Quando é que um RP não é um RP?

Hey Malta! Smile

Tenho pensado nisto ultimamente, e gostava de ver aqui a vossa opinião.

Quando é que um roleplay deixa de ser um roleplay?

Em conversas que malta que prefere os jogos tradicionais (por tradicional pretendo dizer jogos com jogadores e GM, com papéis definidos - se tiverem alguma outra definição, e essa definição couber na conversa, por favor, corrijam-me!) reparei que por vezes surge algo que desarma por completo, ou que pretende desarmar, que é o argumento: "mas isso não é um roleplay!"

Falo, nomeadamente e para chamar aqui a malta interessada, do PTA e jogos com mais "poder" criativo da parte dos jogadores; já ouvi malta a dizer que não são roleplays, que são Co-Operative Storytelling Games, ou seja lá o que isso for.

Nem estou a entrar na onda dos jogos sem GM, ou nos jogos onde se trocam de personagem, ou, e só menciono este porque não conheço nenhum do género, jogos onde não se jogam personagens, mas ideias, como o meu Abismo (só arranjei o nome hoje ou assim, por isso desculpem se forem ao link e não reconhecerem a coisa).

No entanto, a malta que joga jogos não-tradicionais, reconhece todos, ou practicamente todos, os acima como roleplays.

A discussão está lançada, malta.

O que é, para vocês, um roleplay, até onde é um roleplay, e porquê.

Ahey, :)

Ok, isso para mim é fácil. A única definição funcional de role-play que eu alguma vez vi, e que portanto passei a usar é:

Role-play = imaginação negociada.

Imaginação negociada implica sempre a existência dos cinco elementos: sistema, situação, setting, côr e personagens.

Isto deixa de fora CRPGs, MMORPGs e obviamente CCGs e board games.

Curiosamente, deixa dentro MUDs, MUSHes, etc..., desde que o pessoal esteja de facto na onda de criar eventos imaginários. O Rogério poderá dar uma achega aqui também (se estiver para isso), mas tenho a ideia de ele não considerar que Realms Of Despair, na altura em que ele o jogava, era um RPG. No entanto, asseguro-vos que Elendor, uma MUSH que eu jogava, era RPG.

Para mim RPG era isto: um jogo onde se cria, em conjunto com todos à mesa, uma história cujo único suporte é a imaginação de todos que participam nela. Isto vai de Vampire a PTA, com todos os freeforms e GM-less que vierem pelo meio. Mas acho que a definição do JMendes é melhor hehe.

Gostava era de discutir o termo "jogo tradicional", como já disse aqui esse termo não me diz rigorosamente nada sobre os jogos a que se refere. Mas também posso não estar a perceber bem o significado do termo, ou como gosto de "tradicionais" posso estar a ser defensivo por pensar que é um termo prejorativo hehe.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Eyoh, :)

A definição que eu tenho usado para RPG tradicional é bastante parecida com a que o Nietzsche deu aqui.

A minha definição:

RPG tradicional - jogo em que um dos participantes tem o papel de descrever o mundo de jogo, criar e gerir a situação inicial, interpretar os NPC's e arbitrar os o uso das regras estabelecidas pelo jogo, e onde os restantes elementos do grupo têm como único papel a interpretação dos seus personagens, incluindo a manipulação dos recursos de jogo correspondentes a essas personagens.

Curiosamente (ou não), qualquer uma das soluções anti Mother May I play que eu pus no meu blog fogem desta definição. Umas mais outras menos, claro.

[quote=“JMendes”]RPG tradicional - jogo em que um dos participantes tem o papel de descrever o mundo de jogo, criar e gerir a situação inicial, interpretar os NPC’s e arbitrar os o uso das regras estabelecidas pelo jogo, e onde os restantes elementos do grupo têm como único papel a interpretação dos seus personagens, incluindo a manipulação dos recursos de jogo correspondentes a essas personagens.

Curiosamente (ou não), qualquer uma das soluções anti Mother May I play que eu pus no meu blog fogem desta definição.[/quote]

Incluindo aquela de focar tudo no que se passa durante o combate? É que eu classificaria essa de RPG tradicional, bem como o “Dungeon Crawl”…

Tenho algumas questões em relação a esta definição de RPGs tradicionais, porque para mim é válida para AD&D, CoC, VtM e outros que tais, mas há alguns jogos que eu considero tradicionais e que fogem à regra:

Amber: os “recursos dos personagens” incluem partes importantes do mundo de jogo, definidos e geridos por jogadores (as shadows pessoais).

