Superar "a party" como elemento de design

Texto:

Na grande maioria dos RPGs - por indicação explícita ou pelo que está implícito numa omissão - a party é usada como elemento essencial para estruturar a sessão de jogo. Este grupo representativo de todos os participantes avança linearmente através de um plot comum, mantendo a presença de cada um em quase todas as cenas e uma natural distribuição do tempo de sessão. Com o chamado "party mode" a funcionar quase não é necessário falar de dividir a história em cenas. O grupo é uma unidade que avança perfeitamente de A a B passando por todos os pontos intermédios, decidindo o seu percurso passo-a-passo, de acordo com um mínimo denominador comum.

Nesta estrutura, a ideia de "party mode" determina o andamento da sessão mesmo quando a própria party está separada. Quando isso acontece, formam-se "mini-parties" que se comportam exactamente como a original, continuando a jogar todos os pontos de A a B, dividindo o tempo de sessão até que todas as mini-parties percorram essa distãncia/tempo. Daqui resulta que - se o "party mode" é, de facto, extremamente eficaz a estruturar a sessão quando os protagonistas estão juntos - tal não acontece quando o grupo está separado.

Quando a party está separada - presupondo que não há multitasking em RPG tabletop - vários factores podem perturbar a sessão:

  • Quantos mais jogadores participarem, mais tempo demora a que cada um tenha a sua vez de jogar e menos tempo se avança em sessão.
  • Para cada jogador que está em cena, a maioria do grupo apenas assiste à sessão sem ter forma de participar.
  • Sendo o ritmo da história da party afectado, os jogadores sentem-se pressionados a despachar as suas cenas ou sentem que acontecem poucas coisas em sessão.

Perante estas possíveis falhas, há que decidir, em termos de design, se vale a pena utilizar o "party mode" ou não. Se se optar por manter a estrtura em party, existem várias soluções para a existência destes problemas:

Em Wraith the Oblivion - um jogo de intenso drama e roleplay pessoal - a ideia de party mantém-se mesmo quando os protagonistas têem imenso para jogar sozinhos. Para que isso não se torne contraproducente, os designers introduziram a ideia de uma "shadow", um alter-ego que acorda na consciência de um fantasma e que constitui o seu lado negro. O controlo sobre este alter-ego é atribuído não ao mestre-jogo, mas a outro jogador, de forma a que, em qualquer cena, pelo menos dois jogadores estão envolvidos.

Em Dogs in the Vineyard, a ideia de party está inerente ao setting - grupo de cowboys paladinos andando de cidade em cidade - mas o jogo não precisa dela para estruturar a sessão. As cenas são movidas pela apresentação de conflitos e o sistema de resolução fá-las avançar independentemente de o grupo estar junto ou não.

Em Exalted, não é que o sistema de resolução ajude a que as cenas passem mais depressa, nem está nas regras a possibilidade de um jogador que não está lá poder participar, mas existe em toda a apresentação do jogo a intenção de tornar cada cena num espetáculo que seja divertido mesmo para quem só está a assistir. Todos os personagens (incluindo NPCs) são recompensados por cada Stunt - acção fora-de-série descrita de forma espectacular - que quiserem tentar.

Por outro lado - e é esta a questão que queria levantar com este artigo - também será possível passar ao lado do tradicional "party mode" e criar uma outra forma de ajudar a estruturar a sessão? Alguns possíveis exemplos são:

Em My Life with Master, era muito fácil forçar a ideia de party - vocês todos trabalham para o mesmo mestre - mas o autor nunca foi por aí. Simplesmente sugere que a sessão seja estruturada em cenas que são sugeridas alternadamente pelo mestre-jogo ou por cada um dos jogadores e que cada cena seja resolvida rapidamente com um sistema de resolução que prevê todas as situações possíveis. É o que eu chamo de "nutshell approach". O jogo está tão focado, tão focado que se resolve a ele próprio.

Em Primetime Adventures não existe setting propriamente dito, pelo que o livro em si é uma explicação detalhada de como é suposto organizar a sessão numa estrutura inspirada nas séries de televisão. O party mode só existe se os jogadores insistirem nele.

Em Kayfabe acontece o contrário, é pelo setting em si - roleplay de wrestling - que não existe party. O jogo explica como a sessão se deverá estruturar, havendo basicamente só três ou quatro tipos de cenas ordenadas para culminarem no main event.

