Uma citação

Mas a verdade é que a maioria dos roleplaying games são superficiais ao máximo. O roleplaying é um género comercial concebido para lucrar com a cultura popular, a mesma cultura que já é explorada pelos filmes, TV, literatura popular, animação e cereais de pequeno almoço. Grande parte dos RPGs são licenças de outros media (ex.: Star Wars), tentativas para criar licenças que possam ser vendidas para outros media (ex.: Shadowrun) ou tentativas para generalizar géneros populares (Dungeons & Dragons, um jogo de "fantasia genérica"). São, de forma breve, formas culturais não-intelectuais, até anti-intelectuais, e tendem a enfatizar o combate e a violência à custa da exploração dos dramas humanos. Há algumas excepções admiráveis, como Pendragon, de Greg Stafford, um roleplaying game trágico na Grã-Bretanha do Rei Artur, mas são poucas e raras.

-- Greg Costikyan, na introdução a Bestial Acts, o RPG baseado nas teorias dramáticas de Bertold Brecht (Tradução e destaques meus)

Alguém quer comentar?

Ena, bem apanhado Jorge!

Quanto à superficialidade, bom… teria de saber o que é superficial, não-intelectual e anti-intelectual para o Greg para poder comentar. :wink: Também não posso a comentar por desconhecimento a origem do Shadowrun, o objectivo do D&D, ou o conteúdo dos jogos de Pendragon.

Mas lá que a maioria dos RPGs “tende a enfatizar o combate e a violência à custa da exploração dos dramas humanos”, preach on, brother Greg. Os jogos que reúnem a minha preferência são exactamente os que não gastam o seu latim a explicar um sistema de combate ultra-detalhado, e gastam sim é a explicar um sistema/esquema/plano para criar/viver/explorar/desenvolver/resolver as tais situações de drama humano.

Uma de perspectiva histórica: o texto citado e traduzido é de 1993. Nessa altura, havia bem mais razão para dizer o que aí diz do que hoje em dia.

Outra de contexto. Lido assim, até pode parecer um tracto anti-rpg. Ou anti-rpg popular. Mas não é: lendo o texto todo, enquadra-se na explicação de "o que é um RPG" muito popular na época, e hoje contestado até por escritores deste site. Esta parte do texto serve, com efeito, para fazer contrastar o RPG que apresenta com a maioria dos jogos comerciais desse tempo.

Tendo feito esta ressalva: suponho que o serem não intelectuais e uma espécie de termómetro do que se vai passar na cultura popular faz parte do charme dos RPGs. Quem os viveu desde essa altura, e até antes, quase podia verificar a cultura popular a aparecer, primeiro nos RPGs, e anos mais tarde a aparecer em toda a sua glória, no mainstream. O caso mais flagrante para mim foi a Steve Jackson Games ter publicado suplementos de GURPS que trataram, anos e anos antes, de temas que viriam a ser do gaudio de espectadores e leitores em séries como X-Files e livros como o Código Da Vinci (goste-se ou não de qualquer deles). De facto, não é o intelecto e a razão que mais são estimulados pelo RPG (embora não estejam, de modo nenhum, ausentes) mas a emoção e o dramático, e a excitação e a participação e vivência numa história. Que alguns estejam de mãos dadas com a cultura popular é inevitável, mas há os que lhe voltam as costas, e procuram outras fontes e experiências próprias. E há os que criam essa cultura popular. RPGs eruditos? Se calhar Costikyan procura no país, ou mesmo no continente errado. Nesta altura não sei o que se faz no Velho Mundo, mas não me admiaria nada que houvesse RPGs com temas eruditos. Depois, até mesmo nos EUA, podemos verificar o que faz Ken Hite, usando o Hero Quest para fazer um jogo de Dramaturgia Sagrada Shakespereana no tempo actual (ver a última Suppressed Transmission, quem assinar a Pyramid).

 

"Tragedy is when I prick my finger, comedy is when you fall down a hole and die.

- Mel Brooks -

Eu já fiz este comentário muitas vezes e volto a fazer: o que faz um jogo interessante e inteligente e nada dessas coisas que esse senhor escreveu prai é quem joga nele.