Ars Magica: os jogadores criam uma parte central do mundo de jogo (o covenant), incluindo NPCs, e gerem-nos como recursos dos personagens.

Aria, old D&D, AD&D Birthright: os jogadores criam uma parte central do mundo de jogo (domínio, nação, etc) e gerem-no como recurso dos personagens, ao ponto de o jogo se aproximar de um jogo de estratégia (isto quanto ao Aria é uma suposição baseada nas regras, nos outros eu experimentei pessoalmente).

Para mim, estes jogos são tradicionais e não se encaixam na tua definição (nem naquela do GM não aceitar input criativo dos jogadores). O que pensas disto? Achas que eu estou a sobrestimar o input criativo dos jogadores nestes jogos? Ou que estes jogos não são “tradicionais” e constituem uma categoria à parte?

Se concordares com a “categoria à parte”, enfiarias estes jogos no mesmo saco dos jogos da Forge e afins, ou criarias uma categoria separada para eles (estilo híbrido RPG- jogo de estratégia)?

JP

Ahey, :)

O foco no combate ou no PvP não são soluções, são excepções. São precisamente as situações excepcionais em que os jogos tradicionais não se resumem a um jogo de mamã dá licença. Agora, se alguém decidir que o jogo todo é combate e só combate e nada mais que combate, isso já não se encaixa num jogo tradicional. Por outro lado, um bom e velho dungeon crawl é completamente tradicional e completamente mamã dá licença.

Quanto aos exemplos que tu dás de Amber, Ars Magica, oD&D, etc..., eu diria que isso depende da maneira como o grupo de jogo encara esses elementos e do equilíbrio de poder entre o GM e o jogador que criou esses elementos. Se o GM tiver poder de gatekeeper, estamos em mamã dá licença. Se não tiver, estamos em criação partilhada de contexto.

(Aria, bom, Aria parece ser o que tu estás a dizer, mas já leste realmente as regras todas? Eu tive o livro na mão há bem pouco tempo, por boa vontade do Ricardo que mo emprestou, e aquilo é completamente um RPG tradicional. Os jogadores não têm direitos nenhuns de criação de nada. Quem tem de facto esse poder é o "MythGuide", nome pomposo para GM.)

É preciso notar que a minha definição de "RPG tradicional" diz respeito às técnicas observadas à mesa de jogo e não a quem é que vende o jogo. (Ou seja, a minha definição de RPG tradicional não é totalmente congruente com RPG mainstream.)

Como tal, tu dizeres "para mim, estes jogos são tradicionais" tem relativamente pouco significado, pelo menos até tu te voluntariares a emitir a tua própria definição. :)

Quanto aos "jogos da Forge", como categoria, o único significado razoável disso é "jogos indie", ou seja, jogo cujo criador retem a posse do jogo e os direitos de produção. Isso claramente opõe-se a jogos mainstream, mas não está escrito em lado nenhum que um jogo indie não possa ser jogado em modo tradicional. (HeroQuest, anyone?) Como tal, dizer que se um jogo não é tradicional, então é um jogo tipo Forge, ou então é preciso criar uma categoria nova, bom, não faz grande sentido.

Oi,

OK, já percebi as tuas excepções. Se bem que eu não acho que um jogo só focado em combate e nada mais que combate não seja “tradicional” - mas isto tem a ver com a minha “tradição”, isto é, o meu passado de RPGs em que quando se jogava um jogo focado em combate, jogava-se só combate (o resto era assumidamente “côr” e não se considerava “Role-Play”, era uma brincadeira :). Segundo a tua definição, quando eu fazia isto não estava a jogar um jogo tradicional. É isso?

(Estava a confundir as coisas no Dungeoncrawl, criação partilhada de contexto com proactividade dos jogadores, my bad).

Quando ao Amber, oD&D, Ars Magica e Aria: concordo que o facto de o GM ter poder de gatekeeper (que eu interpreto como direito de veto) define se o jogo se encaixa em “tradicional” ou “criação partilhada de contexto”. Joguei os jogos maioritariamente sem poder de veto do GM, mas não sei se porque vinha nas regras, se por decisão do grupo… Tenho que verificar.

