A propósito de algumas questões que ficaram em aberto num outro thread - refiro-me a Conflitos Sociais e Métodos de Resolução - venho esclarecer algumas questões e deixar em aberto outras para serem comentadas por quem de direito. Mas para isso tenho de chamar aqui (pelo menos) o JMendes, que levantou alguma das questões, e o Ricardo Madeira, que poderá ajudar a esclarecer outras.
Em primeiro lugar, o assunto: por que raio é que eu ainda não saltei a cerca e fui conhecer o outro lado, sendo que o outro lado parece-me que corresponde a uma série de coisas, o narrativismo, as teorias do pessoal da Forge, os jogos 'indie' e se calhar mais algumas que não me ocorrem de momento. Em primeiro lugar, motivos puramente pessoais, e que se for enumerá-los aqui vou aborrecer-vos de morte. Basicamente só posso jogar aos fins-de-semana, e como durante a semana tenho horários muito estranhos, tenho de partilhar o tempo dedicado a este 'hobbie' com uma série de coisas, entre tarefas domésticas, ginásio, cinema, pesquisas na net e outras actividades de lazer.
Em segundo lugar. Ainda não cheguei ao ponto de achar que o que estou a jogar não me proporciona diverimento. E agora cito o JMendes no outro thread: "Uma pergunta interessante é se toda a gente à tua mesa se diverte de igual modo. Outra é se quando tu te divertes, estás a falar disto ou de algo mais vago.". Bom, quando ao " estás a falar disto", o "disto" é o Fun Now Manifesto. E vou começar por aí...
Há alguns pontos do manifesto que não compreendo bem onde querem chegar ("7. It's a game, not a marriage"??? Quer dizer o quê? Para não levar as coisas demasiado a sério? Se é isso, estou perfeitamente bem). O fundamental julgo que seja: "8. Fun stuff at least every 10 minutes". Bom, quanto a isto tenho de dizer que não, a não ser que contemos também com a diversão fora de jogo, que inclua anedotas e conversas sobre cinema, literatura ou outra coisa qualquer nos momentos de pausa da sessão! Aliás, parece-me difícil que haja realmente no tempo de jogo real um momento de diversão de 10 em 10 minutos. E, convenhamos, "diversão" é vago, o que me diverte a mim, pode aborrecer outro gajo qualquer. Portanto, este ponto também me parece estranho. Até porque eu, nos últimos anos, basicamente tenho jogado RPGs de terror (Kult e, nas últimas semanas o New World of Darkness). Como se define momentos de diversão em jogos de terror? Certamente são diferentes dos momentos de diversão nos jogos de fantasia. Parece-me claro que a "diversão" neste contexto não se identifica com "momentos de interpretação intensa" (que é uma das coisas que a mim mais me diverte nos RPGs), porque num outro thread já ficou explícito que nem todos concordam com isto. Portanto, estou em dúvida sobre a diversão.
Quanto ao outro ponto levantado pelo JMendes neste mesmo comentário, "se toda a gente à tua mesa se diverte de igual modo". Bom, eu faço o possível para que isso aconteça, mas não posso garantir que tenha sucesso. Por isso mesmo chamo o Senhor Ricardo Madeira à secção de charcutaria para opinar sobre isto. Se o plasmas ou o jpn por acaso andarem por aí também, gostaria de saber igualmente a opinião deles. Pode ser até que eu aprenda alguma coisa! Eu acredito que, pelo menos o Ric, preferisse que eu tivesse ficado tão entusiasmado como ele pelo narrativismo e pelos jogos 'indie'. Mas também acredito que ele prefira jogar RPGs tradicionais comigo do que eu ser o mestre de jogo contrariado de PTA ou Dogs in the Vineyard, ou whatever...
Passamos agora a mais uma questão, outra afirmação do JMendes que ele considerou importante, mas que era off-topic: "Onde tu estás, eu já estive. Onde eu estou, tu nunca estiveste". Bom, para além da falta de tempo de que já falei, há outros motivos para que eu não me sinta tentado a ir "onde ele está".
Ponto 1- Um dos motivos pelos quais eu escolho um RPG é pelo 'setting' (para não criar confusões relativas a significados, eu chamo 'setting' à descrição do mundo de jogo). Aliás, é o principal. Um bom 'setting' capta-me a atenção, aguça-me a curiosidade, alimenta-me a imaginação. E, embora eu nunca tenha passado muito tempo a ler os fóruns da Forge, já há uns anos que consulto os links de indepent gaming do site deles. Confesso que nenhum dos settings que encontrei por lá até hoje me suscitou mais do que cinco minutos de interesse. Não é preconceito, é um facto...