De que outras maneiras se poderá superar "a party" como elemento estrutural da sessão? Se ela não é sempre um dado adquirido, o que se deverá ter em conta antes de procurar criar outra estrutura? E como a criar?


Pois, a grande utilidade do sistema de party é melhor ou pior garantir que todos os jogadores participam de forma igual (ou pelo menos constante) durante a sessão de jogo. Podem nem estar a fazer nada de especial, mas ao menos estão lá a interagir (espera-se) com alguma coisa, e têm algum investimento emocional com o que se está a passar (especialmente se a party estiver em perigo, eheh, pois assim eles estão em perigo).

A chave para substituir a party é, parece-me, criar condições para que os jogadores tenham participação igual e constante durante todo o jogo sem que os personagens tenham de andar em grupo para todo o lado, até para irem à casa de banho.

Uma das soluções mais simples nos jogos que me têm passado pelas mãos é reforçar o papel de “audiência” dos jogadores que não têm personagem na cena. Sorcerer, PTA, e muitos outros que funcionam sem party encorajam toda a gente que está de “fora” a chegar-se para dentro, aplaudindo, ficando em silêncio espantado, assobiando, comentando, sugerindo, participando, e em geral vibrando com a coisa. Não só aquelas cenas se tornam também deles como puxam pela(s) pessoa(s) que de facto está(ão) a jogar um personagem; melhor do que fazer roleplay, é fazer roleplay sabendo que os nossos amigos estão a absorvidos no nosso roleplay, e a sentir um bom bocado daquilo que o nosso personagem sente.

Isto é um ponto altamente importante. É a razão porque os filmes de cinema, as séries de TV, as peças de teatro e os livros de ficção nos agarram. Se aguentamos 3 horas a ver certos filmes sem pudermos mexer um dedo para interagir com eles, acho que também aguentamos um quarto de hora no nosso roleplay favorito sem termos lá o nosso personagem mas interagindo à mesma com a cena através de ideias, sugestões, ou apenas vendo a cara de desespero do nosso amigo jogador/PC quando lhe lembramos do buraco em que está metido.

Mas isto é só o início. Quase todos estes jogos incluem mecânicas que nos permitem influenciar directamente as cenas onde não estamos presentes (Fan Mails, dados de bónus e outros tipos de “moeda”). Estamos sempre a jogar, mesmo que o nosso personagem não esteja lá.

Mais, os jogos também estimulam ou até criam mecânicas directas para que outros jogadores incorporem o nosso “trabalho” nas suas cenas, e assim costuma haver alguma coisa em jogo para nós nas cenas pessoais dos outros, e do desfecho delas pode depender muita coisa que nos diz respeito directamente.

E tal como há técnicas para construir uma história/mistério/aventura/campanha que faça isto ou aquilo, que caminhe assim e assado e desemboque num clímax, etc, também há técnicas de ir assentando os tijolos na história de vários protagonistas simultâneos de forma que mantenha toda a gente agarrada ao assento o tempo todo. O Ron Edwards documentou algumas (Bob, Cross, Weave, a função da Humanidade) na linha de Sorcerer, mas cada um que se dedique ao problema pode encontrar mais. Só vendo alguns episódios de séries de TV com olhos de ver (muitas vezes tanto faz se é uma comédia, drama, acção, etc) já se aprende o essencial.

Ah, e isto lembra-me que uma outra técnica ultra-importante é um Scene Framing mais agressivo que o habitual. Já que vamos ter um jogo em que parte do tempo nem toda a gente está a jogar um personagem… mais vale cortar/limitar a palha e focarmos a maioria da nossa atenção e tempo de jogo no material mais interessante.

Um jogo que acho que resolve isto muito bem é o Capes.

Como existe um gigantesca flexibilidade de interpretação de PCs, todos os jogadores estão sempre envolvidos em todas as cenas.

Exemplo: A Liga da Justiça volta de um combate esgotante contra um Grande Mau. Chegados à base o Batman decide voltar para Gotham sozinho e resolver um problema com os mafiosos locais.

Com a flexibilidade que do Capes, o jogador que está a jogar o Batman pode ir resolver este problema com o seu PC enquanto os outros escolhem outros PCs para interpretar durante essa mesma cena, estando assim igualmente envolvidos mesmo que os seus "personagens principais" não estejam, em vez de tanto o jogador do Batman ter que esperar por uma sessão pessoal para resolver o problema dos mafiosos ou os outros jogadores terem que ficar à espera que o outro o faça na sessão para poderem voltar a jogar.