(No Aria, sempre assumi que os jogadores criavam uma nação como se fosse um personagem, e que o GM não os podia bloquear - mas posso ter assumido isso só porque para mim é o mais lógico - mas eu não li só o livro base, li também o livro de regras para criar nações)

[quote=“JMendes”]É preciso notar que a minha definição de “RPG tradicional” diz respeito às técnicas observadas à mesa de jogo e não a quem é que vende o jogo. (Ou seja, a minha definição de RPG tradicional não é totalmente congruente com RPG mainstream.)

Como tal, tu dizeres “para mim, estes jogos são tradicionais” tem relativamente pouco significado, pelo menos até tu te voluntariares a emitir a tua própria definição. :)[/quote]

RPGs tradicionais = jogos que eu joguei regularmente no passado - como não temos uma definição de jeito, usei a do dicionário :stuck_out_tongue: Mas sim, provavelmente estava a confundir com RPG mainstream. Vê abaixo.

Estava a falar da “definição corrente” dos “dois lados da cerca” corrente neste site. Para mim, definir “jogo tradicional” e “jogo não-tradicional” serve para clarificar a posição dessa cerca, para as discussões sobre isso não degenerarem em confusão.

Tu tens razão nisto das categorias, porque estás a falar de uma definição baseada em técnicas e relativamente fácil de verificar. Só que se houver muitos jogos mainstream que se encaixem em “jogo não-tradicional”, e muitos jogos indie que se encaixem em “jogo tradicional”, então esta definição de categorias não é útil (acho!) para a discussão sobre os lados da cerca.

Exemplo hipotético (aliás aconteceu-me uma discussão parecida): tu vens dizer que há jogos novos com criação partilhada de contexto, eu digo que sempre joguei com criação partilhada de contexto os jogos antigos, tu dizes que esses jogos antigos não são tradicionais, eu respondo que então os jogos novos não têm nada de novo, e pronto, lá se perdeu o fio à meada.

Daí o objectivo do post anterior: clarificar se o Aria, Amber, Ars Magica, etc. são ou não “jogos tradicionais”, para saber se a tua definição de tradicional me servia ou não :slight_smile:

JP

[quote=“JMendes”]É preciso notar que a minha definição de “RPG tradicional” diz respeito às técnicas observadas à mesa de jogo e não a quem é que vende o jogo. (Ou seja, a minha definição de RPG tradicional não é totalmente congruente com RPG mainstream.)

…snip…

Quanto aos “jogos da Forge”, como categoria, o único significado razoável disso é “jogos indie”, ou seja, jogo cujo criador retem a posse do jogo e os direitos de produção. Isso claramente opõe-se a jogos mainstream, mas não está escrito em lado nenhum que um jogo indie não possa ser jogado em modo tradicional. (HeroQuest, anyone?) Como tal, dizer que se um jogo não é tradicional, então é um jogo tipo Forge, ou então é preciso criar uma categoria nova, bom, não faz grande sentido[/quote]

Bem, aqui vai a minha terceira categoria definida nos teus termos:

  • jogos em que os direitos de criação de contexto não são definidos e são sujeitos a negociação permanente.

Exemplo do Aria. Parece-me mal escrito, e numa altura em que dar poder criativo aos jogadores na parte do setting era novidade. O autor por vezes diz que os jogadores têm todos os direitos de criação, mas por vezes volta atrás e diz que o GM é que sabe. É um exemplo disfuncional da minha terceira categoria, que se poderia chamar de híbrida.

Outro tipo de jogos que poderiam entrar nesta categoria. O GM tem o poder de criar contexto; os jogadores têm o poder de vetar o GM. Ou seja, os jogadores não podem criar contexto sozinhos mas podem impedir o GM de fazê-lo, levando a negociações.

Exemplo (informal) - o GM apresenta a ideia da nova campanha aos jogadores, que exigem uma série de modificações antes de concordarem em jogar. O GM ou as faz ou a campanha não arranca. Isto também se aplica a cenas específicas - o GM chama as cenas, mas se os jogadores não quiserem que elas aconteçam, chapéu.

Utilidade da categoria: acho que é util para malta fazer a transição entre jogos tradicionais e não-tradicionais, conforme definidos pelo JMendes. É uma categoria de jogos que retira poder ao GM sem o dar aos jogadores - faz as coisas pela metade, logo evita o “choque inicial”.

Problema da categoria: todos os jogos que conheço que se podem encaixar aqui (Ars Magica, oD&D, Aria) fazem-no porque têm as regras escritas de modo indefinido. Nunca vi um jogo escrito assim propositadamente.

Serve?