Ponto 2 - Sou pouco avesso a mudanças e acho que já encontrei um conjunto de jogos que me satisfazem completamente e que vou alternando consoante os jogadores de que disponho na altura. Obviamente não me interessa apenas agradar a mim próprio como mestre de jogo! Entre esses jogos conto o ilustríssimo Kult (pináculo da Criação no que aos RPGs concerne - mera opinião pessoal, está claro), mas também Trinity, Conspiracy X e a/state (embora ainda não tenha conseguido experimentar este último). Historicamente já fui adepto de Vampire, Adventure!, CoC, Underground, Star Wars e, como é óbvio, D&D... Em linguagem futebolística, se tenho uma equipa vencedora, para quê mudar?
Ponto 3 - A tal questão de que todos se queixam que chegam a um momento em que as coisas deixam de correr bem, a malta desinteressa-se, já não há nada para explorar. Ou seja, o momento de crise. Claro que já tive momentos de crise (muito recentes até). Mas os momentos de crise não podem (pelo menos na minha opinião) ser imputados exclusivamente aos RPGs tradicionais e aos conceitos tradicionais do que é um RPG. Ora bem, parece-me que a maioria das pessoas neste fórum está mais ou menos na mesma faixa etária do que eu (20 e muitos, 30 e poucos). Será que a falta de disponibilidade por causa do trabalho, o cansaço e as frustrações profissionais, a vida familiar, as tarefas domésticas, outros passatempos, os filhos, as mulheres ou maridos, as(os) amantes, não contam também para isto? Eu acho que sim... Assim como contam os anos a fio a jogar RPGs tradicionais, que acabam por cansar, como qualquer actividade cansa ao fim de alguns anos. Há um, dois ou três anos alguns de vocês descobriram "o outro lado". Muito bem, estão agora na fase do "namoro" em que tudo corre bem, estão a conhecer-se, não há crises. Mas quando chegar a fase do "casamento" como vai ser? Se calhar vai acontecer o mesmo que aconteceu quando chegaram à conclusão de que os RPGs tradicionais já não serviam. E aí? Há-de haver outra inovação, certamente. Mas isto é uma mera suposição. Quanto a mim, acho que não estou em estado de crise. Quando estiver, talvez vos dê toda a razão.
Ponto 4 - Gosto dos sistemas de regras dos RPGs tradicionais. Gosto de personagens quantificados numericamente. Gosto de skills e atributos e vantagens e desvantagens todas quantificas e não apenas descritas. E não é por gostar de number crushing... Eu detesto matemática! Gosto assim, porque acho que é uma forma mais simples e imediata de olhar para uma folha de personagem e identificar o personagem nos seus pontos quantificáveis. Por outro lado, gosto de backgrounds que explicam tudo aquilo que não é quantificável. Ee como ficou explícito nouto thread gosto das minhas interacções sociais em RPGs com o mínimo de dados possível e gosto dos meus combates com dados e descrição. Nada de juízos de valor, apenas preferência pessoal.
Ponto 5 - Novamente a propósito de crise. Sem querer apontar culpas a ninguém, tenho de confessar que os piores momentos de crise que já assisti nos meus anos de role player (excluindo os jogadores-palhaço que conheci nos tempos de liceu e que se divertiam a converter as sessões de jogo numa versao slapstick de um RPG) têm precisamente que ver com a descoberta do "Novo Mundo". Há pouco tempo criou-se um cisão no meu grupo por causa de uma discussão sobre os temas que têm sido muito debatidos aqui. Claro que havia questões pessoais mais antigas que agravaram a discussão. Claro que um dos interlocutores nessa discussão é um tipo inflexível. Mas se a Forge nunca tivesse aparecido - provavelmente o Ricardo Madeira não era um homem tão feliz ;) - mas o meu grupo de jogo seria maior! Portanto, sim, eu guardo algum rancor ao Ron Edwards & Friends por, indirectamente, terem ajudado a perturbar o meu grupo de jogo!!! Mas não levem este ponto muito a sério, é um desabafo meio na brincadeira...
Ponto 6 - Jogo com pessoas que conheço há muitos anos (na maioria dos casos) e julgo que as técnicas da teoria do RPG se aplicam muito melhor a quem joga em convenções ou a quem recebe novos jogadores ou muda constantemente de grupo. Eu conheço (ou penso conhecer) razoavelmente bem os gostos e interesses dos meus jogadores e acho que não tenho assim tanta necessidade de técnicas para interagir socialmente com eles (???), seja lá o que isto queira dizer...
Bom, espero que, finalmente, tenha conseguido clarificar a minha posição com alguma objectividade.