Percebo que a filosifia do Capes possa não ser a que mais apele a todas as pessoas, mas talvez um meio termo entre esta solução e outra menos flexível possa funcionar para manter constantemente todos activos durante a sessão inteira.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Outra solução possível é criar um grupo de personagens em vez de uma party.

Diferença:
- Um grupo de personagens é composto por PCs que não tendo todos necessariamente a mesma agenda, estão de algum modo relacionados e as suas ambições passam pela interacção entre si ou afectam os outros PCs.

Exemplo:
Na crónica de TSoY que corri, o PC do Ricardo estava apaixonado pelo da Raquel, embora ela não lhe ligasse nenhuma, e era espião para a sua irmã que a queria derrotar por outro lado o PC da Raquel estava a tentar casar para se puder tornar candidata ao lugar de Chefe da família.

Portanto aqui temos dois PCs que não trabalham para atingir um mesmo objectivo comum, mas cujas agendas e ambições se vão cruzar constantemente ao longo das sessões e atrair as atenções dos jogadores mesmo quando não são os seus PCs a jogar, porque as acções de uns vão ter consequências sobre eles.

Normalmente também facilita o trabalho ao GM porque permite arranjar material mais facilmente para atirar para os jogadores, mesmo quando uns são mais pró-activos do que outros.

Exemplo:
Na última sessão de TSoY quando perguntei aos jogadores o que é que eles queriam fazer, o Ricardo chegou-se logo à frente com umas coisas que queria fazer, a Raquel não, por isso tivemos quase 20min a jogar só com o Ricardo e a Raquel a ver.

Pouco tempo depois voltei a fazer a pergunta, novamente apenas o Ricardo se chegou à frente, mas desta vez como tinha reparado no que aconteceu anteriormente e não queria que se repetisse, ao mesmo tempo que resolvia as acções do Ricardo peguei no facto dele ter feito questão que todo o pessoal do navio soubesse que ele já tinha dormido com a chefe para atirar para cima da Raquel um "engate" por parte de dois guardas.

Assim estivemos a saltar de PC para PC, nunca nenhum tendo ficado muito mais que 5min a fazer nada e quando estavam o que se estava a passar ao lado era interessante de ver porque os envolvia de modo indirecto.

Problemas deste tipo de solução:
- Pode gerar PVP directo ou indirecto, que nem sempre é apreciado por todos os jogadores;
- Requer que os jogadores não se importem em obter conhecimento OOC;
- Obriga o GM a estar sempre atento a quem não está a fazer nada e "atirar-lhes" com algo para cima e conseguir gerir os saltos de tempo entre jogadores, isto torna-se mais fácil em grupos pequenos de 2/3.

Nota pessoal:
Tirando o PTA, que trás isto na estrutura da sua construção de história, uma sessão dedicada a um jogador, norma geral acho saudável evitar sessões que sejam apenas sobre um dos PCs e quando/se tiver que acontecer que envolva todos os outros PCs também, de modo directo ou indirecto.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

E o pessoal ainda se interroga para que é que serve o Actual Play?

Em grande, Diogo! É exactamente de algo assim que eu falava, mas tens o exemplo perfeito, que é real e ainda melhor de há poucas semanas atrás. Aqui temos tudo a bombar a 500% porque foi assim que criámos (ou pelo menos eu criei) as coisas de raiz; para os ratilhos se acenderem uns aos outros e as detonações causarem reacções em cadeia. Têm sido umas sessões incríveis.

É por estas e por outras que fazer os PCs em conjunto, à mesa, rula! Esforço-me por fazer isto em qualquer jogo que participe, seja ele qual for; ainda na última campanha de Kult me diverti à brava porque desenhei o meu personagem para picar e ser picado pelo do Zé/Verbus, e foi um fartote de diversão; espero que ele tenha gostado tanto como eu. Espero conseguir o mesmo com este novo personagem de Kult que estou a criar; desta vez vou tentar meter-me com o personagem do Diogo, mas se conseguir arranjar também algum ângulo com o do Zé, força.