A partir do momento em que o cavalheiro me diz que Pendragon é sério e dramático enquanto que D&D não é, é o momento em que eu digo que o cavalheiro está a dar uma de pretencioso e intelectualóide. Porquê? Porque se vamos por aí, a mitologia arturiana é da mais “popularucha” que há e Pendragon (todas as gogós são FÃS de morrer dos mitos arturianos), se bem que brutal, não garante que todos os jogadores que se sentam à mesa vão anguistiar-se pelo facto que a guerra é um inferno e que em breve vão morrer. Raios, eu conhecia jogadores que planeavam umas gerações para a frente, e começavam a jogar mesmo para matar os personagens em batalha para arrecadar montanhas de glória e honrarias para os descendentes, só para que o bisneto fosse o porta estandarte do rei Artur ou seja lá o que for… e por outro lado já vi gente a jogar ADD (sim ADD não D20) de tal forma que obrigaram o GM a dar XP de recompensa só pelo génio e forma de interpretar a personagem ao ponto que um tipo matou a mulher num acesso de ciume e quando descobriu o que tinha feito, atirou-se sobre a espada (e o jogador, tadito, sabia a verdade toda OOC).

Eu não acredito em maus jogos de RPG. Acredito em settings esquisitos, em sistemas complicados e, acima de tudo, maus jogadores\Gms. Alguns jogos podem ser mais dificeis de apreciar que outros (por exemplo, eu sempre adorei Cyberpunk 2020 mas Shadowrun nem vê-lo… e basicamente são terrivelmente parecidos) mas acho que a coisa varia de pessoa para pessoa.

Alterando uma popular citação “Não é o jogo que importa – é o que fazes com ele.”

Eu sei que o excerto não é um manifesto anti-RPG e que não é actual, mas:

  • O que te leva a dizer que “nessa altura havia bem mais razão para dizer o que aí diz do que hoje em dia”? Os RPGs indie? Mas sempre os houve e, tal como sempre, estes rpgs continuam a ser um nicho de mercado. A única coisa que me parece ter mudado foi a internet e o facto de estes criadores se terem unido para dar mais visibilidade às suas obras.

  • Em que te baseias quando dizes que a cultura popular surge primeiro nos RPGs e só depois no mainstream? O exemplo que dás não me parece significativo: as teorias da conspiração popularizaram-se com a contracultura dos anos 70, com Robert Anton Wilson e Umberto Eco. O que me parece ter acontecido é que uma coisa que foi moda há umas décadas voltou a ser moda outra vez. O mesmo aconteceu com a ficção fantástica, que esteve na berra com “O Senhor dos Anéis” na década de 70 e voltou a estar agora com a versão cinematográfica.

  • O autor do excerto não diz que não há RPGs mais profundos (pelo contrário, até menciona um). Diz apenas que a grande maioria são derivativos de tendências da cultura popular.

Já agora, não estou a priori de acordo com a citação que afixei, mas gostava de tentar perceber até que ponto há uma certa verdade desconfortável nela.

À luz do que dizes (jogos maus/sérios/divertidos), fala-me do F.A.T.A.L., do Paranoia, e do Toon. :slight_smile:

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To crush your enemies, to see them driven before you, and to hear the lamentations of their women.
-Noddy, Lord of Darkness

Não percebi… Em que medida é que o senhor Eco contribuiu para a popularização da teoria da conspiração?

O pêndulo de Foucault?

Será isso? Mas o Pêndulo de Foucault é de finais dos anos 80, não da contracultura dos anos 70. E… Reduzir uma das grandes obras da literatura mundial das últimas décadas a um objecto de popularização da teoria da conspiração parece-me, no mínimo, simplista…

Curiosamente, acho que concordo bastante com a citação, tendo algumas dúvidas sobre alguns dos termos utilizados. Desconheço qual é o tom que lhe dá contexto no texto original, mas julgo que será uma crítica ao "estado da arte" na década de 90.

Por mim, não hesito em admitir que roleplay é principalmente uma forma de entretenimento e que não terá quaisquer pretensões intelectuais de contribuir para o avanço da cultura e da civilização.

No entanto, de facto o termo "anti-intelectual" levanta-me algumas objecções. Não considero que seja o tipo de actividade que fomente e recompense a intolerãncia, a estupidez e a ignorãncia, pelo contrário. Talvez isso se possa dizer de alguns títulos aos quais o Greg faça referência na altura, mas, para mim, são desconhecidos.

Queria salientar o que me parece que a crítica aqui citada se dirige unicamente ás publicações em si e não ao hobbie em geral. Parece-me um desabafo de um autor que olha em volta para o trabalho dos seus colegas e fica, em geral, desagradado com o que vê.

Já disse a Lady Entropy que "o segredo está na massa", mas também podemos falar dos livros em si independentemente das pessoas com que jogamos. O amigo Greg dá-nos aqui o seu comentário.