JP

Ahey, :)

[aside]

[quote=jpn](No Aria, sempre assumi que os jogadores criavam uma nação como se fosse um personagem, e que o GM não os podia bloquear - mas posso ter assumido isso só porque para mim é o mais lógico - mas eu não li só o livro base, li também o livro de regras para criar nações)[/quote]

Se estás a falar do Aria Worlds, bof. Aquilo de "regras" tem pouco. Mas principalmente, não está escrito em lado nenhum que os jogadores têm acesso às ditas regras, e que não são só para o GM.

Quanto ao livro de base, aquilo é tudo sobre a criação das personas, e até tem regras para drowning and falling. Eu também estava à espera de melhor. Fiquei desapontado. O Aria é tradicional, all the way.

Mas adiante...[/aside]

[quote=jpn]quando se jogava um jogo focado em combate, jogava-se só combate (o resto era assumidamente "côr" e não se considerava "Role-Play", era uma brincadeira :). Segundo a tua definição, quando eu fazia isto não estava a jogar um jogo tradicional. É isso?[/quote]

Hard to say. Claramente, se no fim de um combate, o pessoal manda umas bocas e prepara-se para o próximo, e se não há mais nada senão combate, nem sequer é fácil chamar a isso um RPG, quanto mais um RPG tradicional. :) (Nota: não é fácil, mas não é impossível; se há imaginação negociada, então é role-play.) A dificuldade está em criar uma "situação" com base em combate atrás combate atrás combate. É difícil saber se os combates têm algum tipo de significado ou não, e na ausência de significado, se constituem uma "situação" ou não.

[quote=jpn]Estava a falar da "definição corrente" dos "dois lados da cerca" corrente neste site. Para mim, definir "jogo tradicional" e "jogo não-tradicional" serve para clarificar a posição dessa cerca, para as discussões sobre isso não degenerarem em confusão.

Tu tens razão nisto das categorias, porque estás a falar de uma definição baseada em técnicas e relativamente fácil de verificar. Só que se houver muitos jogos mainstream que se encaixem em "jogo não-tradicional", e muitos jogos indie que se encaixem em "jogo tradicional", então esta definição de categorias não é útil (acho!) para a discussão sobre os lados da cerca.[/quote]

Fair enough, mas isso levanta uma questão curiosa. A cerca entre o tradicional e o não tradicional é uma cerca legítima, erigida entre duas agendas técnicas completamente díspares e motivada pelos interesses de cada jogador em experimentar ou não experimentar outro conjunto de técnicas e outras maneiras de jogar.

A cerca entre mainstream e indie é no mínimo mal orientada, e no pior dos casos, completamente presunçosa.

Olá,

Obrigado pelas tuas respostas. Concordo plenamente quando dizes que:

Acho a tua definição de cerca baseada em agendas técnicas muito válida, mas muitas vezes não é isso que se discute aquo - tanto que eu tive muitas dúvidas sobre o “meu” lado da cerca depois das discussões que houve aqui.

O que eu estou a tentar descobrir é até que ponto uma certa fatia de jogos mainstream são não-tradicionais, pela tua definição, para saber se a crítica “se não jogas indie então jogas tradicional” é válida ou não.

(Eu não jogo jogos indie e acho que não jogo jogos tradicionais :slight_smile:

Portanto, a minha última dúvida: como é que classificas os jogos em que há criação partilhada de setting e situação inicial, antes do jogo começar, mas depois o GM tem a responsabilidade total? Tradicionais ou não?

Estou a pensar, por exemplo, num jogo em que os jogadores e GM criam o setting em conjunto, e cada jogador cria o background dos personagens - NPCs, issues, etc. - em torno dos quais o GM é obrigado a focar a história. Mas, depois do jogo começar, todo o contexto é fornecido pelo GM.

Isto não define o meu jogo (tens que lhe juntar uma boa dose de “stakes negotiation” e uma dose menor de “scene framing”) mas define o jogo de outras pessoas que eu, até ler a tua definição, teria classificado de jogos tradicionais…

Master, enlighten me :slight_smile:

JP

O tema que o JPN levanta é absolutamente brilhante! Também gostaria de ver lançada alguma luz sobre isto.

Allo, :)

[quote=jpn]como é que classificas os jogos em que há criação partilhada de setting e situação *inicial*, antes do jogo começar, mas depois o GM tem a responsabilidade total? Tradicionais ou não?[/quote]

Borderline. Dependendo de como o setting é usado, isso pode ser shared context creation, ou pode ser apenas um exercício criativo conjunto antes de iniciar o jogo.