Anyway, não acho que “grupo” seja a melhor forma de descrever isto, eheh. É algo que merece um nome mais específico! :slight_smile:

Quando às desvantagens… o PVP é quase um requisito para os melhores jogos destes. É como um motor de movimento perpétuo, em que os PCs se picam uns aos outros, se estimulam uns aos outros, se mantêm em movimento uns aos outros, etc… não é aquele PVP em que os PCs/Jogadores se páram, bloqueiam, impedem e matam uns aos outros.

Bom, o que queria mesmo dizer é que, ainda quanto ao PVP, vale a pena lembrar que, uma vez que estes jogos normalmente funcionam à base de stakes e incluem negociação de stakes, a extensão da vitória/derrota é determinada e negociada antes, portanto é PVP “na boa”. Eu sou um gajo “mariquinhas” e não gosto de competição e tal, e não me importo nada com estes jogos, antes pelo contrário. :slight_smile: O JMendes também tem algures um post no blogue dele em que fala do mesmo; ele antes era totalmente anti-PVP (viu muitas campanhas acabarem mal por causa disso), mas com stakes & negotiation nunca há bad blood a correr debaixo da ponte. É claro que se estivermos a jogar entre amigos e toda a gente, especialmente o GM, for da nossa confiança, também nos podemos sentir igualmente confortáveis.

Agradeço as respostas - felizmente que conheço as virtudes dos jogos que referiram - mas neste thread estava a esticar um pouco mais a corda e a pedir que tentassem imaginar essas soluções de um ponto de vista de design, ou seja, o que fazer para criar um RPG novo. Nessa perspectiva, tinha algumas questões/comentários:

Jogar pelo tal grupo de personagens parece complexo, pois é dar uma no cravo e noutra na ferradura. Por um lado, tentas convencer os jogadores que não há party; por outro, pedes-lhes que criem personagens em conjunto. É engraçado porque é primeiro dizer "vocês não andam todos atrás da mesma coisa", mas depois lembrar que "devem se interessar pelo que os outros andam atrás, para que a vossa história se cruze com a deles". Tendo em conta estas nuances, valerá a pena incorporar no sistema uma forma de criar o tal grupo de personagens? É apenas um relationship map?

Outra dificuldade é que - como o Red falou no seu exemplo - os jogadores nem sempre têem ideias para fazer avançar o plot a partir dos seus personagens. Na minha experiência como mestre-jogo, muitas vezes sou quase forçado a criar um party plotline muito simplesmente porque não há nada que a personagem se lembre que queira fazer. Valerá a pena tentar ajudar a iniciativa de cada personagem a partir do sistema?

Outra questão é que as abordagens que o ric e o Red referiram são excelentes, mas pressupõem uma certa sofisticação teórica que muita gente não está disposta a aceitar. Superar a party passa necessariamente por dar maior controlo aos jogadores sobre a história, por ser necessário ter uma atitude imersiva (actor's stance) mais espaçada e/ou por forçar o jogador a negociar a criação do seu personagem?

Uma coisa nada tem a ver com a outra. De resto, se os jogadores vão andar a fazer as suas próprias coisas individualmente, então ainda mais obrigatório se torna NÃO criar os personagens individualmente num vácuo. Não é contradição nenhuma.

E também não quero convencer ninguém de nada; se os jogadores quiserem andar em grupo, ei, força. :slight_smile: É esse aqui o problema?

É que os jogos de que se falaram são jogos que giram à volta dos particulares de cada personagem como a Terra em torno do Sol e que, por causa disso, procuraram desenvolver um sistema de jogo que mantenha toda a gente interessada todo o tempo. Não são jogos destinados a forçar, educar ou sequer demonstrar comportamentos.

É tão simples como este parágrado de TSOY:

[…] The character concept cannot be generated in a vacuum, however; characters must fit together with a certain zest that makes them click, little motors ready to feed off each other. […] There’s not a set process for how concept generation works, but it should be done as a group, in a relaxed atmosphere, preferably with whatever gets your imagination flowing, whether that be coffee, beer, music, or whatever else. Talk amongst each other, and don’t think of your idea as sacrosanct: take suggestions from other players and give them back. Remember that in creating these characters, you create the landscape in which you will play.

Easy as pie.

Acho que é fácil para alguém, especialmente os jogadores ditos “experientes” que normalmente se estão nas tintas para a conversa de chacha porque ninguém precisa de os ensinar a jogar um RPG, deixarem escapar o quão importante é isto (e provavelmente o quão diferente é isto, se estão habituados a outro tipo de jogos).