O Pêndulo de Foucault já era uma paródia às teorias da conspiração da década de 70, além de uma homenagem aos contos de mistério esotérico de Jorge Luís Borges.
Eu gostei muito do livro, mas daí até chamar-lhe “uma das grandes obras da literatura mundial” ainda vai um bom bocado.

É uma questão de opinião. Assim como é uma questão de opinião eu evitar a utilização da expressão “paródia” e o nome do autor Umberto Eco na mesma frase…

E que tal um jogo de enorme carga dramática e personagens levadas ao limite usando o setting e as regras de "Mulheres Machonas Armadas até Aos Dentes"?

Sem brincadeiras, o que dizes, afinal, é que setting e regras são completamente irrelevantes e só importam os jogadores.

Mas, se é assim, porque é que andamos a estoirar o nosso rico dinheirinho a comprar livros de regras e suplementos infindáveis?

 

Está a dar uma e a dá-la à bruta. Lendo o resto do texto a presunção salta à vista em cada linha. Como a presunção e a outra coisa cada um toma a que quer, neste caso não tomo nada.

Sim, é uma questão de opinião, mas quando tens cenas no “Nome da Rosa” em que há referências implícitas ao Rato Mickey e o narrador, que se chama “Adso” (“elementar”, em latim) e é amigo de um tal “Guilherme de Baskerville”, sonha que está dentro de uma vagina gigante, torna-se um bocadinho difícil não usar um sinónimo de “paródia”.

Nada de errado com as paródias: o “D. Quixote” é uma grande paródia e, essa sim, é uma grande obra da literatura ocidental. O mesmo com o “Vida e Opiniões de Tristram Shandy”.

Bom, desculpa lá estar a falar de temas off-topic, mas estou a responder-te. Sim, é verdade que o Umberto Eco fala sobre cultura popular, mas fá-lo de forma sublime - na minha modesta opinião. Não esquecer que ele é professor de Semiótica, portanto faz parte do trabalho do cavalheiro debruçar-se tanto sobre o Rato Mickey e o Flash Gordon, como de outros símbolos que não fazem parte da ‘pop culture’. Quanto à paródia, só achei que a expressão mais adequada, por uma questão da dignidade do autor e académico, seria ‘sátira’. Tanto para o Eco como para o Cervantes. E só para esclarecer, eu não disse que ‘O Pêndulo de Foucault’ é uma das maiores obras da literatura ocidental, defendi que se trata de uma das grandes obras da literatura mundial das últimas décadas. Não é bem a mesma coisa.

… dava perfeitamente um episódio de Mulheres Machonas Armadas até aos Dentes.

Bem como Buffy… ou Xena… e antes que me caiam todos em cima, lembrem-se que se tirarem os maus efeitos especiais, todas estas séries tinham rasgos de génio entre a taralhoquice que geralmente existiam por ali.

Agora, agradecia que não andasses meter “strawmen” no meu discurso. Quando eu digo que quem joga é quem importa não digo que “não precisamos de livros para jogar”. A diferença é muito grande. Podes ter duas partys com o mesmo jogo de DD e enquanto uma faz uma bandalheira a outra tem uma coisa genial a decorrer. Nós precisamos de livros e suplementos porque precisamos de conhecer o mundo em que jogamos, já que na maior parte das vezes, as ideias para fazermos uma personagem vêm do próprio setting em si, e não uma mesma personagem chapa 4 “one size fits all” que cabe em todos os settings e jogos.

E para evitar mais strawmen dou-te o exemplo: Tens Vampire - O toni joga com a Draculina, Toreador que anda vestida de cinto de ligas e correntes, enquanto que o Miguelito joga com James St. Germain, que é um (aparentemente) calmo Brujah que na realidade anda a planear assassinar o principe, causar uma guerra entre os Ventrue e os Toreador e depois ajudar o sire a subir ao poder. Ambos existem no mesmo mundo – mas não quer dizer que o mundo/setting cause boas personagens. Ou só más.

…depois de me dizeres que é impossivel alguém neste mundo azul e atavascado de pessoas fazer uma boa personagem ou divertir-te a jogar qualquer um destes jogos. Se bem que algumas pessoas não acharão piada (como tu ou eu) deixa de olhar para o teu umbigo e achar só porque tu não gostas, automaticamente todo o mundo é obrigado a não gostar.

A não ser que tenhas um umbigo sexy. Aí podes olhar à vontade.

E mai nada.