[quote=jpn]Estou a pensar, por exemplo, num jogo em que os jogadores e GM criam o setting em conjunto, e cada jogador cria o background dos personagens - NPCs, issues, etc. - em torno dos quais o GM é *obrigado* a focar a história. Mas, depois do jogo começar, todo o contexto é fornecido pelo GM.[/quote]

Isto resolve. O ênfase no obrigado é importante, porque força o trabalho partilhado a fazer parte do contexto. Com esta achega, não tenho qualquer problema em classificar estes jogos como não tradicionais, já que colocam constraints no GM, coisa que a definição de RPG tradicional implica não existirem.

Já agora, não sei se te apercebeste, mas acrescenta-lhe strict conflict resolution e acabaste de descrever o Sorcerer. :)

[quote=jpn]Estou a pensar, por exemplo, num jogo em que os jogadores e GM criam o setting em conjunto, e cada jogador cria o background dos personagens - NPCs, issues, etc. - em torno dos quais o GM é obrigado a focar a história. Mas, depois do jogo começar, todo o contexto é fornecido pelo GM.
[/quote]

Aqui quando dizes “jogo” referes-te ao jogo enquanto produto, o jogo A, B ou C, ou a utilização prática do jogo, a campanha (não gosto muito desta palavra pq me faz lembrar fantasia, mas na falta de melhor termo)? É que eu - enquanto defensor do tradicionalismo - tento (nem sempre com grande sucesso) fazer precisamente isso na maioria das vezes em que começo uma campanha, ou seja, que os jogadores contribuam para a criação do setting, não só através do background do personagem, da criação de NPCs e temas (isto é o mínimo que se pode esperar), mas também ajudando a criar o universo em que a história vai girar. Por falta de tempo e de disponibilidade, suponho eu, a maior parte das vezes isto não acontece e já me satisfaço que me forneçam um background e pistas sobre o que é que cada jogador quer explorar com o seu personagem, mas acho que o ideal seria mesmo que cada jogador partilhasse todo o processo de criação - ainda que depois o mestre de jogo assuma o seu papel tradicional. De qualquer modo, e voltando ao início, nos jogos tradicionais que eu conheço esta parte do processo normalmente não é referida ou é apenas abordada resumidamente. Sendo assim, não sei até que ponto é que nos jogos tradicionais há o apelo ou o repúdio deste tipo de iniciativa. Pelo menos nos que eu conheço acho que é um ponto deixado vago e ao qual cada grupo responde como desejar.

Obrigado, agora sim as coisas estão claras :slight_smile:

É engraçado, mas com esta definição vejo-me obrigado a descrever os jogos de alguma malta que se põe no lado “anti-indie” da cerca, como “não-tradicionais”. Mesmo jogando jogos tradicionais, estes GMs desenham a história em torno do contributo inicial dos jogadores, e não usam de direito de veto.

Fiquei com algumas ideias claras em relação a esta história de jogos tradicionais versus não-tradicionais, comparada com a questão dos “lados da cerca”, que queria debater convosco:

  1. Muitos jogos mainstream podem ser jogados de forma “não-tradicional”, conforme definida pelo JMendes. Isto pode ser feito sem alterar o sistema desses jogos, uma vez que eles são difusos no que toca à obrigatoriedade do GM construir a história em torno dos personagens e seu background e contributos para o setting.

Isto é debatível, claro :slight_smile:

  1. Usando a definição do JMendes, e aceitando o ponto 1, a questão do “lado da cerca” torna-se mais uma questão de agenda pessoal (quais o poder que se cede ao GM) que do sistema que se utiliza.

Não sei até que ponto isto é útil para debater os “lados da cerca”. Estou a ver de repente malta como o Nietszche a passar para o lado dos jogos não-tradicionais… O que não ajuda a compreender os motivos de discussões constantes sobre “tradicional” vs “não-tradicional” neste site :slight_smile:

  1. Parece-me que há uma outra diferença por trás dos debates sobre o lado da cerca - a criação de contexto pelos jogadores “in-game”. Aqui sim, os jogos ditos tradicionais são bastante claros a vetá-lo - durante o jogo, o GM decide, mesmo que depois se discutam os casos.

Mas há jogos novos com uma data de técnicas realmente diferentes (scene framing, shared narration rights, etc) em que o direito de veto do GM ao que acontece “in-game” é retirado. Isto para mim é muito mais claramente “não-tradicional”.