Não sei se estão bem a ver o poder disto. Não estamos a falar de criação de personagens na mesma sala, estamos a falar de criação de personagens em conjunto. O teu personagem acaba por ter tambem algo de meu, algo que te interessou tanto a mim como a ti; obviamente que eu quero saber o que se vai passar com ele também, não só com o meu personagem. Releiam a última frase do texto de TSOY; alguém ia pensar em meter-se num jogo cujo setting o aborrecesse? Também não me quero meter num jogo focado nos personagens se os outros personagens forem “meh”, obrigado.

Bom, eu sou dos jogadores menos pró-activos (ou seja lá o que for que lhe chamam na actualidade) que conheço e em TSOY estive irreconhecível; uma olhadela às minhas Keys na folha de personagem e tinha logo algo para fazer, ainda por cima ganhando XP por isso. Incrível! Não funcionará para toda a gente, nada nunca funciona, mas é um exemplo prático de como vale a pena!

De resto, e desde que estejas a fazer flag-framing - direccionando o jogo para os interesses concretos dos teus jogadores - não podes estar a fazer nada de mal. O assunto desta discussão toda surge justamente porque costuma ser complicado bater em todas as flags com uma plot única que envolva toda a gente todo o tempo e em simultâneo. Só isso.

Não percebi que sofisticação é essa, eheh. Queres elaborar?

São boas perguntas… boa sorte com as respostas! :slight_smile:

Mas só para manter a perspectiva: alguém aqui ainda se lembra do tempo em que toda a gente recomendava pelo “realismo” mandar os jogadores para fora da sala quanto os seus personagens não estavam presentes para ouvir as conversas e/ou presenciarem os eventos, e quando o GM deixava metade da party num lado e ia jogar com a outra metade para a cozinha? Seja lá quais forem as vossas soluções para o que se discute neste tópico, serão menos “secantes” do que ficar total e completamente fora do jogo durante n tempo. Ver um nosso amigo, camarada, a divertir-se à brava enquanto faz o seu roleplay vai ser sempre mais interessante que isso. Se a personagem dele for interessante (ajudem-no a torná-la interessante para vocês!) e o GM souber fazer o seu papel de acender fogo no rabo dos personagens, vai ser tão bom como assistir a um filme; e então se houver alguma interactividade possível, tanto melhor. :slight_smile:

[quote=ricmadeira]se os jogadores vão andar a fazer as suas próprias coisas individualmente, então ainda mais obrigatório se torna NÃO criar os personagens individualmente num vácuo. Não é contradição nenhuma.[/quote]Não disse que era, disse que era uma nuance que podia ser talvez mais fácil de ser reconhecida pelos jogadores se fosse integrada, de alguma forma, no sistema.
[quote]Não são jogos destinados a forçar, educar ou sequer demonstrar comportamentos.[/quote]Não estou a põr em causa PTA ou TSoY, mas queres talvez me responder de um ponto de vista desligado deles? É que, para um autor de RPGs, é possível considerar precisamente essas três abordagens.

Pegando num exemplo que já usamos, eu posso chegar à conclusão que o meu cliente, para o seu trabalho de bricolage, ficaria mais satisfeito com o resultado final se usasse parafusos em vez de pregos. Para chegar até lá eu posso - usando as tuas palavras:

forçar - retiro os pregos do mercado fazendo que bricolage implique obrigatoriamente parafusos

educar - incluo um folheto com uma explicação detalhada das vantagens de um parafuso

demonstrar - dou-lhe uma chave de parafusos para a mão

Em termos de RPG, eu sou da opinião que o sistema deve ser a chave de parafusos, ou seja, é um instrumento que, ao ser usado, explica-se a ele próprio, educa o jogador e convence-o que se diverte mais assim. Por isso, sim, estas três palavras são aplicáveis ao design de um jogo. Demonstrar é o "show, don't tell" que mostra ao "cliente", na prática, o que é possível fazer. Educar é a forma como, usando o sistema, o jogador aprende novas maneiras de jogar. Forçar é o momento em que o "cliente" convence-se a ele próprio que sempre se diverte mais jogando assim.

Voltando ao exemplo, se player-controlled-scene-framing é o teu parafuso, há que reconhecer que PTA, TSoY ou MLwM são chaves de fendas de diferente usabilidade. Na minha experiência, nesta questão, MLwM é melhor que PTA, pois demonstra-se a ele próprio e quase não necessita de ser explicado, ou seja, o sistema, nesta vertente, é melhor, basta ser usado.

