se o caso de Adventure! será tão flagrante ou não, mas aqui fica a referência.

De facto, é interessante, do ponto de vista teórico, discutir em que ponto terminam as funções do GM e começam as dos jogadores. O modo como "ataco" as minhas campanhas começa logo na criação de personagens. Logo aí existe uma grande interacção entre mim e cada jogador em que ele cria a sua personagem e background e eu apenas me limito a colocar algumas questões apenas para espicaçar o jogador. O input criativo dos meus jogadores começa logo a moldar a minha campanha. Passo a dar um exemplo, a personagem do Dirt inclui uma história em como o clã dele (inventado por ele) foi morto por salteadores (inventados por ele) e lhe roubaram um Bordão (inventado por ele) que poderá ser uma Arma dos Deuses. Ora logo aqui, o jogador está a contribuir grandemente para a campanha. A história irá girar à voltar disto e do que os outros jogadores introduziram ao criar as suas personagens. Bem longe de serem meros lápis de cor...

No Mother May I, segundo o que entendo, os jogadores podem eles próprias criar cenas e resultados mas vejamos... isso aplica-se aos NPCs? Por exemplo, um jogador ditar a reacção de um NPC? Claro que não. Quem conhece os NPCs? O GM que os criou? Quem os interpreta? O GM que os criou. Um dos exemplos engraçados que li no blog do Mendes refere-se ao facto da personagem escalar um penhasco e diz para o GM, se eu conseguir ter sucesso despisto-os. É muito bonito, o jogador contribui, etc e tal, mas e então os perseguidores deixam-se ficar por ali? Ninguém tem track? Ninguém o viu fugir penhasco acima? Ninguém faz uma extrapolação do destino da personagem se a perderem de vista (i.e. perdemo-lo mas a pé e sem mantimentos o local mais seguro para ele é Perdition. Toca a cavalgar!) Há aí uma série de factores que devem e têm que ser geridos pelo GM.

Os jogadores devem, sim, tentar influenciar o setting com as acções das suas personagens e não com um qualquer meta-gaming device. Claro que podemos contrapôr que um GM pode começar a cortar as pernas aos jogadores, a recusar resultados, a fazer railroading. Nesse caso, meus amigos, têm um bem. Levantam-se da mesa, desejam boa sorte aos restantes.

Acho que cada caso é um caso. Por exemplo, nas minhas sessões de Call of Cthulhu (e os jogadores não me deixam mentir) passam por vezes horas em que apenas os jogadores falam, dão o seu aval, criam hipóteses, determinam o curso da acção, os resultados que querem obter, etc, etc.

Outro exemplo, numa sessão de MERP, um dos jogadores decidiu ir para um bordel (ok,ok, éramos putos, mas é pertinente), decidiu ir para a cama com uma prostituta e até tendo dinheiro no bolso optou por dizer que não o tinha. Claro que quem não ficou contente foi o dono do bordel mas aí a reacção teve que partir de mim porque eu é que improvisei o NPC, e como GM devo interpretá-lo. Mas quem liderou toda a cena foi o jogador logo começando por ter decidido ir para ali (porque a aventura não tinha nada a ver com aquilo).

Em suma, por cada exemplo do suposto "os jogadores são só lápis" dou um exemplo de aventuras minhas refutando. E , com certeza, que outros GMs mais "tradicionais" daqui também o poderão fazer.

Por último, aquele exemplo dos tipos que queriam pôr a bomba na feiticeira é um bocado infeliz porque não prova que os restantes grupos sejam assim. Lembrem-se, há estilos para todos os gostos e já vi grupos a fazer railroad do piorio que estavam completamente divertidos. Estão a jogar mal? Não. Por isso, deixem-se lá de aggressive framing, MMI e etc e comecem mas é a categorizar os jogos em termos de "diverti-me imenso, é bom! quer seja "indie" ou tradicionalista.

Algumas coisas que estão a passar ao lado de muita a gente:

  • Os posts do João não são teoria; são uma observação. Desse modo, são tão fáceis de provar (ou "desprovar") como alguém dizer "no meu RPG lança-se um dado vermelho de vinte faces para determinar o resultado de um golpe de karaté.". É só abrir os olhos e ver; ou se verifica ou não se verifica. Não há nada para discutir, a não se esta ou aquela pessoa precisa de aumentar a gradação dos óculos ou não.
  • O assunto não tem nada a ver com railroads, tramas, contratos sociais, liberdades criativas, influências nisto, naquilo ou nacoloutro. É tão simples como uma observação de quem, ou o quê, aprova ou filtra à mesa as consequências das acções dos jogadores.
  • Ninguém chamou nada nem ninguém de infantil; se acham que sim, falharam claramente o vosso roll de interpretação de Português. Também ninguém atacou nada nem ninguém; só aqueles que se julgaram atacados e decidiram retaliar em género. Voltem a rolar ou, melhor ainda, take twenty. Acho estranho que, sendo D&D o protótipo de um jogo tradicional (uma vez que foi o primeiro e desde sempre que é o mais popular), e tendo D&D usado como exemplo de algo que agrada imenso ao autor jogar, haja tanta necessidade de defender do autor a tradicão.
  • Finalmente, dizer que um jogador é um lápis de cor... tendo em conta que a única coisa que isso quer dizer é que o GM é também isso e ao mesmo tempo um reles lápis de carvão que vai fazendo o desenho que os jogadores vão pintando como querem... deixa de ser chocante, não é? É tão ou menos chocante que dizer que "os jogadores interpretam a sua personagem, e o GM cria a história".

Não percebo muito bem é porque é que se inicia uma discussão salutar e depois acaba-se nisto. Meus amigos, tende calma, porque se o João Mendes pode colocar observações, também os restantes podem. Já sabem que as opiniões são como os olhos do cú…

Desculpa, Ricardo, mas os posts do João são o João a exprimir a opinião dele, opinião essa que tu concordas e eu discordo EM ABSOLUTO! Daí que não me venhas dizer que são factos ou observações. São juízos de valor sobre, e isso sim, coisas que (ele acha) acontecem (ou não) à volta da mesa de jogo com os jogos “tradicionais”. Daí todos termos o direito de nos exprimir sobre elas. Principalmente porque elas não param de correr neste site e são tomadas como evangelho por muita gente. E há outros, eu incluído, que não vemos isso assim. Arriscas-te a ver discordãncia aqui sempre que os termos MMI e outros que tais apareçam. Aliás, vai ver aqui e vez que a maioria das reacções está longe de ser unânime a favor das opiniões do João. Agora se neste site há dogmas indiscutíveis e anátemas, é bom avisar o pessoal disso à partida, para sabermos calar quando é preciso, Sr. Bispo.

Eu é que não percebo o que “isto” é nem porque é que a discussão “acabou”. Queres desenvolver?