  1. Acho que esta diferença é mais coerente com a posição que alguma malta tem assumido aqui sobre os “lados da cerca”. Principalmente porque muita da malta que se diz tradicional não se revê nos posts “Mother May I”, ou seja, não veta o input criativo dos jogadores no contexto - só o veta durante o jogo.

Comentários? Se acham os pontos acima estúpidos, digam-me porquê :slight_smile:

A minha ideia aqui é centrar o debate em “técnicas inovadoras” vs “técnicas tradicionais” para dar a jogadores e GM input criativo no contexto, dentro da assunção que toda a malta quer que isso aconteça.

Porque, na minha opinião, a malta que quer que só o GM tenha input criativo está muito bem servida pelos jogos tradicionais, mesmo que queira ter jogadores proactivos, o que mete muito ruído no debate.

E eu preferia ver discussões sobre vantagens/desvantagens dos métodos “before-game” e “in-game”, ou seja, sobre o impacte real de jogos inovadores (na sua maioria indie) sobre o modo como a criação de contexto é distribuída pelos jogadores.

O meu post inicial tinha as palavras “como o Sorcerer”, mas retirei-as para não enviesar as respostas - mas sim, estava a pensar nele :):):slight_smile: O Sorcerer é um dos jogo indie que me parece mais fácil de perceber e jogar por jogadores tradicionais. Pena ser tão focado em demónios.

JP

Estou a falar de jogo como campanha. Eu acho que tu, pela definição do JMendes, fazes na maior parte das vezes jogos não-tradicionais no sentido em que centras a história (melhor ou pior) no background dos personagens, e a criação do setting e situação é partilhada out-of-session - por exemplo, quando nos perguntas o que é que vai acontecer agora.

Daí eu ter apresentado uma definição alternativa de tradicional. Acho que a definição “instintiva” de tradicional vs não-tradicional (ou seja, o facto de tu te assumires como tradicionalista) deve ser a mais importante, e a teoria adaptar-se a ela. Senão a teoria corre o risco de, sendo correcta, ser também irrelevante para ajudar a resolver as maiores discussões :slight_smile:

(Eu assumo que isto é postura de engenheiro - claro que há malta que dirá, com toda a razão, que uma teoria que acrescente conhecimento é sempre útil :slight_smile:

JP

[quote=jpn]

  1. Muitos jogos mainstream podem ser jogados de forma “não-tradicional”, conforme definida pelo JMendes. Isto pode ser feito sem alterar o sistema desses jogos, uma vez que eles são difusos no que toca à obrigatoriedade do GM construir a história em torno dos personagens e seu background e contributos para o setting. [/quote]

Concordo plenamente com o que dizes sobre os sistemas tradicionais serem difusos no que toca às contribuições dos jogadores. Mas se é assim, esse tipo de contribuição deveria ser considerada como parte integrante do sistema tradicional, não? Se as regras não proíbem, então permitem…

[quote=jpn]
Estou a ver de repente malta como o Nietszche a passar para o lado dos jogos não-tradicionais… [/quote]

No way! Posso compreender o fascínio, mas não o partilho!

[quote=jpn]
3) Parece-me que há uma outra diferença por trás dos debates sobre o lado da cerca - a criação de contexto pelos jogadores “in-game”. Aqui sim, os jogos ditos tradicionais são bastante claros a vetá-lo - durante o jogo, o GM decide, mesmo que depois se discutam os casos.[/quote]

Não vejo motivo para queimar o cartão de tradicionalista convicto se, mesmo in-game, um mestre de jogo aceitar a colaboração criativa dos jogadores. É tudo uma questão de flexibilidade, ainda que as regras imponham o direito de veto.

[quote=jpn]
4) Acho que esta diferença é mais coerente com a posição que alguma malta tem assumido aqui sobre os “lados da cerca”. Principalmente porque muita da malta que se diz tradicional não se revê nos posts “Mother May I”, ou seja, não veta o input criativo dos jogadores no contexto - só o veta durante o jogo.[/quote]

Digo-me tradicional. Não me revejo. Acho que não veto o input criativo, mas para isso precisava de saber em que contexto o vocábulo “contexto” está a ser usado :wink: É Forgês?

Não estou a dizer que te moverias dum campo para o outro. Estou a dizer que a classificação de tradicional vs. não-tradicional do JMendes te coloca no campo não-tradicional de cada vez que fazes uma campanha em que constróis a história à volta do background dos jogadores :slight_smile: Daí eu achar uma má classificação…

Há uma diferença entre o GM aceitar a colaboração criativa dos jogadores “in-game”, e o GM ser obrigado a aceitá-la.

Diz-me uma coisa, aceitavas que os teus jogadores no meio do jogo dissessem “agora na próxima cena eu estou a conversar com o Sr. X num bar de putas em Singapura”, quando tu já tinhas decidido e dito aos jogadores que o Sr. X tinha sido raptado por Talibans no Afeganistão?

Para mim, a resposta a esta pergunta diferencia um jogo tradicional com GM flexível dum jogo não tradicional. Num jogo tradicional o GM pode fazer a cena, ou dizer “desculpem lá mas o X foi raptado, não pode estar em Singapura!”; mas em alguns jogos não-tradicionais, o GM é obrigado a fazer essa cena e a alterar a história para explicar como é que o Sr. X se safou do rapto, e mandar a história que tinha planeado às urtigas.

Estou a fazer esta pergunta porque acho que neste género de casos tu vetarias sempre o input dos jogadores. Posso estar enganado :slight_smile:

Exemplos semelhantes podem ser desenvolvidos para outras técnicas não-tradicionais que diferenciam GMs flexíveis dde GMs obrigados a fazer o que os jogadores querem, e acho que o JMendes colocou alguns no blogue dele.

JP

[quote=jpn][Diz-me uma coisa, aceitavas que os teus jogadores no meio do jogo dissessem “agora na próxima cena eu estou a conversar com o Sr. X num bar de putas em Singapura”, quando tu já tinhas decidido e dito aos jogadores que o Sr. X tinha sido raptado por Talibans no Afeganistão?

Para mim, a resposta a esta pergunta diferencia um jogo tradicional com GM flexível dum jogo não tradicional. Num jogo tradicional o GM pode fazer a cena, ou dizer “desculpem lá mas o X foi raptado, não pode estar em Singapura!”; mas em alguns jogos não-tradicionais, o GM é obrigado a fazer essa cena e a alterar a história para explicar como é que o Sr. X se safou do rapto, e mandar a história que tinha planeado às urtigas.

Estou a fazer esta pergunta porque acho que neste género de casos tu vetarias sempre o input dos jogadores. Posso estar enganado :)JP [/quote]

Não, não estás enganado! E é uma das razões porque não me interessam os ditos jogos não-tradicionais, não porque tenha alma de tirano, mas porque acho que o controlo que um jogo tradicional permite aos jogadores sobre os seus personagens é suficiente (e com um mestre de jogo flexível) mais do que suficiente) para que ninguém se sinta frustrado. O que não quer dizer que isso não aconteça. Mas nada é perfeito…

NOTA: esta discussão parece-me off-topic, mas como o Rui disse que estava interessado em ver os resultados…

E no entanto, quando constrois a história toda em torno do input dos jogadores antes do jogo, estás a fazer um jogo não-tradicional segundo a definição do JMendes, que é baseada na tua própria definição :slight_smile:

Mais uma vez, digo que é capaz de ser uma má definição… E que prefiro a minha, que divide entre “GM controla a criação de contexto in-game” (tradicionais) e “Criação partilhada de contexto in-game” (não-tradicionais).

(Qual é o Forgês para “in-game”?)

Esta definição de jogos não-tradicionais engloba a maior parte das técnicas que o JMendes fala no seu blogue - shared narration rights, scene framing, stakes negotiation - sem incluir métodos que tradicionalmente são usados em muitos grupos para dar criação de contexto aos jogadores, fora da mesa.

Além disso tira alguma da carga negativa à designação de “tradicional”, uma vez que os tradicionalistas já não têm que vir dizer “mas no meu jogo os jogadores têm input criativo”. A questão não é se têm, é como têm: antes da sessão a conversar com o GM, ou na hora, quando lhes dá na cabeça?

Que achas disto?

JP

Ahey, :)

[quote=jpn]Mesmo jogando jogos tradicionais, estes GMs desenham a história em torno do contributo inicial dos jogadores, e não usam de direito de veto.[/quote]

Não te estiques. Lá porque a mamã dá sempre licença, o jogo continua a ser mamã dá licença. Ou seja, lá porque os GMs não usam o direito de veto, não quer dizer que não o tenham. Para continuar o teu exemplo Sorcerer, a "parte de trás da folha de personagem" faz parte integrante das regras do jogo. O jogo obriga-te a usar essa técnica. Se não o fizeres, estás a driftar. Daí o ênfase no *obrigado*.

Noutros jogos, principalmente aqueles que advogam a impossible thing before breakfast, o GM faz o que lhe der na bolha a seu bel-prazer. Mais, quanto mais flexível é o GM e quanto mais adepto nas técnicas de ilusionismo, mais difícil é ultrapassar o denial e perceber que, de facto, o jogo dele é um gigantesco jogo de Mother May I, mesmo que ele sistematicamente diga que sim aos jogadores.

[quote=jpn]1) Muitos jogos mainstream podem ser jogados de forma "não-tradicional", conforme definida pelo JMendes. Isto pode ser feito sem alterar o sistema desses jogos, uma vez que eles são difusos no que toca à obrigatoriedade do GM construir a história em torno dos personagens e seu background e contributos para o setting.[/quote]

Sim, muitos jogos mainstream podem ser jogados de forma não tradicional, mas não, isso de um modo geral leva a alterações da estrutura de jogo. Lá porque os jogos não têm escrito especificamente que os jogadores não têm acesso à criação de setting, não quer dizer que não o proibam implicitamente, já que dizem explicitamente que o GM é responsável pelo setting.

Se o GM decidir aceitar as contribuições dos jogadores após análise, isto não é mais que uma escolha, mesmo que consciente e consistente da parte do GM. Se o GM anunciar a priori que os jogadores vão ter direito a criar elementos e que o GM se vai obrigar a si mesmo a focar a história nesses elementos, isso constitui uma clara e inapelável alteração à estrutura do jogo.

[quote=jpn]2) Usando a definição do JMendes, e aceitando o ponto 1, a questão do "lado da cerca" torna-se mais uma questão de agenda pessoal (quais o poder que se cede ao GM) que do sistema que se utiliza.[/quote]

Já aqui estou completamente de acordo contigo, com a ressalva que System Does Matter. Ou seja, quem tem de facto uma agenda pessoal (criativa ou técnica) fica melhor servido com um jogo que a suporte.

Ou melhor, pelo menos, espero que assim seja. Se não fôr, estamos naquela onda da cerca entre mainstream e indie... :(

[quote=jpn]3) Parece-me que há uma outra diferença por trás dos debates sobre o lado da cerca - a criação de contexto pelos jogadores "in-game". Aqui sim, os jogos ditos tradicionais são bastante claros a vetá-lo - durante o jogo, o GM decide, mesmo que depois se discutam os casos.[/quote]

Não compro. Não me parece que haja pessoal a defender acerrimamente o tradicional, mas que depois se obrigue a priori a construir uma história em torno dos elementos criados pelos jogadores, ao mesmo nível que o faria em Sorcerer, incluindo abdicar total e incondicionalmente de todo e qualquer direito de veto enquanto GM. (Ou seja, relegar-se para a posição de mero jogador.)

Posso estar enganado, mas ficaria claramente surpreendido.

[quote=jpn]4) Acho que esta diferença é mais coerente com a posição que alguma malta tem assumido aqui sobre os "lados da cerca". Principalmente porque muita da malta que se diz tradicional não se revê nos posts "Mother May I", ou seja, não veta o input criativo dos jogadores no contexto - só o veta durante o jogo.[/quote]

Bof! Quem joga tradicional mas não se revê nos posts de Mother May I, ou está no campo 2 (denial), ou descobriu o El Dorado dos RPG. Se fôr o segundo caso, é favor partilhar! Se fôr o primeiro, paciência, não posso fazer mais nada por eles que o que já fiz...

[quote=jpn]A minha ideia aqui é centrar o debate em "técnicas inovadoras" vs "técnicas tradicionais" para dar a jogadores e GM input criativo no contexto, dentro da assunção que toda a malta quer que isso aconteça.

Porque, na minha opinião, a malta que quer que só o GM tenha input criativo está muito bem servida pelos jogos tradicionais, mesmo que queira ter jogadores proactivos, o que mete muito ruído no debate.

E eu preferia ver discussões sobre vantagens/desvantagens dos métodos "before-game" e "in-game", ou seja, sobre o impacte real de jogos inovadores (na sua maioria indie) sobre o modo como a criação de contexto é distribuída pelos jogadores.[/quote]

Esse teu propósito é nobre, mas temo que os threads seriam sempre invadidos pela malta em denial a querer defender-se activamente e a justificar a sua posição.