De facto, acho que a parte crucial do design de um jogo não é a declaração de intenções. É a forma como esses propósitos são concretizados, de forma a que quando o jogo for usado eles são naturalmente comunicados ao "cliente".

Por isso, peço-te que não interpretes as minhas questões como "mas isso tudo é possível? alguma vez funcionou?", para me responderes com uma citação de PTA. Eu sei que funciona, o jogo está feito e eu até gosto dele. O que eu estou a questionar é o caminho que leva até à criação de um RPG - é o tema deste grupo afinal - com a descoberta das opções a tomar.

[quote]De resto, e desde que estejas a fazer flag-framing - direccionando o jogo para os interesses concretos dos teus jogadores - não podes estar a fazer nada de mal. [/quote]Lá está, isto é GM-advice. Imagina antes que estás tu a escrever o RPG e tentar ajudar o GM a fazer esse flag-framing sem necessariamente lhe explicares o que é uma flag. Vais usar as tuas regras para isso?

[quote]Não percebi que sofisticação é essa, eheh. Queres elaborar?[/quote]Tens vários exemplos neste site. Da minha experiência, a maior parte dos jogadores que conheço jura a pés juntos que só actor's stance ("imerssão") é que é roleplay e que o objectivo é estar o máximo de tempo possível nessa stance apenas. Outros, dir-te-ão que um gamist não é um verdadeiro roleplayer ou que bassplaying simplesmente não funciona porque a história tem de pertencer toda ao mestre-jogo e cada personagem a cada jogador. Outros ainda te dirão que já lhes é muito difícil terem ideias para as suas personagens, quanto mais para as dos outros.

A questão que eu estava a levantar pegava na ideia de superar a party como um parafuso à procura de chave de fendas. Vais-me dizer que estas pessoas estão condenadas a jogar RPGs sempre da mesma maneira? Eu acho que é só uma questão de desenhar a chave de fendas certa.

[quote=Rick Danger][quote]Não são jogos destinados a forçar, educar ou sequer demonstrar comportamentos.[/quote]Não estou a põr em causa PTA ou TSoY, mas queres talvez me responder de um ponto de vista desligado deles? É que, para um autor de RPGs, é possível considerar precisamente essas três abordagens.[/quote]

Limitei-me a constatar algo sobre os jogos que estamos a discutir, nada mais.

Toma o PTA, por exemplo, que nasce na cabeça do autor como um RPG Firefly não-oficial. E o que é que os personagens fazem em Firefly? Andam todos juntos, de um lado para o outro, trancados numa pequena nave, a fazerem missões como uma party qualquer. :)

Não há nada de errado com isso, e embora o jogo possa lidar com situações bem diferentes, não te são forçadas em cima, antes pelo contrário (salvo erro, o livro recomenda "equipas de protagonistas" para quem está a começar). Mas hás-de te aperceber delas, e até evoluir naturalmente para elas, como nos aconteceu em Dirtside, pois quando aparecem as decisões difíceis ninguém vê a coisa exactamente da mesma forma e as posições podem acabar por se extremar.

Anyway, era isso que estava a dizer. Que se queres algo destinado a forçar/educar/demonstrar neste ponto específico, tens de ir procurar noutro lado que não nestes jogos específicos.

E isto lembra-me... que pensas do Mountain Witch? É mais um jogo em que o grupo começa com uma party mas em que o sistema se encarrega especificamente de tentar criar rifts entre os personagens e os tentar separar uns dos outros.

[quote=Rick Danger]Tendo em conta estas nuances, valerá a pena incorporar no sistema uma forma de criar o tal grupo de personagens? É apenas um relationship map?[/quote]Acho que estamos um bocado a perder o foco da discussão, por isso vou colocar umas quantas perguntas para tentar perceber do que é que estamos a falar:

1) Estás a tentar discutir um sistema genérico para relação entre personagens ou algo específico para um jogo (neste caso é o Shinigami?)?

2) Procuras um sistema central para o jogo, ou seja, tornar o jogo sobre as relações entre os personagens ou algo que também faz parte do jogo para além do seu centro?

3) Queres um sistema que suporte e seja sobre as relações entre os PCs e transmita essas dinâmicas, que de certo modo quebre o paradigma da party ou procuras um sistema que permita ao jogo gerir as histórias paralelas dos PCs (sejam eles uma party ou não)?

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

[quote=RedPissLegion]Acho que estamos um bocado a perder o foco da discussão, por isso vou colocar umas quantas perguntas para tentar perceber do que é que estamos a falar:(…)[/quote]Estava a perguntar como é que se pode fazer um jogo em que a ideia de "party" não seja essencial. Esta questão interessa-me em geral e não apenas para o jogo mais recente que estou a fazer. Acho que a discussão perdeu-se um bocado, porque a resposta do ric foi "joga/mestra PTA ou TSoY e boa sorte com o resto" :slight_smile:

Não, eu dei-te exemplos de como os jogos onde “a ideia de party não é essencial” que mestrei e joguei lidam com o assunto. Não ofereço mais porque não joguei mais. :slight_smile:

Tu é queres ir mais longe; parece-me que não queres um jogo onde “a ideia de party não é essencial” mas sim um jogo que force os jogadores a abandonarem esse comportamento para explorarem outras alternativas e verem os seus horizontes abertos. E quanto a isso é que digo, não estou a ver nenhum jogo criado com essa característica em mente.

Já falei no The Mountain Witch, não sei se te enche as medidas nesse aspecto. O Diogo já falou no Capes. E posso também mencionar o Polaris… nesse não há party, mesmo, joga um PC uma cena de cada vez enquanto os outros três jogadores dividem as funções de GM, mas acho que não é bem o tipo de solução que tinhas em mente, eheh.

[quote=ricmadeira]Não, eu dei-te exemplos de como os jogos onde "a ideia de party não é essencial" que mestrei e joguei lidam com o assunto. Não ofereço mais porque não joguei mais. :)[/quote]Eu acho que fui claro em dizer que não vem aqui ao caso os RPGs que jogamos, mestramos ou lemos ou ainda não. Estou a falar da criação de um jogo. Novo.

Entretanto, também já enderecei a questão do "forçar", por favor releiam-me :)

Acho que a conversa se tornava mais produtiva se tivéssemos umas balizas concretas de aplicação destas ideias num determinado jogo (não necessariamente o Shinigami), mas tentemos.

Irei debicar exemplos de vários sistemas para mostrar como é que algumas destas ideias funcionam na prática.

Definir claramente os ganhos mecânicos de têr PCs a ajudarem outros PCs, e estes devem ser baixos. DRYH é suposto ser um jogo sobre isolamento e paranóia, por isso o ganho em ter 2 ou mais PCs a ajudarem-se é muito baixo, adicionas 2 dados...

Se tornares mecanicamente a ajuda entre PCs algo com vantagens reduzidas ou nulas, no limite desvantajosas, os jogadores vão sentir-se menos tentados para resolver as coisas em grupo.

Um mapa de relações não me parece má ideia de todo, antes da campanha começar o jogo pode pedir aos jogadores que criem um mapa onde estão representados algumas "coisas" que estejam ligados a eles, pessoas, ideais, locais, etc. (ver exemplo do Hero's Banner).

Para além disso pode exigir (em vez de aconselhar) que este mapa ligue todos os PCs uns aos outros (ver exemplo do Mortal Coil).Se quiseres ainda explorar melhor esse mapa até podes atribuir-lhe considerações mecânicas, por exemplo como o DitV usa as Connections (acho que é esse o nome).

Pegando na ideia do scene framing podes também pedir uma cena por sessão que oponha directamente duas coisas que sejam importantes para dois PCs e ver o que acontece (é importante não haver resposta para isso).

O melhor que posso aconselhar é isto:
- Minimizar o efeito mecânico de ter PCs a ajudarem-se;
- Aumentar os benefícios, seja através de história ou recompensas mecânicas, de haver conflitos entre os jogadores.

Espero que ajude.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

[quote=RedPissLegion]Acho que a conversa se tornava mais produtiva se tivéssemos umas balizas concretas de aplicação destas ideias (...)Espero que ajude.[/quote]Ajuda sim, estou a tomar nota.
Falando especificamente de uma possibilidade, eu tenho estado a pensar em como ajudar à criação de personagens em grupo e nas vantagens a tirar disso:

Podes definir e orientar os objectivos/motivações dos personagens, nao para que sejam necessariamente comuns (até se pode pedir que não sejam), mas que se cruzem ou se complementem. O ric já falou disto.

Podes participar na criação de todos os PCs e, por isso, estás mais interessado naquilo que lhes acontece. O ric já referiu que isto acontece, não sei se vale a pena ser apoiado pelo sistema.

Podes, de facto, criar um r-map entre o grupo de personagens, coisa que já acaba por acontecer numa party tradicional. Talvez seja mais interessante cruzar os r-maps que cada um tem com os seus NPCs em vez de ser logo relações directas entre PCs necessariamente?

Acho que são estas as três alavancas principais que nos permite a criação de personagens em grupo. Estou-me a esquecer de alguma?

Numa nota à parte:
Certamente que a parte mais complexa - o design e aprestação do jogo - é justamente aquilo a que o ric chama "forçar", aquilo que, na verdade, é o maior valor que um autor acrescenta ao jogo. Relembro, por exemplo, o nosso conhecido Sorcerer, em que o nosso amigo Ron Edwards podia se ficar por dizer que era boa ideia dar maior controlo aos jogadores sobre a história e que se deve ter sempre em atenção aos NPCs. Ele não só faz isso como vai mais além, ele "força". Ele diz "isto são kickers, isto é um r-map e a tua folha de personagem não está completa sem eles, vamos lá, toca a escrever aí". Bem ou mal, é o que fazemos para criar um jogo.

[quote=Rick Danger]Acho que são estas as três alavancas principais que nos permite a criação de personagens em grupo. Estou-me a esquecer de alguma?[/quote]Relativamente à criação de PCs não, mas há algo que é importante não esquecer, embora todas estas relações possam ser importantes para desenhar uma situação inicial para a história que se vai jogar, é preciso não esquecer que onde as coisas começam realmente a aquecer e ganhar signifiado é durante o jogo. Sendo essas as relações que têm que ser suportadas pelo sistema e recompensadas.

the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Sim, o “forçar” faz parte do design e serve para pontapear o jogo em determinada direcção. Não é nem mau nem bom por si.

Mas não é a única opção; podes também estimular, recompensar, criar condições para que esse comportamento saia “naturalmente”, e provavelmente outras, não sei. :slight_smile:

Okay, voltando um pouco atrás no debate:

Esta questão parece-me estar relacionada, na sua essência com duas das grandes perguntas que se podem fazer sobre um jogo:

-O que é que os jogadores fazem?
-Porque é que é divertido jogar este jogo?

Evitar a formação instintiva de uma party é uma questão de fazer com que “o que os jogadores fazem” não esteja dependente da criação de uma e que a resposta à segunda pergunta se mantenha independentemente dos personagens formarem ou não uma party.

Isto passa por fazer com que a influencia de cada jogador não esteja limitada ao controlo do seu personagem de forma a que ele possa continuar a intervir no jogo quando esta não está em cena e passa também por garantir que o jogo continua a ser divertido nesses momentos.

Existe aqui a possibilidade de criar dois tipos diferentes de diversão, uma quando o personagem está em cena e outra quando não está, o que significa que o que o jogador faz é diferente, dependendo do seu personagem estar ou não em cena. Neste caso existe sempre o risco de um jogador gostar de um dos tipos de diversão e não do outro.

Implementar isto num jogo passa por decidir que poder se dá aos jogadores e por conseguir criar uma fonte de diversão com o jogo que seja independente da presença de uma personagem na cena.

Vários dos exemplos fazem o 2º ponto criando interesse nos jogadores pelas personagens dos outros jogadores. O 1º ponto é conseguido com mecânicas tipo fan mail e semelhantes (que são limitadas no aspecto que não permitem realmente ao jogador influenciar o que se passa no jogo mas apenas mostrar o seu contentamento ou descontentamento do que se passa neste, afectando o poder dos outros jogadores e assim, indirectamente, o que se passa no jogo), mecânicas que permitam ao jogador que não tem a personagem na cena afectar directamente o que se passa no jogo naquele momento de alguma forma (penso que não conheço nenhum exemplo, mas parece-me bem possivel e facilmente imaginavel) ou mecânicas que permitem ao jogador assumir uma nova personagem para intervir directamente no jogo naquele momento por tempo determinado ou indeterminado.

Finalmente, só relembrar, como já foi indicado, que existe uma diferença entre eliminar a tendência para a formação de uma party e impedir essa formação.

Espero que isto tenha sido útil para a discução de alguma forma, até que me interessou bastante! :slight_smile: